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10 POEMAS DE LIANA TIMM

NORDESTE

desejo
como se outro fosse

meu corpo pede
lascivo os adereços
diante do nada

compartilho um arder
descontente e raso
terreno de pedras vivas

a pele
seca
à espera
da irrigação primeira

 

O ÍNTIMO DAS HORAS

algo de fogo
rompe a respiração da tarde

uma pantomima de espelhos
se inaugura nesta zona cega
de ondas e marés

o afetuoso de todas as coisas
foge para um sono profundo
hiberna em indevida estação

lábios e ternuras equivocadas
jogam o desalento no arbitrário
e aderem de forma resoluta
esta noite em branco

invadida e instável
no tumulto das lembranças
saio como quem entra
num lugar onde não se fica

 

CENTELHA

vasto céu nesta boca que beija

toda beira
passeia numa língua gustativa

seja na língua o que sai
no intencional e rouco
na cruel falta de endereço
no ressoar oco
deste interior que me alucina

um cansaço parte a minha hora
de inúteis dissabores e perguntas

vou longe
um amor que se quer definido
rasga de barbárie
abre sulcos e cerimônias
inimagináveis

dá sem abrir a boca
cai sem se equilibrar
diz sem pensar
uma ocasional filosofia

preciso é de um beijo alucinado
nunca se promete o futuro
acontece

 

MELANCOLIA

que esta cama sirva
por motivos
exigências
e novidades
inaceitáveis

que ela seja
tempo contraído
estranheza íntima
de suportáveis
segredos

pânicos excedentes
palpitações
tremor de carne
clandestina sombra
de noites

mas que fique acesa
ao longo de um sem volta
de uma indomável sede
a nos render
por sua estatura
e delicadeza

sempre

 

DOS ENGANOS

tingidos estão a mente e o coração
os equívocos se criam
em registros imaginários
– somos não sendo
a qualquer hora

deixo-me querer alguma coisa
quando em sombra estarreço

irrealizados na prisão do ser
imagina-se possibilidades
num canto apaixonado
de agudos
graves experiências
misturam o gênero das coisas

especiarias habitam
no intervalo do amor e das fantasias
expondo e assombrando
cada e toda ausência

 

ÉDEN

meu excesso
está na magia
nessa inclinação
à alegria

de raro encantamento
o que chamo escondida
na clareira do ser

inquilinas serpentes
ruborizam inesquecíveis
demônios passeadores

há porres ancestrais
sem absinto
lençóis egípcios
maiúsculas
e minúsculas afirmações

em meio ao dia
brinco caminho
contrasto

carne em suor noturno
e todo absurdo
enternece
o sal da pele

 

ACIDENTAL

em meus olhos
lembranças de quando desprovida
de uma falta
nem morria nem vivia

nas tragédias
nem caía em equívocos
dizia versos num ritmo
de estrondosas sensações

de imensidão e carne
um poço de ternura
já era sonho
uma rosa dava ao amor
seu infinito
e a sede
indícios do paraíso

uma tarde de nuvens
agora entra em colapso
cruza perguntas
num pequeno curso
de imprevistos

 

INTENÇÃO

não fale demais
ainda é cedo
deixa a ilusão facilitar
qualquer chegada

não conte o que te dilacera e alucina
desvia palavras cruas
escolhe a primavera dos teus dias

abre as portas do paraíso
esquece essa agonia impaciente
sem terceira via

tempera tudo com a cor mais pura
socorre a natureza destes dias
poupe de sangrar o coração
poupe a impressão
de ser o amor
esse inferno que se anuncia

 

VAGAREZA

fácil de ferir
o corpo perece a cada dia
em vagareza e curvatura

habitado e sem rumo
atravessa
desfigurando a pele aos gritos

lembra de tudo esquecendo
escorregando na frente de um espelho raso

saturado de misérias
busca um trem atrasado
que passa e nem para
pois tudo sobra
e nada se adivinha
numa atitude falsa de mudança

 

BECOS

enquanto tudo ao redor venta
me encontro vidro fácil
sulco frágil
em pedra esfarelada
pela própria vida

não sei como faço!
quero conspirar
no secreto fosso de um veneno
ingerindo a conta-gotas
o que entendo e revoa

sem rota
embaraço os fios de uma teia
nas mortas horas do dia

assombrada espero
o tempo soterrado nas dobras da pele
nos ecos abafados
em becos sem saída

lá onde os trovões se multiplicam
raios abatidos
ainda relampejam

 

 

LIANA TIMM | Artista multimídia, arquiteta, poeta e designer. Vive em Porto Alegre com atelier em permanente ebulição. É atual presidente da AGES – Associação Gaúcha de Escritores. Sua produção mescla manualidade e tecnologia, conceito e materialidade, história e contemporaneidade. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976/96) e mestre em Educacão, transita pelas artes visuais, pela literatura, pelas artes cênicas e pela música. Realizou 74 exposições individuais, sendo as mais importantes: Pinacoteca do Estado de São Paulo/SP/Brasil, Memorial da América Latina/SP/SP/Brasil, Centro Cultural Correios e Telégrafos/Rio de Janeiro/RJ/Brasil, Museu Brasileiro da Escultura/São Paulo/SP/Brasil, Fundação Cultural do Distrito Federal/Brasília/DF, Museu da Gravura cidade de Curitiba/PR/Brasil, Museu de Arte do Rio Grande do Sul/Porto Alegre/RS/Brasil. 32 shows musicais em Porto Alegre e interior do Rio Grande do Sul/Brasil, em Montevideo/Uruguai, em Miami/EUA e em Toulx Sainte Croix/França. Publicou 64 livros, destes 18 são individuais de poesia sendo que o último reúne sua produção poética de 35 anos. Recebeu 17 prêmios nas diversas áreas de atuação. Desenvolve suas produções culturais e projetos editorias através da TERRITÓRIO DAS ARTES.
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