NORDESTE
desejo
como se outro fosse
meu corpo pede
lascivo os adereços
diante do nada
compartilho um arder
descontente e raso
terreno de pedras vivas
a pele
seca
à espera
da irrigação primeira
O ÍNTIMO DAS HORAS
algo de fogo
rompe a respiração da tarde
uma pantomima de espelhos
se inaugura nesta zona cega
de ondas e marés
o afetuoso de todas as coisas
foge para um sono profundo
hiberna em indevida estação
lábios e ternuras equivocadas
jogam o desalento no arbitrário
e aderem de forma resoluta
esta noite em branco
invadida e instável
no tumulto das lembranças
saio como quem entra
num lugar onde não se fica
CENTELHA
vasto céu nesta boca que beija
toda beira
passeia numa língua gustativa
seja na língua o que sai
no intencional e rouco
na cruel falta de endereço
no ressoar oco
deste interior que me alucina
um cansaço parte a minha hora
de inúteis dissabores e perguntas
vou longe
um amor que se quer definido
rasga de barbárie
abre sulcos e cerimônias
inimagináveis
dá sem abrir a boca
cai sem se equilibrar
diz sem pensar
uma ocasional filosofia
preciso é de um beijo alucinado
nunca se promete o futuro
acontece
MELANCOLIA
que esta cama sirva
por motivos
exigências
e novidades
inaceitáveis
que ela seja
tempo contraído
estranheza íntima
de suportáveis
segredos
pânicos excedentes
palpitações
tremor de carne
clandestina sombra
de noites
mas que fique acesa
ao longo de um sem volta
de uma indomável sede
a nos render
por sua estatura
e delicadeza
sempre
DOS ENGANOS
tingidos estão a mente e o coração
os equívocos se criam
em registros imaginários
– somos não sendo
a qualquer hora
deixo-me querer alguma coisa
quando em sombra estarreço
irrealizados na prisão do ser
imagina-se possibilidades
num canto apaixonado
de agudos
graves experiências
misturam o gênero das coisas
especiarias habitam
no intervalo do amor e das fantasias
expondo e assombrando
cada e toda ausência
ÉDEN
meu excesso
está na magia
nessa inclinação
à alegria
de raro encantamento
o que chamo escondida
na clareira do ser
inquilinas serpentes
ruborizam inesquecíveis
demônios passeadores
há porres ancestrais
sem absinto
lençóis egípcios
maiúsculas
e minúsculas afirmações
em meio ao dia
brinco caminho
contrasto
carne em suor noturno
e todo absurdo
enternece
o sal da pele
ACIDENTAL
em meus olhos
lembranças de quando desprovida
de uma falta
nem morria nem vivia
nas tragédias
nem caía em equívocos
dizia versos num ritmo
de estrondosas sensações
de imensidão e carne
um poço de ternura
já era sonho
uma rosa dava ao amor
seu infinito
e a sede
indícios do paraíso
uma tarde de nuvens
agora entra em colapso
cruza perguntas
num pequeno curso
de imprevistos
INTENÇÃO
não fale demais
ainda é cedo
deixa a ilusão facilitar
qualquer chegada
não conte o que te dilacera e alucina
desvia palavras cruas
escolhe a primavera dos teus dias
abre as portas do paraíso
esquece essa agonia impaciente
sem terceira via
tempera tudo com a cor mais pura
socorre a natureza destes dias
poupe de sangrar o coração
poupe a impressão
de ser o amor
esse inferno que se anuncia
VAGAREZA
fácil de ferir
o corpo perece a cada dia
em vagareza e curvatura
habitado e sem rumo
atravessa
desfigurando a pele aos gritos
lembra de tudo esquecendo
escorregando na frente de um espelho raso
saturado de misérias
busca um trem atrasado
que passa e nem para
pois tudo sobra
e nada se adivinha
numa atitude falsa de mudança
BECOS
enquanto tudo ao redor venta
me encontro vidro fácil
sulco frágil
em pedra esfarelada
pela própria vida
não sei como faço!
quero conspirar
no secreto fosso de um veneno
ingerindo a conta-gotas
o que entendo e revoa
sem rota
embaraço os fios de uma teia
nas mortas horas do dia
assombrada espero
o tempo soterrado nas dobras da pele
nos ecos abafados
em becos sem saída
lá onde os trovões se multiplicam
raios abatidos
ainda relampejam