Li em A Ciranda das Mulheres Sábias, de Clarissa P. Estés, um convite para conversar. Alguém que espera por você, para lhe dar as boas-vindas.
“Venha, sente-se comigo um pouco. Pronto, vamos fazer uma pausa, deixando de lado todos os nossos ‘inúmeros afazeres’. Haverá tempo suficiente para todos eles mais tarde. (…) O que é provável é que no portal do paraíso queiram saber com que intensidade escolhemos viver; não por quantas ‘ninharias de grande importância’ nos deixamos dominar.” (CPE)
Esta fala plena de afetos e gentilezas, em que uma mulher acolhe a outra, para ouvir e cuidar, saber de seus sentimentos, produziu-me uma profunda emoção, pela singularidade da acolhida e generosidade da escuta. Tal como as emoções vividas, quando se conhecem pessoas e lugares novos, em que se sente um bem-estar no mundo, uma familiaridade necessária, uma intensa expressão de quem se sente recebida, sem pré-condições. Uma espécie de magia na descoberta de pessoas e lugares invade meu espírito, ao reler esse texto! Há um olhar de curiosidade no recém-descoberto, um silêncio para perceber os mínimos sons da natureza e a modulação carinhosa das palavras pronunciadas.
Esse passeio por lugares novos, essa viagem interna e externa em que se modulam razões e paixões, resultou em trocas de saberes, em renascimentos diversos, funcionando como uma metáfora da autodescoberta. É como se estivesse falando comigo de um outro lugar, em uma outra margem da vida, sentada na roda de mulheres sábias que ouvem, acolhem, revelam segredos de si mesmas e, especialmente não se ocupam apenas com tarefas cotidianas, como limpeza de ambientes, ordenamento de estantes, não sendo necessário explicar, nessa conversa, sobre limpeza de calçadas.
Essa roda é uma experiência de mulheres que se desafiam e se reinventam, conseguindo redimensionar seus projetos de vida. O difícil é sair da inércia, da procrastinação, do desencanto com a vida e com as pessoas. E, ainda mais, superar o encanto fortuito, até porque se desencanta, quem se encantou e encantar-se talvez não seja a melhor forma de buscar a vida feliz, que se deseja. Se renascer é nascer a partir de novos valores, a forma de se assumir e repensar valores é buscar o que genuinamente toca a vida da gente como mulher.
Nessa viagem, feita comigo e para mim, encontro-me com diversas mulheres, que passaram por minha vida e com mulheres que ainda hoje é possível trocar experiências, alegrias intensas, tristezas profundas, silêncios eloquentes e que tal como ‘no portal do paraíso queiram saber com que intensidade’ eu escolhi viver. Elas não dão importância para ninharias, nem se preocupam com agrados formais. Sentam-se comigo, sinto-me acolhida nessas parcerias antigas e novas, sem dominação. Sem desencanto, porque não houve encanto, o que ocorreu foi a profunda troca de saberes.
As muitas trocas e acolhidas com as Mercedes, Marias, Adélias, Castorinas e Cyrces estão na minha memória, nas ruas por onde ando, nos espaços de trabalho que estive, nas estudantes que passaram por minhas aulas e nas colegas que partilharam comigo as rotinas do cotidiano.
Em toda essa viagem, em que me sentei na roda das mulheres sábias, havia sempre uma intensa preocupação sobre as repetitivas notícias registrando que as mulheres continuam violadas, assediadas, discriminadas, roubadas e assassinadas, tão somente por desejarem ser ouvidas e acolhidas em uma roda que as recebesse sem preconceitos e sem dominação.
É imprescindível colocar um ponto final nessas situações aflitivas e humilhantes, nas quais se encontram inúmeras mulheres, muitas delas não encontrando nenhuma acolhida. Fico a pensar até quando a humanidade lutará contra seu próprio ventre! O útero é uma forma tão intensa das possibilidades da vida, que incomoda desde as mentes mais atrasadas até às mentalidades, que se entendem como avançadas. As expectativas não são animadoras, o que não impede as mulheres de renascerem do caos. De quase invisíveis, tornam-se resistentes e assumem seu lugar também na roda do mundo, onde é possível serem acolhidas por companheiras sábias.
O renascer sentido nessa roda, continua! Com as gerações de filhas e netas que se sucedem, em outras rodas, com outras mulheres sábias.
E ensina Clarissa Estés:
“Por elas… que se deem conta de como sua vida é preciosa, de como, apesar de quaisquer imperfeições, elas são exatamente os baluartes, as pedras de toque, as notas fundamentais, os paradigmas necessários.”
Cecilia Pires. Profa. PHD. Paris, Sorbonne IV. em Filosofia Social. Dra em Filosofia Política, UFRJ. Mestre em Filosofia Contemporânea, UFSM. Formação em Psicanálise Clínica. Escritora e poeta, vinculada à Associação Literária Alpas. Publicações: Livros de Filosofia e de Poesia. A Palavra do Século XXI. Editora Gaya. Cruz Alta. Participação em Coletâneas da ALPAS e da ASL.