Bamboleio
Penhoro cabelos, agora grisalhos,
desejos, exílios no tempo,
reminiscências, algumas de contentamento,
mistérios e enredos postiços,
peso e leveza nesta lista escorregadia
de destroços, fardos e saberes.
No arquipélago do garbo sem recato,
letras de giz, frases arenosas e escombros,
esparjo ficção em algodoais espinhosos,
planto nas bordas dos truques,
na pele prateada das horas,
no império bamboleante da nitidez.
Grafite
Nas vísceras da realidade, mágoas a bombordo, fúrias na proa,
lascas de enganos, nevoeiros providenciais,
envelhece-se à deriva, súdito da imaginação.
Lidas, relidas, estrofes enrugadas nos papeis
invadem frestas, fissuras nos cabarés da esclerose,
a secretar anestesia, mitigar hálito e untar unguento,
contornar cerros de equívocos, pulsões esfarinhadas,
a devorar madrugadas a grafitar orvalho.
Pólens
No calcanhar de tardes como esta,
consoantes não acontecem.
Substantivos até sei modificar, escavar,
degradar verbos, locuções, metonímias,
gerar pétalas azuis, féculas de anseios, flamingos de algodão doce.
Avio receitas de cogumelos, cactos e petições de eutanásia,
com pólens de tanto faz.
Depois
Vem crisálida de manhas e mimos,
descomprime suspiros, aleivosias e instantes,
dopa, franze, ergue sobrancelhas,
despe tristezas e neutrinos, troças, desavisos,
no sofá de couro negro e anelos tépidos,
rangidos de mistérios resistentes ao depois.
Querência
Quis ser, acreditar que fosse
atravessar catracas lúbricas,
coletar lascívias, compartilhar recatos,
malandragens nos braços das malandragens,
corpos inflados na mercearia
de ossos, carnes, peles e véus.
Quis o frenesi dos lugares longe,
picadeiros de enganos, pequenas e grandes travessuras,
açodado, curioso a farejar nos epígonos da volúpia
Sol
Lambuza o passado que nunca acaba,
árvore calcinada, gemido informe,
veios e atalhos de belezas e feiuras,
correias transportadoras de minúcias.
Dá passagem ao claro, ao escuro,
ao sereno, à secura e ao som recurvado da terra.
No luxo da distância, revive sorrateiro, bebe o sol.
Beleza
Errei por gramáticas, dialetos, sabendo cerros e vales,
escarpas, veredas, trilhas pantaneiras, sertão.
Desfibrei as carnes das coisas.
Baixei a cabeça, vaca sobre ervas.
Agora subo a escada da noite,
os degraus da biblioteca do devir,
desprovido, migrante, submisso,
escasso de verdade a rumorejar mais beleza.
Antes
Hei de atravessar paredes,
o chão da seriedade,
rasgar cartazes, engravidar novelas,
refazer claves de Bach e Beethoven,
ao largo das águas correntes,
arteiro na sombra da morte.
Reverberar a aspereza das pedras,
a ousadia de árvores, elegantes damas,
aproveitar a herança do Barco Bêbado,
antes que o verso se aposente.
POEMAS DO LIVRO:
Paulo Ludmer
é poeta, contista, jornalista, engenheiro, professor (www.pauloludmer.com.br), Autor de Fagulhas (Realejo livros), Fonte (AGE), Falésia (Espaço Editorial) e Foz (Espaço Editorial) entre 25 títulos.