NEGRA
Negra
Palavra
Bendita
Que saiu
De tua boca
Como insulto
E que transcende
Em minha dança
Em minha história
Em minhas crenças
Em minha luta
Em minha vitória
Que corporifica
Em meu sorriso
De perplexidade
Da tua pobre
Medíocre ignorância!
CAPITÃO DO MATO
Capitão do mato
Por que matas
A tua consciência?
Com a matança
Dos teus
Eu só te pergunto
Afinal… quem morreu?
Reza a lenda
Que foi o teu EU!
PRECISO ANDAR
No primeiro instante
Uma tristeza profunda
A terra sob os meus pés
Treme
Uma incerteza
Paira no ar
Logo mais
A respiração se estabiliza
O reflexo e a memória
Se dão as mãos
Como assim resistência?
Por acaso em algum momento
Da vida
Deixei de ser resistência?
Meu corpo negro
Estereotipado, objetivado
E não será agora
Que será diferente
Olhos mais abertos
Intuição
Audição da alma
Juntos de mãos dadas
Com os meus
Eu te cuido
Tu me cuidas
Nós nos cuidamos
E seguimos
Pois a bala tem alvo
E na palheta de cores
O gato pardo
É Negro!
LÂMINA
Tua fala
Machuca mais
Do que tiro
A tira roupa
É um rombo
Sem pedir licença
Sem bater na porta
Sem aviso prévio.
Que a lâmina
Da tua língua
Não te corte
Por inteiro
Pois o veneno
Não caberia
Na Farmacolândia
Existente em cada esquina
Das podres cidades
Entorpecidas
Pela hipocrisia
Disfarçada de realidade.
GARGANTA
Na garganta
Um grito mudo
Paciência mulher…
Cansei de paciência
De inocência
Roubada
E do sorriso
Estampado no rosto
Como cartão de visita
Quero que o meu grito
Ecoe
Reverbere
E ressoe
Em todas as mulheres
Peito a peito
Olho no olho
Sororidade
De manas
Que se reconhecem
E amanhecem
Transformadas
Pela vibração
De cada voz feminina
Liberta, igual
Salve
Negra bendita.
CHOCOLATE
Chocolate
Chicote
Chocolate branco ou negro?
A mão que bate
Reverbera a história mal contada
Reativada e permitida
Escancaradamente
Branca
No doce amargo
Ao leite.
FIO DE PRATA
Sabes Negro
Hoje
Vejo-te
Percebo-te
Reconheço-te
Não pela tua cor
Tua marginalização
Tua resistência
Mas por algo que nos une
Nosso fio de prata
Ligado no plexo
De nossa Ancestralidade.
MARCAS
Na pele a marca
Do rasgo profundo
Cerzido
Pelas histórias distorcidas
De um povo
Roubado em suas memórias
Seu grito calado
Revela ira
Que reverbera em seu peito
Sufoco
Mas não morro
Sou um sobrevivente!
Fui rei, guerreiro, trabalhador
Escravizado, liberto, enganado
Desempregado, favelado, presidiário
Amaldiçoado.
Fui princesa, mãe, trabalhadora
Escravizada, ama de leite, violentada
Liberta, enganada
Prostituída, sexualizada
Rebaixada, humilhada
Chega! Meu grito não mais se cala
Agora ressoa
Respeite a minha tez
Fruto da origem da Vida
“Gen” de todos os povos
Dos meus olhos
Não sairão mais lágrimas salgadas
Mas sim o vislumbre
Da saga vencida.
Lilian Rocha
é natural de Porto Alegre, é Farmacêutica e Analista Clínica (UFRGS), Especialista em Homeopatia (ABH), Musicista (Liceu Palestrina) e Escritora. Autora dos livros A Vida Pulsa- Poesias e Reflexões (Alternativa), 2013, Negra Soul (Alternativa), 2016 e Menina de Tranças (Taverna), 2018. Coautora do livro Leli da Silva- Memórias: Importância da História Oral (Alternativa), 2018. Coorganizadora da Antologia Sopapo Poético- Pretessência (Libretos), 2016. Membro da Coordenação do Sarau Sopapo Poético- Ponto Negro da Poesia, Acadêmica da Academia de Letras do Brasil- Seccional RS (ALB-RS), Diretora de Organizações Sociais da ALB-RS, Conselheira da Associação Negra de Cultura (ANdC), Membro da Sociedade Partenon Literário e da Internacional Writers and Artist Association (IWA), Acadêmica da Academia União Cultural e Membro da Comissão da Verdade da Escravidão do Rio Grande do Sul (OAB-RS). Seus poemas são publicados em diversos sites, blogs, antologias, revistas e redes sociais.