Bacana bom no que faz
(de Canto dos Infernos)
E aí patrão, vai contribuir?
Pedir não é vergonha!
Pegar pra comer
Não é vergonha…
Digo logo – e tem mais:
– O senhor não se imponha!
Vergonha é roubar
Roubar grande, aliás!
Questão de classe você sabe…
Que estudou – deus-é-mais –
Os que roubam e os roubados,
As tais classes-sociais…
E entre nata e fossa: tu – o vão!
Serviçal do mérito(crata)
Landirrover, jacuzi, garçom
Cão-de-guarda de gravata
A chafurdar na bravata:
– Bacana tá bem! – Tá patrão!
Pedir não é vergonha
É vergonha não…
Vergonha é tu Bacana!
Que tá bem – mas sem os irmão’
Vergonha é teu sucesso
(Rabo sujo de patrão).
Pedir não é vergonha
Vergonha é o preço do luxo
É quem cala sob o lixo!
Vejo, logo desembucho:
– Vergonha é o desperdício!
É ficar sem – sem ficar são.
Pedir não é vergonha…
Tomar de quem rouba?
Mas é otário – menos ainda!
– Vergonha é tu, é teu patrão
É roubar grande, oh vacilão!
Eu já falei – fecha essa língua.
Amor alegria dos corpos
Ao amante descuidado
A umidade deslizante
(Pele, ventre – e seus lábios)
Dorme seca, e distante
Amante, mas indolente
O peito grita amargado
De ciúme trai a mente
E o querer definha em fardo
Pois amar é dom concreto
Carne – não abstração!
Sentimento chão, ereto
Fenda, encaixe, conjunção…
É audácia da amizade,
Cadência, demônio, afago
Toque, beijo, outra metade
Língua, jeito, olhar – é rabo!
***
Sábio amante, não esquece!
Amor é cheiro – é tesão
Bocas unas, comunhão
Discussão que emudece
Pau que súbito intumesce
Perfume acre da boceta
A gota de leite à teta
– É a espécie que agradece!
Paz que enfim retorna ao peito,
Toda a existência relaxa…
Até que a dança renasça
Na partitura do leito
***
É da canção o verso morto
Que jaz calado – já vencido
Amor, alegria dos corpos!
Rima do êxtase gemido…
E ainda que viva na dor
(Viver, antônimo de paz)
É dor boa, vale doer
– Vida é no abraço que se faz!
Haicademia
Pra que serve a filosofia?
(Questiona o científico douto)
Pra se aprender a errar erros outros.
Yuri Martins-Fontes:
Escritor, ensaísta, professor, fotógrafo, andarilho. Tem formação em Filosofia e doutorado em História (USP/CNRS). É autor dos livros “Marx na América” e “História e lutas sociais”, dentre outras obras e traduções literárias. Colunista de cultura e política da Revista Fórum, ALAI e portal Mondialisation. Milita pela democratização da cultura e educação desde o movimento estudantil; membro do Coletivo Banzo: fotografia de rua e pesquisador do Núcleo Práxis da USP. No início do século, viajou solo durante meia-década pelos quatro grandes continentes, em transportes públicos por terra e água, escrevendo e fotografando, além dos vários trabalhos do caminho. Editor de Travessias – revista só, em que publica escritos literários, filosóficos e ensaios fotocronísticos. Escreve contos, crônicas, poemas e dramas, como Maria Woyzeck, encenada em 2015 (Espaço Maquinaria/Bixiga, SP). Foi um dos selecionados do “Prêmio Poesia Agora” para compor a antologia “Outono” (2020).