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10 POEMAS DE CHICO ARAUJO

Cansaço

 

A Manoel de Barros e Ivan Junqueira

há um cansaço…
o sono não mata
o cansaço que corrói o sono…
fica o peso
das horas
dos dias
das coisas

há um cansaço
e os poetas partem
deixando a vida com menos tono…
fica o vazio
das palavras
dos versos
das visões

há um cansaço
e o dia a dia nos aperta
tornando a existência um pulsar menos humano…
fica a dúvida
do que são as pessoas
do que é o homem
do que somos nós

 

 

Metrizando

me importa
meu dito
um grito
d’alma
em fala alerta

dis(penso)
forma única
única forma de sempre estar no sempre mesmo
uma
prisão
cárcere / privação que ninguém vê

vou espargindo versos-frases
palavras-versos
textos em diálogos comigo
e tantas outras vozes que nem sei quando eu

quando o outro e mais outro e mais outro galo ou não por ser semelhante e talvez desigual
claro que já não eu porém tantos eus que já muitos outros em voz de outro que não eles sendo eles também

o que me importa
a palavra que não é silêncio, mas que o tem
o silêncio que guarda a palavra e a ressoa
o sentido
que
seja
direção
e
expressão

Inquietado

 

além das grades
da janela
a rua
ferindo
os tímpanos aviltados
desnuda
caminhos confusos e desesperados

são pessoas e passos
veículos e movimentos
idas vindas e desordens
infligindo
no espírito desassossegado
muda palavra
íntimo taciturno estupefato

a vida no dia inquieto
manhã já desperta bem acordada
que vale um olhar pela janela?
que grade um vale aprofunda?
os entes transitam seus gritos em silêncio
trilham seus rumos entre o medo e a necessidade
os corações palpitam dores pela cidade

 

 

Pressa

a cidade inspiraexpira velocidade
ritmo acelerado na subjetividade dos citadinos
passos rápidos falas rápidas ansiedades

em qualquer ponto, reticências ou interrogação
muito / muita em compasso de espera
e o grito já não sufocado vocifera

se intervém na urbe e ela se transforma
se adapta em ruas não em sentimentos
amor e ódio depende de quem os transporta

manhã tarde noite em movimento
madrugada adentro, movimento
muito se acelera sem precisão de hora

muito que se poderia fazer não se fez
muito que se precisava fazer, se fez
muito que importava fazer perdeu a vez

e não se sabe mais quando por enquanto
minha cidade deixará de ser bela para ser encanto
onde se possa viver em paz, entre poesias e cantos

a cidade expõe velocidade, tem pressa
o ir e vir das pessoas expressa
o tempo de seguir adiante impera

já não importa como
como, já não importa
já… como não importa

a cidade tem pressa
as pessoas incorporam a pressa
a vida cotidiana impõe a pressa

e eu não sei onde me ponho no meio de tudo isso
minha vida é apenas um sopro
na minha existência, os meus riscos…

Do céu ao chão

  

Branco lençol de algodão

Vasto, extenso, alvo

Estendido no céu

 

Mais abaixo o denso chão

Por onde caminharei

Bem descobrindo o lugar

Que eu nunca habitei

 

D

O

 

C

É

U

 

A

O

 

C

H

Ã

O

 

Voo… vou…

 

 

Sopro de paz

 

Para R. A.

Eu chorei sozinho
Lágrimas que não são
Só por mim
Tenho receio de ter
Quebrado o espelho
Que podia ir além
Além do que vive aqui

Nessa grita intensa da emoção
Muito se perde entre sim e não
Numa voz mais alta pode-se fender
A herança que se almejo
Um dia construir

Tantas idas e vindas no fugir das horas
Tanto perder-se em meio a aflições
Corre a vida e ela nos devora
Pela arrogância de palavra e gesto
Todo o amor que não foi manifesto

E enquanto grito calado minha solidão
Me brada uma aflição – como estará você?
E aí meu choro invoca o Ser maior
Pra que desfaça os motivos de tamanha dor
E envie um sopro de paz que possa nos tecer

Qualquer letra de canção

 

Qualquer letra de canção
Que eu faça
Me põe em novo ritmo
Que por mim fala
E me expõe
Enquanto me guarda

Qualquer letra de canção
Que eu teça
Repara algum vazio
Que em mim se fez
Então já me compõe
Depois que me desfez

Não é fácil fazer-se assim
Tecendo-se outra vez
Palavra por palavra ditando
Tão complexa reconstrução

Mas que eu seja então enfim
Esse eu que se refaz
Na palavra letra de canção
Além de simples ilusão

 

Nuança

encontrar o próprio tom

o que me falta?

imperam silêncios entre

gemidos e palavras emergentes

somar-me das vozes tantas

esconde minha fala que se espanta?

nem sóis quando giram

nem luas quando luz(es)

o tempo entre as veredas dos versos

as fendas ferais dos sentidos

perdidos o cheiro a cor o sabor de dizer

entre a noite infligida e o dia emudecido

por quantas estações?

uma primavera minha seja sua seja nossa seja

tantas vozes tantos “eus” tantos quantos nós sem nós

nem amarras nem cárceres mas elos livres em voo

afirmativamente integralmente singularmente plurais

uníssono singularmente

o destino não nos restará ao vento

nem cada parte de mim se limitará a devaneio

mesmo que lágrimas te lembrem em meu rosto

sigo e busco, busco e sigo

a saudade

 

Fênix

 

Da tarde posta há pouco

Sob o abraço da noite

Resta uma réstia de luz – um filete

Um feixe de raro encanto

De paz, um canto prenunciou

 

Na tarde

Sol distante adormecendo

Na ponte só eu vendo

A vida

Ressurgindo em mim

 

E baila a maré nas longarinas

Enlaçadas de limo

Vida em ondas

Avançando espumas mais além

 

E vem a mim

O brilho cativante

Desse instante aqui

 

A tardenoite

A luz a sombra o mar

A paz se insurge

Enfim

 

 

Arco-íris

Entre prédios e no meio do trânsito

Afastando da visão o asfalto negro da cidade grande

O espetáculo intenso das cores do arco-íris

Do céu para um dia quase comum

A coloração impactante entre chuva sol e manhã

Vida acontecendo quase alheia

Vida ocorrendo sem muito ver

Vida correndo sabe-se lá para que lugar

Na manhã, o arco-íris…

Na cidade, a repetição da existência em fatos comuns:

Gentes

Carros

Retenções

Buzinas

Impaciências

Na manhã da cidade comum o arco-íris desvaneceu

Varreu das visões as cores que poderiam despertar alegrias

 

Chico Araujo 

Francisco Sérgio Souza de Araujo, o Chico Araujo, tem publicados os seguintes livros:
de história infantil: O menino e o outro menino (1997) e Aziul, uma história de sombras e de luz (2009) – primeiro volume da tríade “As aventuras de Aziul”; de contos, O relógio de parede (2000) e Em compasso de espera (2011); de poemas, Versos de setembro e outras insurreições (2008).
Possui poemas publicados em coletâneas poéticas realizadas pelo PROYECTO CULTURAL SUR/BRASIL / CONGRESSO BRASILEIRO DE POESIA, o qual ocorria anualmente na cidade de Bento Gonçalves (RS), também poema e conto na Antologia PAREM AS MÁQUINAS do selo Off Flip (2020), além de ter publicados contos e poemas nos sites www.poetasdelmundo.com, www.paralerepensar.com.br e www.poeticadigital.com.br.
Tem envolvimento com música, sendo letrista de músicas em parceria com os artistas cearenses Matteus Viana, Marcos Silva, George Farias, Luciano Almeida Franco e Isaac Cândido.
Como intérprete de música popular brasileira já realizou shows no Teatro Carlos Câmara (Show Nascer do Canto – 1983), Teatro Paurillo Barroso (Show Vozes – 2007), Teatro Arena Aldeota (Show Novas vozes, novas canções – 2007), Teatro Emiliano Queiroz – SESC (Show lítero-musical Amigos – 2010). Teve participação no show musical NordesteS, realizado em 2019 no Theatro José de Alencar, sob direção da cantora, compositora e regente coralista cearense Aparecida Silvino. No momento encontra-se em edição na Editora Radiadora seu segundo livro de poemas intitulado Entre versos, sombras e assombros. Além desse livro no prelo, organiza os também livros de poemas: Soneteando, no qual somente há poemas escritos em forma de sonetos italianos; e O livro de quando…, além de um outro com narrativas curtas ainda sem título.
 
 
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