Cansaço
A Manoel de Barros e Ivan Junqueira
há um cansaço…
o sono não mata
o cansaço que corrói o sono…
fica o peso
das horas
dos dias
das coisas
há um cansaço
e os poetas partem
deixando a vida com menos tono…
fica o vazio
das palavras
dos versos
das visões
há um cansaço
e o dia a dia nos aperta
tornando a existência um pulsar menos humano…
fica a dúvida
do que são as pessoas
do que é o homem
do que somos nós
Metrizando
me importa
meu dito
um grito
d’alma
em fala alerta
dis(penso)
forma única
única forma de sempre estar no sempre mesmo
uma
prisão
cárcere / privação que ninguém vê
vou espargindo versos-frases
palavras-versos
textos em diálogos comigo
e tantas outras vozes que nem sei quando eu
quando o outro e mais outro e mais outro galo ou não por ser semelhante e talvez desigual
claro que já não eu porém tantos eus que já muitos outros em voz de outro que não eles sendo eles também
o que me importa
a palavra que não é silêncio, mas que o tem
o silêncio que guarda a palavra e a ressoa
o sentido
que
seja
direção
e
expressão
Inquietado
além das grades
da janela
a rua
ferindo
os tímpanos aviltados
desnuda
caminhos confusos e desesperados
são pessoas e passos
veículos e movimentos
idas vindas e desordens
infligindo
no espírito desassossegado
muda palavra
íntimo taciturno estupefato
a vida no dia inquieto
manhã já desperta bem acordada
que vale um olhar pela janela?
que grade um vale aprofunda?
os entes transitam seus gritos em silêncio
trilham seus rumos entre o medo e a necessidade
os corações palpitam dores pela cidade
Pressa
a cidade inspiraexpira velocidade
ritmo acelerado na subjetividade dos citadinos
passos rápidos falas rápidas ansiedades
em qualquer ponto, reticências ou interrogação
muito / muita em compasso de espera
e o grito já não sufocado vocifera
se intervém na urbe e ela se transforma
se adapta em ruas não em sentimentos
amor e ódio depende de quem os transporta
manhã tarde noite em movimento
madrugada adentro, movimento
muito se acelera sem precisão de hora
muito que se poderia fazer não se fez
muito que se precisava fazer, se fez
muito que importava fazer perdeu a vez
e não se sabe mais quando por enquanto
minha cidade deixará de ser bela para ser encanto
onde se possa viver em paz, entre poesias e cantos
a cidade expõe velocidade, tem pressa
o ir e vir das pessoas expressa
o tempo de seguir adiante impera
já não importa como
como, já não importa
já… como não importa
a cidade tem pressa
as pessoas incorporam a pressa
a vida cotidiana impõe a pressa
e eu não sei onde me ponho no meio de tudo isso
minha vida é apenas um sopro
na minha existência, os meus riscos…
Do céu ao chão
Branco lençol de algodão
Vasto, extenso, alvo
Estendido no céu
Mais abaixo o denso chão
Por onde caminharei
Bem descobrindo o lugar
Que eu nunca habitei
D
O
C
É
U
A
O
C
H
Ã
O
Voo… vou…
Sopro de paz
Para R. A.
Eu chorei sozinho
Lágrimas que não são
Só por mim
Tenho receio de ter
Quebrado o espelho
Que podia ir além
Além do que vive aqui
Nessa grita intensa da emoção
Muito se perde entre sim e não
Numa voz mais alta pode-se fender
A herança que se almejo
Um dia construir
Tantas idas e vindas no fugir das horas
Tanto perder-se em meio a aflições
Corre a vida e ela nos devora
Pela arrogância de palavra e gesto
Todo o amor que não foi manifesto
E enquanto grito calado minha solidão
Me brada uma aflição – como estará você?
E aí meu choro invoca o Ser maior
Pra que desfaça os motivos de tamanha dor
E envie um sopro de paz que possa nos tecer
Qualquer letra de canção
Qualquer letra de canção
Que eu faça
Me põe em novo ritmo
Que por mim fala
E me expõe
Enquanto me guarda
Qualquer letra de canção
Que eu teça
Repara algum vazio
Que em mim se fez
Então já me compõe
Depois que me desfez
Não é fácil fazer-se assim
Tecendo-se outra vez
Palavra por palavra ditando
Tão complexa reconstrução
Mas que eu seja então enfim
Esse eu que se refaz
Na palavra letra de canção
Além de simples ilusão
Nuança
encontrar o próprio tom
o que me falta?
imperam silêncios entre
gemidos e palavras emergentes
somar-me das vozes tantas
esconde minha fala que se espanta?
nem sóis quando giram
nem luas quando luz(es)
o tempo entre as veredas dos versos
as fendas ferais dos sentidos
perdidos o cheiro a cor o sabor de dizer
entre a noite infligida e o dia emudecido
por quantas estações?
uma primavera minha seja sua seja nossa seja
tantas vozes tantos “eus” tantos quantos nós sem nós
nem amarras nem cárceres mas elos livres em voo
afirmativamente integralmente singularmente plurais
uníssono singularmente
o destino não nos restará ao vento
nem cada parte de mim se limitará a devaneio
mesmo que lágrimas te lembrem em meu rosto
sigo e busco, busco e sigo
a saudade
Fênix
Da tarde posta há pouco
Sob o abraço da noite
Resta uma réstia de luz – um filete
Um feixe de raro encanto
De paz, um canto prenunciou
Na tarde
Sol distante adormecendo
Na ponte só eu vendo
A vida
Ressurgindo em mim
E baila a maré nas longarinas
Enlaçadas de limo
Vida em ondas
Avançando espumas mais além
E vem a mim
O brilho cativante
Desse instante aqui
A tardenoite
A luz a sombra o mar
A paz se insurge
Enfim
Arco-íris
Entre prédios e no meio do trânsito
Afastando da visão o asfalto negro da cidade grande
O espetáculo intenso das cores do arco-íris
Do céu para um dia quase comum
A coloração impactante entre chuva sol e manhã
Vida acontecendo quase alheia
Vida ocorrendo sem muito ver
Vida correndo sabe-se lá para que lugar
Na manhã, o arco-íris…
Na cidade, a repetição da existência em fatos comuns:
Gentes
Carros
Retenções
Buzinas
Impaciências
Na manhã da cidade comum o arco-íris desvaneceu
Varreu das visões as cores que poderiam despertar alegrias
Chico Araujo