Meu poema “Vingança”, que li na Balbúrdia Poética de niver e compartilhei nos storys, escrevi quando estava em SP. Na época estudava no Studio Fatima Toledo interpretação para cinema e fazia disciplinas sobre questão de gênero nas pós de comunicação e também de teatro da USP. Além de seguir alimentando com conteúdo a Rede Sina e as minhas fan pages entre elas As mulheres que dizem Não, onde denunciamos a violência contra as mulheres. Certo dia no Studio em um exercício com textos de Nelson Rodrigues, interpretava uma mulher que era mãe e alguns colegas se revezam na interpretação dos maridos abusivos. Meu sentimento era de ódio e impotência e toda vez que tentava reagir a reação de violência do outro era maior. Essa era a realidade da personagem. Nunca vou esquecer aquela sensação, o ódio que vinha do outro o ódio que me era gerado e a vontade de levar tudo aquilo para minhas aulas teóricas da acadêmia como se o ódio fosse objeto de pesquisa, lembrei das tantas notícias que já compartilhamos na page e aos poucos ia sentido na pele da personagem que vesti as consequências do machismo estrutural, a banalização da mulher, também da cultura da negação que negligência os sentimentos de raiva como se eles sempre fossem algo “feio” a se esconder, abafar e pouco trabalhar. E como se a violência fosse algo próprio de um gênero: o masculino. Lembrei de uma juíza que entrevistei no Rio na época que trabalhei na produção de um documentário. Ela relatava que eles haviam criado um sistema onde os homens denunciados na lei da Maria da Penha eram obrigados a participar semanalmente de um grupo coordenado por um psicólogo para reverem suas atitudes. O psicólogo me dizia que tentava identificar com eles a origem do machismo e desconstruí-las. A juíza dizia que aquele grupo funcionava mais que a prisão, o número de reincidências diminuía. E tudo isso passava ali num milésimo de segundo em minha mente enquanto vivia aquela mulher e mãe em cena.
Por mais que tentasse racionalizar, aquela sensação de ódio e violência não saia de mim. Parecia que estava impregnada na pele por dias. E já que a arte nos proporciona a liberdade da criação e o stúdio ensinava a conhecer e acessar as próprias sombras, eu me permitia a sentir tudo viceralmente. Todo aquele ódio e impotência que senti foi para uma nova criação minha que em cena consegui descarregar aquela energia. Parodiando Paulo Coelho com seu livro Verônica decide Morrer, criei a Verônica Decide Matar, e sua primeira vítima: Nelson Rodrigues.
Divertido, libertador. A raiva e ódio, se bem canalizados, são potencialmente produtivos. Não dá pra negar.
As sensações seguiram fluindo e certo dia lembrando a história de todas mulheres que já compartilhei.. do ódio que possam ter sentido, de todas as que já fui… e dos ódios que já senti… veio a poesia….
Vingança
E morrerei aos pés do vento
cairei sobre pedras-grãos
Dormirei ao relento
Amanhecerei sem amor
Trabalharei feito ursa
Pra amamentar
Proteger uma cria
Esmigalharei o pão
Que o diabo amassou
Cairei nas covas do leões
Eles sempre esperam a hora
A nos devorar
Acordarei sã
Me reerguerei
Dos muros devastados
Voarei feito águia
Terei a visão
De um falcão
A força de um leão,
E amordaçarei seus pés,
Sangrarei sua alma
Cuspirei seu ódio
E me tornarei igual
A voz
No face:
Mel Inquieta (Melina Guterres)
Criadora e editora da Rede Sina, fan pages As mulheres que Dizem Não, Luta pela Democracia, Salve Índios. É jornalista já produziu conteúdo para Revista Istoé, Folha de São Paulo, Estadão, Uol. É roteirista associada a Abra – Associação Brasileira de Autores Roteiristas a qual colabora eventualmente com conteúdo. Já foi contemplada no Programa Ibermedia por argumento de longa-metragem. Mais sobre em: www.melinaguterres.com