Melina Guterres (Mel Inquieta) – Editora da Rede Sina
“Nós vamos estar na rua toda vez que acontecer uma agressão com uma nós ou algum LGBT” – Verônica de Oliveira
Sim, uma mulher transexual que fazia programa foi velada na Câmara de Vereadores de Santa Maria-RS, uma cidade do interior do Rio Grande do Sul com cerca de 300 mil habitantes. Verônica de Oliveira ou “mãe loira” como era conhecida, ativista do movimento LGBT, criou há mais de uma década, o único alojamento de mulheres transexuais do Rio Grande do Sul. No dia 12 de dezembro, Verônica foi assassinada a facadas, no mesmo ponto em que há aproximadamente 3 meses uma colega sua foi morta com um tiro. Troquei poucas palavras com ela no protesto contra a morte da colega na praça. Um protesto cheio de relatos de violências, enfrentamentos de preconceitos e tristeza.
Infelizmente muitas famílias ainda não aceitam as condições de mulheres trans e muitas delas acabam encontrando na prostituição uma forma de sobreviver. Verônica não tinha vergonha da sua condição, e lutava a pelo seus direitos e das colegas. Dizem que em um espaço aberto para debate sobre questões LGBTS, Verônica, em claro e bom tom, disse que era “puta” e exigia respeito. Também há quem comenta que ela seria candidata a vereadora em 2020 e quem diga que era o que muitos queriam mas Verônica não teria interesse.
O assassino confesso, era um suposto cliente. Mas Verônica foi morta só ali naquela facada no peito? Foi durante toda sua vida nos enfrentamentos e preconceitos que insistem mesmo após sua morte, nos comentários mais absurdos e maldosos disseminam mais violência e desrespeito a condição humana. Verônica e tantas outras mulheres seguem sendo assassinadas pelo desemprego, pela falta de compreensão e oportunidades na vida.
Fico me perguntando o que incomoda mais os “seres de bem”, o fato dela ser transexual, o dela ser prostituir, ambos e ajudar tantas pessoas? Dela ser uma pessoa que também era conhecida por fazer caridade? Por ela questionar as instituições e exigir respeito que merecem? Até a própria bíblia escrita há mais de 2 mil anos fala da solidariedade de Jesus. O que ainda falta para o famoso “Amar o próximo como a si mesmo?”. Quem é o próximo afinal, só os semelhantes?
O velório de Verônica na Câmara de Vereadores foi pressionado por amigos e movimentos sociais as quais era envolvida ou tinham simpatia por tudo que ela realizou nestes anos.
É preciso de uma vez por todas compreender que não é preciso ser gay ou trans para ser contra LGBTfobia, não é preciso ser negro pra ser contra racismo, não é preciso ser mulher para ser contra o machismo, nem fazer programas para compreender o lugar que o outro ocupa no mundo. Respeitar uma vida não é fazer apologia ao seu estilo. É preciso menos julgo e mais empatia. Um pouco mais de respeito, humanidade e amor.
Tenho certeza que Verônica teve em seu velório muito mais amigos verdadeiros capazes de levar a sua luta por respeito até o fim, do que terão aqueles que disseminam por aí o ódio.
Nas memórias, na história, neste breve registro, no polêmico velório e em todos aqueles que acreditam num mundo mais digno para todo ser humano, Verônica decide viver.
Cora Carolina escreveu, em 1975, escreveu no Dia Internacional da mulher, o poema:
Mulher da vida
Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.
Assista:
Verônica de Oliveira, no único registro que consegui fazer antes da bateria do tablet acabar durante o protesto em praça pública contra o assassinato de duas mulheres trans em setembro de 2019 em Santa Maria-RS
https://www.facebook.com/redesina/videos/2486948244895738/
Amigos falam de Verônica em seu velório na Câmara de Vereadores:
https://www.facebook.com/redesina/videos/1038870129796427/
https://www.facebook.com/dartanhan.baldezfigueiredo/posts/2654888337904750?comment_id=2654897504570500
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=2653574381369479&id=100001508291950
Mel Inquieta (Melina Guterres)
Criadora e editora da Rede Sina, fan pages As mulheres que Dizem Não, Luta pela Democracia, Salve Índios. É jornalista já produziu conteúdo para Revista Istoé, Folha de São Paulo, Estadão, Uol. É roteirista associada a Abra – Associação Brasileira de Autores Roteiristas a qual colabora eventualmente com conteúdo. Já foi contemplada no Programa Ibermedia por argumento de longa-metragem. Mais textos dela em: https://redesina.com.br/melinquieta/ e sobre em: www.melinaguterres.com