Não pode sair sozinha? Viajar sozinha? Ter um filho sozinha? Casar consigo mesma?
Uma moça me contou que foi retirada de um clube por estar dançando sozinha no meio da pista de um salão. Enquanto ela me descrevia a situação eu me recordava do tanto que já ouvi sobre o que não podia fazer sozinha, repressões que chegavam por palavras, atitudes ou olhares.. e nunca foram poucas. Mas por que será que uma mulher sozinha é tão ameaçadora?
Em Santa Maria-RS, na escola me diziam que não podia jogar bola com meninos, criei meu próprio time do lado de casa com todas crianças da rua de diferentes idades e gêneros. No Rio de Janeiro, ouvia: Mas você não tem nenhum parente aqui? Alguém pra te proteger? No Pará: você não é casada? Não tem marido, filhos? Em São Paulo: Você veio mesmo sozinha a festa? Na Bahia: Você é maluca de vir sozinha para o arrastão (espécie de pós carnaval das comunidades. Um salve e respeito as mulheres baianas que me acolheram, cercaram e protegeram com o próprio corpo todo o trajeto).
E nem conto os inúmeros olhares em hotéis e aeroportos. Já tomei muitos café da manhã onde as únicas mulheres eram eu e as que serviam a comida, já apresentei trabalhos para público de lideranças apenas masculinas, já contratei homem para gerenciar equipes e me poupar dos desgastes do machismo estrutural que faz com que a maioria respeitem mais eles que nós mulheres, já aprendi horrores de piadas e até a acidez do humor para me livrar das tentativas de submissão masculinas no trabalho, já humilhei pra evitar piadinhas engraçadas, assédios desnecessários, fui seca e fria pra ser respeitada.
Já vi muito “o cara” sentir raiva de mim, já recusei propostas consideradas irrecusáveis, já fechei e abri negócios, já me permiti “dar um tempo”, já mudei de campo de atuação, percebi que o mundo é abusivo nas mais diversas áreas, que ser líder de si mesma é mal visto, que os velhos enquadramentos seguem tentando dar às mulheres o papel de secretárias e não grandes líderes.
Que homens rejeitados ou que se sentem ameaçados em seus lugares de poderes tendem a depreciar e/ou culpabilizar mulheres. E pra não se deixar cair nas armadilha do patriarcado que tende responsabilizar as mulheres por tudo, é preciso muita atenção, leitura, terapia e visão. E isso que nem entrei no mérito do campo pessoal, onde a eles muito é permitido e às mulheres sobram rótulos.
Por isso faço do feminismo um amuleto, uma bussola, pois com ele sinto um espaço “oxigenado” onde é possível compartilhar angústias, fortalecer-se, ter mais empatia uns pelos outros, incluindo não apenas mulheres mas pessoas de todos os gêneros que tem se esforçado para diagnosticar e desconstruir em si comportamentos machistas tão intrínsecos em nossa cultura.
Que os ventos soprem para que mais nenhum passo de dança seja censurado.
Registro de 2017
Mel Inquieta (Melina Guterres)
Criadora e editora da Rede Sina, fan pages As mulheres que Dizem Não, Luta pela Democracia, Salve Índios. Mais sobre em: www.melinaguterres.com