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Uma mãe na fila dos frios… por Mel Inquieta

Santa Maria-RS, 12 de janeiro, 6h30. Pela manhã, ainda sem levantar da cama, leio as notícias como de costume. Antigamente, meu vício era o cigarro, o primeiro ao acordar.  Diante de um acontecimento do mundo esportivo, comecei a escrever no facebook uma breve opinião. Quando estava prestes a publicar, acabou a bateria do celular, perdi tudo.

Irritada, levantei, fui para o mercado, e lá escuto a história de uma mulher, uma mãe na fila dos frios. E que parecia complementar tudo que já havia escrito, infelizmente. Pelo que pude perceber, ela era branca e tinha um filho negro que enfrentava uma difícil situação na escola, o racismo. Os colegas diziam que ele era diferente e por isso ele não poderia andar com eles. O menino, segundo a mãe, que bufava de raiva e com razão, queria pintar os cabelos. Ela também relatava sobre um menino ruivo, que era filho adotivo de pais negros e aparentemente não sofria o mesmo preconceito. Não pude acompanhar todo o relato, mas seu filho sofria bullyng principalmente por parte do filho de uma professora da escola, a qual a mãe cogitava tirar assim que terminasse o ano.

Agora voltamos a notícia do dia:

“Americano que chamou Brasil de chiqueiro sai quebrado e humilhado do UFC” (Uol esportes)

Nela, eles relatam a história do americano Colby Convington, nigeriano Kamaru Usman e o brasileiro Demian Maia. Quem acompanha as lutas do UFC sabem do marketing que rola antes delas, onde os homens ficam se desafiando verbalmente.

Em 2017, o americano que estava prestes a perder o contrato, ao vencer o brasileiro não suportou as vaias e xingou o público chamando o Brasil de chiqueiro e os brasileiros de animais imundos. De lá pra cá, suas declarações polêmicas só lhe deram mais popularidade, assim como aparentemente fazem eleger presidentes ultimamente. Antes de Colby subir ao ringue, ele ofendeu a Kamaru por sua origem. Este por sua vez, disse que entraria na luta com a fúria de todos imigrantes. E entrou, nocauteou Colby ao quebrar sua mandíbula com um soco.

Certamente esta luta deve estar dando o que falar no EUA e “lavando a alma” de muitos imigrantes que vivem e enfrentam preconceitos. Kamaru, um homem negro, dedicou a vitória ao Brasil e ao mundo todo. Ele foi solidário ao nosso país pelas ofensas que o americano fez. Suas redes sociais estão recebendo diversos comentários de agradecimento.

Por um instante ao terminar de ler a notícia lembrei do filme brasileiro Bacurau, em sua inteligente ironia e em especial a cena que o casal de brasileiros do sul é ridicularizados pelos americanos por se acharem mais parecidos com eles. Também dos tantos anos consumindo uma cultura do cinema e da música que não é nossa, da denúncia dos homens sobre masculinidade tóxica e racismo no Brasil no documentário “Silêncio dos Homens”, e da realidade do racismo dentro das universidades do sul, do crescente número de skinheads, do ódio e preconceito, dos assassinados das mulheres trans em Santa Maria, do Brasil ser o quinto país que mais mata mulheres, e na maior parte, mulheres negras.

Ao mesmo tempo que o Brasil agradece o nigeriano, eu me questiono se o Brasil teria a mesma solidariedade, caso às ofensas fossem ao seu país. Aliás, como ele seria tratado se estive aqui sem tal fama? Como amigos negros que já não contabilizam mais quantos vezes foram parados pela polícia? Como o filho daquela mãe na fila de frios do mercado?

O Brasil é vítima e algoz ao mesmo tempo. Mas onde, como e por que a violência se perpetua? De onde essa necessidade de exclusão? Por que excluir ou agredir o outro pela sua diferença de cor, gênero? Por que esses discursos de ódio se tornam populares? Por que parece que a virilidade masculina está associada a violência?

Uma velha expressão diz “o buraco é mais embaixo”, mas talvez seja mesmo é numa estrutura que permite que eles existam, entre estes, racismo, desigualdade e silêncio dos homens sobre o que também os aprisiona, limita, enquadra e os violenta como o machismo.

Parece que estamos vivendo uma imensa crise da identidade, onde urge uma nova estrutura que questione o que de fato é ser homem e seja mais permissiva ao afeto, ternura, acolhimento entre eles. Algumas crianças já estão ensinando… Mas falta muito adulto aprender e ensinar em casa também.

Quem lembra deste caso?

Clique na imagem para ler a notícia sobre o caso.

 

Leia também:

O relato de Luanda Julião, Doutoranda em Filosofia Francesa Contemporânea pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Professora de História e Filosofia na Escola Estadual Visconde de Itaúna.

https://racismoambiental.net.br/2018/07/03/quando-o-racismo-comeca-na-familia/

 

Foto capa em:

https://www.almapreta.com/editorias/o-quilombo/territorio-a-segregacao-urbana-como-elemento-estruturante-do-racismo-estrutural

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