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Um sonho sobre a memória, por TADANY

Ele estava sentado no topo da montanha, remoendo memórias de outrora que, infelizmente, não traziam sensações muito agradáveis e, entre lágrimas e tristezas, sentiu um cansaço imenso que o fez adormecer naquele inóspito lugar.

E, ao dormir, o mundo dos sonhos tomou conta de sua psique e, naquele novo lugar, com uma nova paisagem e…

 

 

Ele estava sentado no topo da montanha, remoendo memórias de outrora que, infelizmente, não traziam sensações muito agradáveis e, entre lágrimas e tristezas, sentiu um cansaço imenso que o fez adormecer naquele inóspito lugar.

E, ao dormir, o mundo dos sonhos tomou conta de sua psique e, naquele novo lugar, com uma nova paisagem e distintas cores, ele viu uma senhora sentada numa cadeira de balanço tomando um chá.

Então, ele se aproximou gentilmente e, ao vê-lo, ela fez um sinal para ele se sentar na outra cadeira.

E assim que se sentou, ela serviu um chá para ele e, ambos, ficaram em silêncio observando a exótica paisagem que se abria frente aos olhos.

Então, vislumbrado, com tanta beleza, ele disse – que lugar magnífico.

Ao que ela gentilmente sorriu e, como se soubesse o que estava passando pelos sentimentos dele, ela falou – Sim, construí este lugar com um mágico instrumento que todos possuímos.

Imediatamente, ele a interrompeu e perguntou – que instrumento é esse?

– A memória, respondeu ela

– A memória??? Como assim, memória e instrumento são duas coisas distintas?? – ele interviu questionando

Ela olhou para ele e, com uma sublime candura nos olhos, falou

– Sim, entendo que pareçam ser diferentes, pois para a maioria das pessoas a memória é algo tão intimamente conectado às suas vidas que elas chegam a acreditar que a elas são a própria memória.

No entanto, assim como os olhos são um instrumento para olhar e os ouvidos são um instrumento para ouvir, a memória é um instrumento cuja função é bem prática e necessária para as nossas vidas, ou seja, ela nos ajuda a reter conhecimentos, ideias, ações realizadas,  interações vividas e intenções futuras.

Em outras palavras, ela é um instrumento que nos auxilia no processo de sobrevivência, pois imagina se esquecêssemos da existência da gravidade, ou que o fogo queima, ou quem são nossos familiares e amigos, ou onde moramos, ou que é preciso saber nadar para adentrar um rio, isto é, sem a memória, a nossa vida seria uma eterna confusão.

Ela também serve para o nosso crescimento, pois quando decidimos estabelecer objetivos e, continuamente, realizar as atividades necessárias para conseguir o que almejamos.

Além disso, serve para o nosso amadurecimento, pois ao observarmos situações indesejáveis e desagradáveis, quando tal cenário se apresentar novamente, podemos ter atitudes ou tomar decisões distintas das de antemão.

O jovem, que com intensa atenção, ouvia a cada palavra da senhora, a interrompeu e perguntou

– Até aqui tudo bem claro para mim e concordo com você, mas o que fazer com as memórias de sofrimentos, de culpas, de dores e de traumas?

Ao que a senhora, sem pestanejar, contestou

– Lembre-se, a memória é um instrumento e você é o proprietário dela, então cabe a você a decisão do que fazer com o instrumento e, desta maneira, você tem pleno poder de decidir o que você quer relembrar a cada momento de sua vida.

E, além disso, utilizar este precioso instrumento para, no momento presente, relembrar situações dolorosas e desfavoráveis que aconteceram no passado é uma tola maneira de estragar o agora por algo que não mais existe.

É como se você estivesse com fome e, ao invés de utilizar os ingredientes frescos e deliciosos que estão disponíveis, você fosse no lixo da semana passada, ou do ano passado, ou da década passada e pegasse os pútridos restos que lá estão para alimentar-se, ou seja, se ingerir o podre lixo, vai causar uma diarreia ou algum mal-estar físico.

Então, ciente desta realidade, o que está no passado, deliberadamente deixe no passado, pois do contrário o seu presente será sempre um refém de algo que não mais existe, mas que você, por um errôneo utilizar do instrumento chamado memória, deixa acontecer e que, infelizmente, causa desnecessárias tristezas, sofrimentos e diarreias emocionais no momento presente.

Um pouco atônito com o que ouviu, mas ainda curioso, o jovem perguntou – mas como faço isto?

– É simples, disse a senhora, basta lembrar que a memória é um instrumento que está disponível para que você a use da maneira que desejar e, assim sendo, além de poder abusar deste instrumento para aumentar sua inteligência, você também pode ser abundantemente seletivo com a memorabilia que você deseja manter disponível para acessar vez que outra com a intenção de revisitar inspiradoras, vitoriosas e amorosas situações vividas em momentos passados.

E, quando ela pronunciou a última palavra, o jovem ouviu um estridente guinchar de uma águia, mas ela não estava no sonho e sim sobrevoando a montanha.

Então, ainda confuso entre o sonho e o despertar, o jovem permaneceu perplexo por alguns instantes, mas seu assombro era pela memória do que ouvira em seu sonho, o qual, a partir daquele momento, como soberano de sua própria memória, ele decidiu manter como um vivo conhecimento do seu mais novo instrumento, a sua útil, pragmática e seletiva memória.

 

Como citar este onírico conto:

Cargnin dos Santos, Tadany. Um sonho sobre a memória

 

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Photo by Raj Rana on Unsplash

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