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Rozzi Brasil. Foto; divulgação

TEM A VER COM VOCÊ – ROZZI BRASIL

Hoje amanheci pensando como as pessoas são criadas. E isso tem muito a ver com o que entregamos para as crianças. A Educação é um pacote que passamos a vida a desembrulhar. A maioria das pessoas não são educadas, são apenas direcionadas. Não somos criadas para sermos nós mesmas, mas para atuarmos numa linha de aceitação e isso nos tira mais do que nos dá. Nós mulheres arcamos com a parte dolorida de dar vida ao mundo e não temos direito a nenhuma nuance da vida.

É muito profundo porque em vez de nos desenvolvermos dentro das nossas capacidades e limitações – a Educação é justamente isso, flexibilizar o imite através do conhecimento e exclusão da ignorância – nos enredamos, nos confundimos com o que somos e só nós podemos saber o que somos nós, ninguém mais. Acabamos por passar longos períodos exercendo várias personalidades inquilinas e isso vai do segredo mais escondido à aparência que precisamos mostrar. E se somos pretas, não há como disfarçar.
A nossa sociedade é toda controle. Controle de corpos para o encarceramento da mente e manipulação do juízo e o crime faz parte disso. A estrutura social civilizada tem toda sua origem na força e na violência, por uma questão meramente de poder e esse poder tem a ver com dinheiro ou o equivalente a ele. As demandas sociais que nos imputam desde a mais nova idade, um dia não nos dará tempo para pensarmos sobre quem somos nós, no que podemos ser, o que podemos fazer sendo quem somos. Assim, nos tornamos outras pessoas. A personalidade inquilina passa a usufruir cada vez mais do nosso espaço enquanto nos vemos obrigadas a nos ausentar para nos dedicar ao enquadramento, no atendimento das exigências sociais.

Um dia você acorda pensando diferente, é porque sua personalidade inquilina e muito folgada dormiu até mais tarde.
Um dia você não se entende, é porque o que disseram que você teria que ser (aquela inquilina) -não está ali pra sustentar a distopia que te deram dizendo que era educação. Passamos longo tempo, talvez uma vida inteira nos adequando ao que não concordamos sem necessariamente nos dar conta disso. Como disse o Lulu Santos: – “Às vezes eu me sinto uma mola encolhida”.

É Lulu, imagina nós…
Mulheres pretas, sem dinheiro, sem espaço, às vezes com sobrepeso, às vezes além da idade definida permitida, sempre com “cabelo duro” e “nariz chato”, sempre fora da estética estabelecida, quase sempre sendo vistas como um pedaço de carne, mão-de-obra animalizada gratuita à disposição e nada mais.

Hoje o mundo está diante de um impasse e a decisão seria muito menos traumática para cada indivíduo e por consequência para o mundo, se não estivéssemos feito cracas grudadas nesses rochedos inventados de uma segurança social que sabemos inexistente. Falimos. O processo civilizatório é um embuste, os padrões são armadilhas. O “novo normal” causa apreensão e quem tem olhos para ver, enxerga mais cisão, mais exclusão. “Pro” rico solução, “pro” pobre obrigação, legislação e quem lhe dá condição?

Os patrões que comemoram retirada de antigas conquistas trabalhistas, não se verão obrigados a arcar com os custos do agora “democrático” “home office”. Os patrões que contratavam mão-de-obra aposentada para fugir aos encargos trabalhistas, irão realmente se entender com os custos do trabalho em casa dos seus colaboradores? E a mulher que tinha que “ganhar menos do que o homem porque engravida” vai finalmente ter reconhecido que nunca trabalhou menos apenas por permanecer em casa?

Quando invadiram “novas terras” nas grandes conquistas da humanidade o que tivemos?

Homens que se diziam civilizados, extirpando a civilização e civilidade de todo um povo. Saqueando o que era valioso, desprezando seus valores – vale lembrar que isso incluía estupros e assassinatos – Ditando normas, de como o mundo deveria ser para que eles tivessem supremacia e para que prevalecesse a supremacia dentro de um processo dito civilizatório de povos ditos civilizados e religiosos. Era preciso negar a humanidade dos submetidos conquistados. E isso tem muito a ver com os dias de hoje.

O que é civilizado?
Civilização, qual delas e pra quem?
Não à toa, a palavra “marginal” em algum momento virou sinônimo de bandidagem. Ainda que incluídos na sociedade haja tantos bandidos e excluídos dela haja tanta gente de bem, sem direito a ter bens.
Em várias ocasiões para prevalecer a verdade de que alguns povos eram humanos e outros não eram, podendo assim serem escravizados, valia inclusive, fazer-se de divindade. Não eram todos filhos de Deus, logo não poderiam povos de hábitos diferentes, sobre tudo de cor de pele diferentes, serem filhos do mesmo Deus. Uma grande incoerência, daqueles que evangelizavam para levar almas para Jesus.

E isso tem tudo a ver hoje em dia, com aqueles que fazem pessoas abrirem mão do que são, do que acreditam, para estarem mais próximas desse suposto deus dos que se preocupam bem mais com o que essas almas podem render para os seus cofres do que quantas alma poderão ir ao Criador. E isso só tem a ver com poder e dinheiro para poder mais ter mais poder. Vemos a mesma estratégia em prática com pretensas justificativas nada menos nefastas. Operação policial nas favelas, desapropriação de terras, remoção, “gentrificação” com pífias indenizações ou nenhum ressarcimento ou reconhecimento.

A desumanização dos pretos e das pretas, a generalização de que nas favelas só têm bandidos e quando vociferam que “bandido bom é bandido morto”, isso tem muito menos a ver com bandidagem do que com cor de pele e classe social, pois que não se vê a mesma ênfase em assassinatos ou prisões de ricos brancos ainda que estejam em delinquência. O que de pior poderia acontecer, aconteceu: Acostumamos com isso, como se tivéssemos realmente o “perfil de suspeito”, nos acostumamos a arcar com o ônus da falta de justiça. Com a Justiça de olhos abertos a separar por cores os seres que devem ser corrigidos.

Submeter-se é uma tática de sobrevivência. Pegamos os restos, as migalhas que caíram do banquete do poder e fizemos alimento com elas. Não havia outra alternativa a não ser o clichê “o que não me mata, me fortalece”. Curamos as feridas das chibatas e dos cassetetes da polícia. Aceitamos o serviço militar obrigatório como emprego e os cargos políticos também. Empregos para homens, empregos para brancos engravatados. Emprego para capitães-do-mato – pretos como nós, só que homens com pele preta e pensamento de brancos delatores, desumanos, ambiciosos, egoístas. E lá se foi a representatividade da qual só se fala em época de eleições com brinde de para laranjas. Quando um representante da representatividade séria se ergue se não é morto é ameaçado e ridicularizado todo o tempo, até que desista. Forma covarde de nos calar.

A Arte é a forma de resistência possível, ela educa, ela transmite valores, ela é vento que nenhum branco supremacista – supermachista ou seus odiosos capitães-do-mato podem impedir ou prender. Então se prendiam artistas, talentos da ciência, professores imputando-lhes a acusação de feitiçaria. Hoje, nem precisa tanto, vale ateísmo ou pecado da ideologia, ideologia de gênero (?!) inclusive.
Mas por que precisamos de uma representatividade religiosa que nunca foi perseguida, num país laico, onde a religião perseguida não tem bancada apesar de ter detratores, sofrer preconceito e depreciação física?
A Educação responderia essa questão, porque somente com algum tipo d e Educação “marginal” pode-se achar tão importante questionar isso quanto buscar resposta pra isso, quanto encontrar solução pra tudo isso.

Como parar essa multidão que é maioria de gente preta e pobre que se sente gente num momento em que não se pode mais negar que são humanos?
Resposta: Matando… E aproveitando todas as oportunidades que possam levá-los à morte. O policial que mata uma criança preta prestou um serviço, não tem porque ser julgado. O Estado observa passivamente seus homens-d- lei bandearem-se para as milícias que extorquem o pobre, o favelado, o traficante. Não tem problema, é uma questão econômica, policiais são mal remunerados, por isso muitos não vêm nada demais em um parlamentar que condecora milicianos pelo grande feito de serem mão-de-obra de escritórios genocidas.
A corrupção é válida desde que favoreça o lado “certo”. O apagamento de personagens históricas pretas não foi o suficiente para que a população preta se submetesse pacificamente. Olha eles aí querendo morar bem, querendo conforto, educação e saúde como se fossem gente. O Estado brasileiro nunca viu a população preta e pobre como gente. O presidente não se abala pelas mortes da #covid19 porque essa gente toda que está morrendo em maioria, não são humanas – na visão dele. Ele é só mais um tosco que conseguiu dinheiro suficiente e poder para se iludir que é benquisto no mundo e que o Brasil é o seu playground, pensamento que todo rico tem, principalmente os de mal caráter.

Hoje quando se fala de esquerda ou direita, não está se evocando pensamentos comunistas ou socialistas lá do tempo do barbudo Marx, está se falando sobre quem aceita pacificamente as injustiças e os absurdos da desumanização das pessoas, da negação dos seus direitos e daqueles que estão satisfeitos com o conforto que possuem e não se abalam pela carnificina, eugenia praticado pelo Estado.
Poucos pensam que não é uma questão de competição, O Estado que nega aposentadoria e benefícios aos trabalhadores é o mesmo que cumula de mordomias e cartões corporativos aqueles que deveriam trabalhar por um Estado mais justo, com menos miséria, menos sofrimento. É o estado que perdoa as dívidas astronômicas de tributos das grandes companhias quase sempre parceiras que financiam campanhas políticas, que se exime de taxar as grandes fortunas, que permite que qualquer miserável pague mais de impostos do que do bem ou mercadoria que consomem. Um Estado cheio de juízo de valor sem nenhum valor, que é capaz de proibir propaganda de cigarro, mas não proíbe a sua fabricação para não interromper a arrecadação. Que reprime o uso de droga mas nada faz com helicópteros que levam meia tonelada de drogas, pousando suavemente em aeroporto particular construído com verba pública. A verba da educação, saúde, saneamento. Um governo que não reconhece como droga, o álcool, mesmo tendo em suas cadeiras dezenas de representantes que vociferam por valores de tradição, família, propriedade e religião que proíbe o álcool, o divórcio, a transfusão de sangue, o adultério, o aborto. Parlamentares que usam a religião e o poder para controlar corpos e quanto mais femininos e pretos maior a tenacidade, o ataque desse controle.

O que não ensinaram pra gente na escola e deveriam é que as empresas estatais não existem para dar lucro, elas existem para minimizar o abismo criado pelo próprio Estado que permitiu alguns tão ricos e outros sem oportunidades para conquistarem uma vida digna, uma ida ao dentista, tratamento médico, escola para que se adequem à sociedade, para que contribuam com a sociedade sem precisar ter sua Cultura e criações apropriadas e sua existência apagada como num latrocínio social e cultural, para que não sejam problemas sociais.
Tirar a Educação de um povo, enquanto se elimina por estelionato sua cultura e por apagamento sua simples existência, é retornar à barbárie. É tirar sua capacidade crítica, seu raciocínio propositada e calculadamente porque qualquer um que pense, não tem como concordar com o que estamos vendo acontecer.
Sim, é esquerda ou direita, em cima do muro só tem um centrão que se beneficia com os ataques dos políticos à população. Ganham favores para favorecer o que nos mata. E isso tem a ver com necropolítica. Informe-se. É o tipo de verbete que não tem definição em meme de whatsapp ou rede social. FIM!

Fique atenta! Fique forte! Aproveite a quarentena para desenvolver tudo o que sempre te impediram. Foi assim que seres truculentos e anabolizados estão dominando o cenário, mas cenário se muda quando se acende a luz.
Participe da #ondanegra do #vidasnegrasimportam da onda #antifascista #antimachista #antiracista. Pensa que a Primavera de Praga se organizou pela internet.
Entre em contato com quem escreve coisas com as quais você se identifica ou gostaria de entender melhor.

 

Rozzi Brasil é mais uma preta mestiça que a palheta de cores ignorou e o desemprego por preconceito fortaleceu. Graduada em Pedagogia, pós graduada em responsabilidade social, é cineasta – # Procuram-se Mulheres, 2019, Prêmios Rede Sina, melhor temática social no Santa Maria Vídeo e Cinema e Troféu Calunga, melhor edição de som no 23º CINE PE Festival do Audiovisual Mostra Nacional de Curta-Metragens, são alguns dos prêmios ganhos por seu primeiro filme.
Cronista, escreve desde os 9 anos de idade, publicou 2 livros solo nos anos 80/90, está num projeto coletivo a ser lançado em novembro. Sobrevive como designer, web-design, redatora, social mídia, gestora de projetos artísticos e também sociais. Fundou a Associação Casa da Vida com atividades voltadas para portadores de doenças graves – principalmente HIV – crianças em vulnerabilidade social e mulheres vítimas de violência doméstica.
É carioca, compositora na Parceria Samba das Guerreiras, no GRES Portela.
É conselheira da Universidade das Quebradas, projeto do PACC – Programa de Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ coordenado por Heloisa Buarque de Hollanda.
É colaboradora do Canal Fórum M, mix de mídia on line e comunicação feminista.
É idealizadora, produtora e apresentadora da série ao vivo Pandemônicas na Pandemia que abre espaço para as vozes ativistas e/ou artísticas das periferias e favelas do Rio de Janeiro, com mediação de Heloisa Buarque, toda segunda-feira, às 18 horas no Canal Fórum M no Youtube.
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