Arquivos política - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/politica/ Comunicação fora do padrão Fri, 21 Jul 2023 15:04:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.4 https://redesina.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cropped-LOGO-SINA-V4-01-32x32.jpg Arquivos política - Rede Sina https://redesina.com.br/tag/politica/ 32 32 Um senso de responsabilidade enfraquecido não enfraquece o fato da responsabilidade https://redesina.com.br/um-senso-de-responsabilidade-enfraquecido-nao-enfraquece-o-fato-da-responsabilidade/ https://redesina.com.br/um-senso-de-responsabilidade-enfraquecido-nao-enfraquece-o-fato-da-responsabilidade/#respond Fri, 21 Jul 2023 15:04:07 +0000 https://redesina.com.br/?p=57426 “Em que ideias fundamentais se vão basear as sociedades que sucederão à nossa?”. Por enquanto, não o podemos saber. Mas podemos prever que terão de contar com um novo poder, último poder soberano da idade moderna: o poder das multidões. Sobre as ruínas de tantas ideias, outrora consideradas verdadeiras e já mortas hoje, sobre os …

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“Em que ideias fundamentais se vão basear as sociedades que sucederão à nossa?”. Por enquanto, não o podemos saber. Mas podemos prever que terão de contar com um novo poder, último poder soberano da idade moderna: o poder das multidões. Sobre as ruínas de tantas ideias, outrora consideradas verdadeiras e já mortas hoje, sobre os destroços de tantos poderes sucessivamente derrubados, este poder das multidões é o único que se ergue e parece destinado a absorver rapidamente os outros. No momento em que as nossas antigas crenças vacilam e desaparecem, em que os velhos pilares das sociedades desabam, a ação das multidões é a única força que não está ameaçada e cujo prestígio vai sempre aumentando. A época em que estamos a entrar será, na verdade, a era das multidões”.

Gustave Le Bon (1841-1931)

 

8 de janeiro de 2023 – A psicologia das multidões – A filosofia e a responsabilidade

 

8 de janeiro de 2023

 

No dia 31 de março de 2023, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, declarou em palestra na Fundação FHC (de acordo com o jornal O Globo): “Eu fui no presídio com a ministra Rosa (Weber). Há várias pessoas alienadas, que acham que não fizeram nada, que era liberdade de manifestação (…) uma delas chegou a dizer que estava passando por perto, viu (o ato de depredação) e aí ela ia orar e Deus disse para ela se refugiar embaixo da mesa do presidente do Senado. Só por causa disso ela entrou. É um negócio assustador”.

O evento de 8 de janeiro entrou como um dos capítulos sombrios e vergonhosos da nossa história republicana. O 8 de janeiro foi um ataque às instituições e a democracia brasileira.

Movidos por fanatismo, histeria coletiva, alienação e cegueira ideológica, os extremistas cometeram uma série de vandalismos, invasões e depredações do patrimônio público contra símbolos da República: o Palácio do Planalto, Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. O objetivo era instigar um golpe de Estado. A derrota do então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PL), causou uma série de eventos golpistas desde o desfecho eleitoral.

Em relação ao 08 de janeiro, muitos presos ainda não entenderam porque permanecem no Complexo da Papuda, em Brasília. Destaquemos que no dia 10 de abril de 2023, eles escreveram cartas para congressistas com pedidos, desabafos e relatos.

Talvez o livro Psicologia das Multidões, de Gustave Le Bon, explique o comportamento dos extremistas de 8 de janeiro de 2023.

Psicologia das multidões

 

No livro A psicologia das multidões, o médico, sociólogo e psicólogo Gustave Le Bon[1] (1841-1931) explicita o contágio inconsciente da multidão: “o indivíduo em multidão adquire, pelo simples fato do seu número, um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder a instintos que, se estivesse sozinho, teria forçosamente reprimido. E cederá tanto mais facilmente quanto, por a multidão ser anônima e por consequência irresponsável, mais completamente desaparece o sentimento de responsabilidade que sempre retém os indivíduos” (Le Bon, 1980, p. 13-14).

Ainda sobre a teoria de Le Bon, ela sugere que as multidões exercem uma espécie de influência hipnótica sobre seus membros. Ou seja, “a influência hipnótica combinada com o anonimato de pertencer a um grupo grande de pessoas (…) resulta em um comportamento irracional, emocionalmente carregado (…) a multidão mexe com as emoções a ponto de poder levar as pessoas a se comportarem de uma forma irracional, até mesmo violenta” (BONS LIVROS PARA LER).

 

O desaparecimento da personalidade consciente, o predomínio da personalidade inconsciente, a orientação num mesmo sentido, por meio da sugestão e do contágio, dos sentimentos e das ideias, a tendência para transformar imediatamente em atos as ideias sugeridas, são, portanto, os principais caracteres do indivíduo em multidão. Deixa de ser ele próprio para se tornar um autômato sem vontade própria. Só pelo fato de pertencer a uma multidão, o homem desce vários graus na escala da civilização. Isolado seria talvez um indivíduo culto; em multidão é um ser instintivo, por consequência, um bárbaro. Possui a espontaneidade, a violência, a ferocidade e também o entusiasmo e o heroísmo dos seres primitivos e a eles se assemelha ainda pela facilidade com que se deixa impressionar pelas palavras e pelas imagens e se deixa arrastar a atos contrários aos seus interesses mais elementares. O indivíduo em multidão é um grão de areia no meio de outros grãos que o vento arrasta a seu bel-prazer (LE BON, 1980, p. 15)

 

Independente de ser um grão de areia no meio de outros grãos que o vento arrasta a seu bel-prazer, a responsabilidade pelos atos continua individualizada pelo 8 de janeiro. Vale salientar o que pensam alguns filósofos sobre a responsabilidade.

 

Os filósofos e a responsabilidade

 

Aristóteles foi um dos primeiros a observar que nos tornamos as pessoas que somos devido às nossas próprias decisões.

Nas Confissões, Santo Agostinho usou o senso de responsabilidade enfraquecido pela pressão dos pares como traço geral da meditação sobre o vandalismo de sua juventude “porque temos vergonha de recuar quando os outros dizem Vamos!”

Soren Kierkegaard, um dos pais do Existencialismo do século XIX, deplorava os efeitos nocivos dos grupos e das multidões em nosso senso de responsabilidade. Ele diz: “Uma multidão em seu próprio conceito é o falso, pelo fato de deixar o indivíduo completamente impune e irresponsável ou, no mínimo, enfraquecer seu senso de responsabilidade, reduzindo-o a uma fração”.

A filósofa inglesa Mary Midgley diz que “o ponto central, de verdadeira excelência do Existencialismo é a aceitação da responsabilidade de ser como nos fizemos, a recusa a dar falsas desculpas” (BENNETT, 1995, p. 140).

Não devemos esquecer que ser “responsável” é responder pelos próprios atos, é corresponder. Devemos reconhecer a responsabilidade pessoal pelo que fazemos.

E, dessa forma, “um senso de responsabilidade enfraquecido não enfraquece o fato da responsabilidade” (BENNETT, 1995, p. 140).

 

Referências

 

BENNETT, William J. O livro das virtudes: uma antologia de William J. Bennett. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995.

BONS LIVROS PARA LER. Psicologia das Multidões. https://www.bonslivrosparaler.com.br/livros/resenhas/psicologia-das-multidoes/5236. Acesso em 18 de julho de 2023.

Carta Capital. O relato de Moraes https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/o-relato-de-moraes-sobre-a-alienacao-dos-presos-do-8-de-janeiro-e-assustador/. Acesso em 18 de julho de 2023.

LE BON, Gustave. Psicologia das Multidões. São Paulo: Edições Roger Delraux, 1980.

Poder 360. Presos no 8 de Janeiro escrevem cartas em tom de revolta.
https://www.poder360.com.br/justica/presos-no-8-de-janeiro-escrevem-cartas-em-tom-de-revolta-leia/. Acesso em 18 de julho de 2023.

 

[1] Considerado o pai do estudo da psicologia das multidões.

 

Prof. Dr. José  Renato Ferraz da Silveira

Professor Associado III do Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) . Líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP). Editor-chefe da Revista Interação (ISSN 2357-7975). Articulista do Diário de Santa Maria . Colaborador do Blog Obvious

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Senso Comum – Nossas Inalienáveis igualdades https://redesina.com.br/senso-comum-nossas-inalienaveis-igualdades/ https://redesina.com.br/senso-comum-nossas-inalienaveis-igualdades/#respond Tue, 28 Mar 2023 12:09:16 +0000 https://redesina.com.br/?p=20440 Os valores humanos são baseados em senso comum, pois eles nascem do mais puro e instintivo da natureza humana. Por exemplo, Você gosta de ser abusado?. Você aprecia ser desrespeitado? Você almeja ser ignorado?   Os valores humanos são baseados em senso comum, pois eles nascem do mais puro e instintivo da natureza humana. Por …

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Os valores humanos são baseados em senso comum, pois eles nascem do mais puro e instintivo da natureza humana.

Por exemplo,

Você gosta de ser abusado?.

Você aprecia ser desrespeitado?

Você almeja ser ignorado?

 

Os valores humanos são baseados em senso comum, pois eles nascem do mais puro e instintivo da natureza humana.

Por exemplo,

Você gosta de ser abusado?.

Você aprecia ser desrespeitado?

Você almeja ser ignorado?

Você gostaria de ser roubado?

Você apreciaria ser humilhado?

A vários outros indesejáveis e desagradáveis exemplos que se manifestam em comportamentos diários.

 

Qual seria a sua resposta a qualquer uma das perguntas citadas?

 

Claramente, a resposta é que ninguém gostaria de passar por nenhuma daquelas nefastas situações

Bom, pelo menos as pessoas que estão cientes de tais atos e as que mentalmente sãs.

 

Portanto, é mais do que lúcido e evidente concluir que os valores básicos necessários para uma existência harmoniosa, gentil e amorosa são intrínsecos aos mais íntimo de cada ser.

 

Em outras palavras,

Nossos valores essenciais

Não provêm de nenhuma religião

Não vem de nenhum dogma cultural

E muito menos de qualquer culto holístico moderno

 

Porque eles são básicos e inerentes a vida pessoal.

 

Agora, pensemos no outro lado da mesma moeda.

 

Quem deseja ser amado?

Quem aprecia ser respeitado?

Quem gosta de ser motivado?

Quem gostaria de ser ouvido com atenção?

E assim por diante numa infinidade de atitudes enobrecedoras, enaltecedoras e naturalmente humanas.

 

A resposta para esta pergunta é um inquestionável e uníssono, SIM, Eu Gostaria…

Pois todo e qualquer ser humano deseja ser tratado com cortesia, com integridade e com ternura.

 

Então, se ninguém quer ser maltratado enquanto todo mundo quer ser respeitado, a pergunta que espontaneamente surge é…por que ainda nos comportamos de outra forma ?.

 

Deveras, existem muitas respostas para essa pergunta.

Alguns dirão: “me comporto assim porque meus pais eram assim

, ou porque a outra pessoa agiu de maneira contrária aos dogmas da minha religião, ou porque na minha cultura, assim vivemos”

Enquanto outros irão declarar “Eu não sei o porquê me comporto dessa maneira, mas não posso controlar isso”.

Outros também falarão “Essa é a maneira que as pessoas me tratam, eu apenas estou respondendo na mesma moeda”.

 

Em outras palavras, comumente, as pessoas se desculpam de suas próprias ações por meio da transferência de suas responsabilidades para alguém, ou algo, lá fora, e que, diretamente, não pode ser responsabilizado por seus comportamentos.

mensFrancamente, apesar de ser comum, tais comportamentos são altamente questionáveis, para não dizer inaceitáveis.

 

Porém, todos nós já sabemos que os valores construtivos, inspiradores e dignificantes da vida são inerentes às nossas individuais existências.

Portanto, se você realmente deseja melhorar a qualidade de seu viver, assim como o das pessoas que o cercam, basta deixar o seus mais íntimos, mais básicos, mais puros valores transbordarem de sua natureza e se manifestarem em qualquer interação que você tenha com qualquer pessoa.

 

Entendo que é mais fácil falar do que fazer, mas se você está plenamente ciente do fato de que isso faz parte de você tanto quanto os seus próprios pensamentos, seus próprios sentidos e o seu próprio corpo, você tem a possibilidade de reconhecer tão magnânima verdade e escolhe vivê-la em cada momento cotidiano.

 

Portanto, somente espero e desejo que você tenha coragem e uma elevada consciência para permitir que seus mais nobres, mais autênticos e mais benevolentes valores se manifestem do mais íntimo de suas essências.

 

 

Como citar este texto:

Cargnin dos Santos, Tadany. Senso Comum – Nossas Inalienáveis igualdades.

 

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Por que o governo Bolsonaro foi o pior da Nova República? | por José Renato Ferraz da Silveira https://redesina.com.br/por-que-o-governo-bolsonaro-foi-o-pior-da-nova-republica-por-jose-renato-ferraz-da-silveira/ https://redesina.com.br/por-que-o-governo-bolsonaro-foi-o-pior-da-nova-republica-por-jose-renato-ferraz-da-silveira/#respond Sat, 12 Nov 2022 20:04:58 +0000 https://redesina.com.br/?p=19569 O governo Bolsonaro foi desastroso em diversos aspectos. O cientista político Cláudio Couto afirma: “Desmontaram-se diversos âmbitos da administração pública, foram desorganizadas políticas públicas que levaram anos para ser estruturadas, envenenou-se o ambiente político e se produziu uma crise institucional sem precedentes no funcionamento e na relação dos três poderes. Instituições cuja autonomia funcional e …

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O governo Bolsonaro foi desastroso em diversos aspectos.

O cientista político Cláudio Couto afirma: “Desmontaram-se diversos âmbitos da administração pública, foram desorganizadas políticas públicas que levaram anos para ser estruturadas, envenenou-se o ambiente político e se produziu uma crise institucional sem precedentes no funcionamento e na relação dos três poderes. Instituições cuja autonomia funcional e operacional seria primordial, como a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República, foram capturadas. E ainda, como se não bastasse, tivemos a perda evitável de centenas de milhares de vidas humanas em função da gestão caótica e sabotadora da pandemia, assim como danos ambientais de grande magnitude e provavelmente irreversíveis. O Brasil se tornou um pária internacional e perdeu influência nos principais debates globais, em particular aqueles em que se destacava, como o relacionado à questão ambiental. Foram anos de destruição que exigirão muito mais anos para reconstruir tudo”.

Um fato incontestável é que Bolsonaro – mesmo com todo estelionato eleitoral e fez uso do poder e das instituições – é o primeiro presidente a concorrer e não ser reeleito. Corrompeu o sistema para adiantar auxílios, congelar preços, ampliação do número de beneficiários do Auxílio Brasil, o vale gás, auxílio caminhoneiro e taxista, liberação de parte do FGTS, crédito consignado, a lista é interminável. Além da tentativa frustrada de suspensão das eleições pela farsa grotesca da inserção das rádios e a suspeição das urnas eletrônicas durante o período pré-eleitoral, eleitoral e pós-eleitoral.

Listo aqui de forma detalhada outros desastres da gestão de Bolsonaro:

GESTÃO CAÓTICA E SABOTADORA NA PANDEMIA
Em carta da Pfizer às autoridades brasileiras, a empresa declarou que uma de suas intenções era tornar o Brasil uma vitrine da vacinação na América Latina. O laboratório se comprometeu a fazer o possível para reduzir o tempo de entrega e auxiliar na logística.
Apesar disso, teve 53 e-mails ignorados e 9 propostas recusadas. Entre negociação e contrato assinado, o governo federal levou 330 dias para contratar as vacinas da Pfizer.

POLÍTICA EXTERNA ERRÁTICA
Adesão sistemática ao trumpismo (rolou até um “Eu te amo”) e posturas grosseiras e rudes em diversos episódios em relação a três parceiros comerciais e estratégicos (potências e membros permanentes do Conselho de Segurança): Estados Unidos sob gestão Biden (“quando acaba a saliva tem que entrar a pólvora”); China (“o chinês inventou o vírus); França (“a mulher de Macron é feia”).

DESMONTE NA EDUCAÇÃO
Diversos ministros despreparados e desqualificados, muitos escândalos de corrupção e o Enem diminuiu em inscritos e, dessa forma, o acesso ao ensino superior.

MAPA DA FOME
– Entramos no Mapa da Fome: 33 milhões Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, que aponta a existência de 33,1 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar grave, quando não há garantia de acesso à alimentação em quantidade suficiente.
– No Brasil, 125 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar. Estado de insegurança alimentar é quando não há a garantia de que teremos o que comer na próxima refeição. Uma situação inaceitável especialmente aqui no Brasil, que bate recordes no agronegócio e desperdiçou 23,6 milhões de toneladas de alimentos em 2019.

EMPOBRECIMENTO DAS CLASSES D E E
– Empobrecimento das classes D e E De acordo com a consultoria Tendências, entre 2021 e 2022, a fatia de domicílios brasileiros que integra as classes D e E aumentou de 48,7% para 51%.

DESMATAMENTO
O balanço parcial de 2022 também consolida a explosão do desmatamento no governo de Jair Bolsonaro. Os piores números de desmatamento entre janeiro e agosto registrados pelo SAD aconteceram nos últimos quatro anos, com o total saltando de 4.234 km2 em 2019 para 7.943 km2 em 2022

A POBREZA NO BRASIL
– Estimativas apontam que 52,7 milhões de pessoas – um quarto da população brasileira – vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza. No ano passado, tivemos um salto na taxa de pobreza extrema no Brasil. O país tem hoje mais pessoas na miséria do que antes da pandemia e em relação ao começo da década passada, em 2011.

BAIXO CRESCIMENTO
– Com o baixo crescimento no último ano do governo do presidente Jair Bolsonaro, a gestão dele aparece como a que teve o menor crescimento do PIB em quatro anos de mandato. Levantamento realizado pelo economista Alex Agostini, da Austin Rating, mostra que os quatro anos do Governo Bolsonaro devem fechar com um PIB médio de 0,78%, o menor percentual dos governos das últimas duas décadas. Conforme o estudo, o Governo Temer tinha apresentado o pior desempenho, com média do PIB de 1,32% no período de 31 de agosto de 2016 a 31 de dezembro de 2018. Os dois últimos anos de Dilma Rousseff na presidência contabilizaram um PIB de 1,92%.

O USO DO SUS
O uso de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Defesa bateu recorde no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). As informações constam em documento divulgado pela Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS) em fevereiro deste ano.
Em 2019, o valor anual de verbas do SUS gasto pelos militares foi a R$ 350 milhões. Dois anos depois, em 2021, a cifra chegou a R$ 355 milhões, quebrando novamente o recorde da série histórica, de 2013 a 2021. O governo Bolsonaro dedicou, em média, R$ 325 milhões por ano ao Ministério da Defesa.
Na gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), a média anual do uso de recursos do SUS pelos militares era de R$ 88 milhões, considerando o período analisado, de 2013 a 2015. Sob o comando de Michel Temer (MDB), o valor já havia dado um salto, com média de R$ 245,5 milhões anuais.
O levantamento foi divulgado em uma publicação sobre a evolução dos gastos federais do Sistema Único de Saúde, produzida pelo CNS, órgão que reúne representantes da sociedade civil e do poder público.

ROMBO NAS CONTAS
O governo Bolsonaro deixará uma herança maldita. “Rombo fiscal que Lula herdará será três vezes maior do que o estimado”. A visão é de Henrique Meirelles, criador do Teto de Gastos. Integrantes do futuro governo negociam alterações na proposta orçamentária de Bolsonaro que praticamente não destina recursos para pautas sociais.

 

Prof. Dr. José  Renato Ferraz da Silveirajosé

Professor Associado III do Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) . Líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP). Editor-chefe da Revista Interação (ISSN 2357-7975). Articulista do Diário de Santa Maria . Colaborador do Blog Obvious 

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O BRASIL NO CENÁRIO INTERNACIONAL | por Odilon Marcuzzo do Canto https://redesina.com.br/o-brasil-no-cenario-internacional-por-odilon-marcuzzo-do-canto/ https://redesina.com.br/o-brasil-no-cenario-internacional-por-odilon-marcuzzo-do-canto/#respond Wed, 09 Nov 2022 18:30:45 +0000 https://redesina.com.br/?p=19525 Odilon Marcuzzo do Canto, Ph.D, ex Reitor da UFSM Dia 20 deste mês de novembro se inicia no Catar o maior evento do futebol mundial: a Copa do Mundo de Futebol. A seleção brasileira estará a postos para a sua 21ª participação nesse evento. Única seleção a disputar todas as copas é também a única …

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Odilon Marcuzzo do Canto, Ph.D, ex Reitor da UFSM

Dia 20 deste mês de novembro se inicia no Catar o maior evento do futebol mundial: a Copa do Mundo de Futebol. A seleção brasileira estará a postos para a sua 21ª participação nesse evento. Única seleção a disputar todas as copas é também a única a ter vencido a competição por cinco vezes. Certamente, um grande número de brasileiros sabe recitar facilmente, ano a ano, o desempenho de nossa “seleção canarinho” e com riqueza de detalhes.

Mas o Brasil, como nação soberana, tem convocação certa e necessária em muitos outros certames e reuniões internacionais com temas de interesse global, com certeza muito mais importantes e determinantes para o futuro do país e para o bem estar de sua gente.

As conferências de paz, realizadas logo após os conflitos beligerantes que marcaram o cenário mundial na primeira metade do século XX, tiveram como resultado a formulação e a construção de um organismo internacional aceito, num entendimento comum, como o fórum de debates e discussões dos grandes temas de interesse das nações. O Organismo das Nações Unidas (ONU) foi criada em 24 de outubro de 1945, na cidade de San Francisco, na California.

A ONU tem uma estrutura funcional composta por órgãos específicos para determinadas atividades e objetivos como, por exemplo, o Conselho de Segurança, do qual o Brasil atualmente faz parte, composto por 15 países membros, dos quais cinco são permanentes (Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra).  Além disso, conta também com um sistema de conferências dedicadas a temas específicos como a Conferência Mundial da Criança, a Conferência Mundial da Alimentação, a Conferência Mundial das Mulheres e outras tantas.

A partir do dia 6 do corrente mês está sendo realizada a Conferência sobre Mudanças Climáticas – ECO27, no Egito, cujo tema foi considerado pelo Secretário Geral da ONU como uma das duas maiores ameaças atuais à segurança da humanidade: as mudanças climáticas e o arsenal nuclear existente.  A ECO27 é um grande fórum de discussões e de decisões que desenharão o cenário de compromissos que cada nação deverá assumir nos próximos anos, na luta contra o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Tais decisões vão impactar as relações econômicas entre as nações. O Brasil, como grande exportador de grãos e carnes, poderá ser fortemente afetado.  Este é um dos muitos seminários internacionais aos quais o Brasil pode e deve se fazer presente com um time escalado entre os melhores experts nacionais em cada assunto, em cada área. E o Brasil os tem, sem dúvida.

Voltando ao futebol, acredito existir dúvidas na cabeça de todos nós sobre se traremos ou não o hexacampeonato – a desejada sexta estrela.  A maioria dos brasileiros, com certeza, já avaliou que temos grande probabilidade de que isso aconteça.  O técnico é a figura fundamental para o sucesso da empreitada, pois além de ser o principal responsável pela escalação do time, tem por missão a orientação tática e estratégica que definirá o melhor aproveitamento dos talentos individuais de cada jogador de forma a consolidá-los em jogadas conjuntas de qualidade e efetivas na consecução do objetivo maior que é o gol. A confiança no técnico passa a ser uma boa indicação de sucesso. Tivesse o Brasil um técnico que se intitulasse o escolhido pelos céus e fosse negacionista dos princípios científicos que norteiam os avanços técnicos do esporte, certamente estaríamos mais apreensivos.

De forma análoga, os resultados que o Brasil colherá nos seminários internacionais sobre os temas de interesse nacional – na ECO27 e em muitos outros que virão nos próximos anos e nos mais diversos temas, serão proporcionais à qualidade e competência das equipes técnicas escaladas para representarem nossa nação.

Felizmente o povo brasileiro acaba de fazer a escolha certa. Acaba de escolher um técnico já experimentado, com reconhecimento e prestígio na comunidade internacional e que certamente escalará um time de craques do mais alto nível que – embora ainda não de forma oficial,  saberão defender os interesses do povo brasileiro na arena internacional. Certamente o Brasil voltará a ter papel protagonista no cenário internacional.

 

ODILON MARCUZO DO CANTO

Eng. Civil pela UFSM (1968); M.Sc. (1979) e Ph.D. (1991) em Engenharia Nuclear pela Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA; Professor de Física Nuclear, Reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Presidente da Associação Nacional de Reitores ANDIFES (1996/97). Presidente da CIENTEC/RS (1999/2002). Diretor de P&D da FINEP (2003/05). Presidente da FINEP (2005/07). Secretário-Geral da Agência Brasileira-Argentina de Controle de Materiais Nucleares – ABACC (2007/16). O Prof. do Canto foi membro do Conselho Deliberativo do CNPq e do Conselho Superior da CAPES, presidente do Comitê Brasileiro de Metrologia-CBM e presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Metrologia. Presidente da Sessão Latino-Americana da Sociedade Nuclear Americana (2009-10). Membro da Sociedade Nuclear Americana e da Academia Internacional de Energia Nuclear (INEA).

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Poema “AMANHÃ VERMELHO” de Mel Inquieta https://redesina.com.br/poema-amanha-vermelho-de-mel-inquieta/ https://redesina.com.br/poema-amanha-vermelho-de-mel-inquieta/#respond Mon, 24 Oct 2022 21:14:14 +0000 https://redesina.com.br/?p=19467 AMANHÃ VERMELHO Amanhã um país Acordará vermelho Pelas calejadas mãos Das mães da pátria gentil Pelos cocares perdidos De cada liderança indígena Pela dor De quem sofre por Sua cor Gênero Crença Pelas lágrimas Dos que perderam os seus Por falta de vacina Amanhã um país Acordará vermelho Pela misoginia Pelo ódio declarado às mulheres …

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AMANHÃ VERMELHO

Amanhã um país
Acordará vermelho
Pelas calejadas mãos
Das mães da pátria gentil

Pelos cocares perdidos
De cada liderança indígena
Pela dor
De quem sofre por
Sua cor
Gênero
Crença
Pelas lágrimas
Dos que perderam os seus
Por falta de vacina

Amanhã um país
Acordará vermelho
Pela misoginia
Pelo ódio declarado às mulheres
Pela falta de incentivo
Para evitar feminicícios
Pela exploração
Pela nova lei que minimiza
A punição por pedofilia

Amanhã um país
Acordará vermelho
Por que com criança não se
“Pinta um clima”
Pinta um crime

Pelos microfones arrancados
Dos jornalistas
Pelas câmeras quebradas
Dos cinegrafistas
Pelos ansiosos dedos
Dos roteiristas

Amanhã um país
Acordará vermelho

Pelos palcos
Não pisados
Pelos filmes
Não realizados
Pela música
Não tocada
Pela arte
Não produzida

Pelo eco, pelo eco da
Voz dos artistas

Amanhã um país
Acordará vermelho
Pelo sangue
Dos animais que perderam
A vida nas queimadas
Pelo ar
Trocado por agrotóxicos e fumaça
Pela floresta
Que não existe mais

Amanhã um país
Acordará vermelho
Pela seringa desviada
Pelo livro censurado
Pela bolsa de estudos
Que perderam os universitários
Pelo menino que deixou a escola
Por que precisava trabalhar
Pela menina que trata um tumor pelo SUS
Pela pesquisa que não foi finalizada e pela que não foi iniciada
Pelos seguidos cortes na saúde, ciência e educação

Amanhã um país
Acordará vermelho
Pela gasolina cara
Pelo carro que
Foi vendido
Pela carne que não
Habita mais a mesa

Hoje
A resistência
Insiste
Persiste

Amanhã
Um país acordará
Um filho da luta
Um filho da fome
Vai voltar

 

Mel Inquieta
(Melina Guterres)

 

No YouTube  | Ato dos Artistas pela Democracia | Santa Maria-RS | out 2022

 

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A CADELA ROUBADA E A ILHA DE ARROZ por ROGER BAIGORRA MACHADO. https://redesina.com.br/a-cadela-roubada-e-a-ilha-de-arroz/ https://redesina.com.br/a-cadela-roubada-e-a-ilha-de-arroz/#respond Fri, 06 May 2022 20:24:30 +0000 https://redesina.com.br/?p=18384 Eu gosto de ouvir rádio. É que o rádio tem uma coisa que me atrai, acho que é sua dubiedade. Ao mesmo tempo em que é um espaço plural e de abertura, também é um lugar de fechamento e individualidade. Podemos encontrar nas rádios muito do que caracteriza uma determinada comunidade.  No rádio ficamos sabendo …

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Eu gosto de ouvir rádio.

É que o rádio tem uma coisa que me atrai, acho que é sua dubiedade. Ao mesmo tempo em que é um espaço plural e de abertura, também é um lugar de fechamento e individualidade.

Podemos encontrar nas rádios muito do que caracteriza uma determinada comunidade.  No rádio ficamos sabendo dos problemas que uma população enfrenta, dos avanços, dos retrocessos, ficamos sabendo até quando um determinado tema é escondido, já que os radialistas se negam em tratar dele.

O silêncio que as rádios fazem sobre políticos que são cassados, crimes cometidos por pessoas da “alta sociedade” e tantas outras coisas, diz tanto quanto um grande discurso. As rádios e suas programações demonstram como uma comunidade pensa, como seus moradores vivem e como grupos dominantes, na economia ou na política, se protegem no silêncio dos microfones. 

Guardadas as devidas proporções, ouvir uma emissora de rádio é tipo aquela coisa do “zeitgeist”. Não sabe do que estou falando?  Bem, o Zeitgeist é uma palavra alemã que significa algo como o “espírito do tempo”. O Hegel, filósofo alemão, idealizava que o zeitgeist compreenderia todas as características que dão identidade para uma sociedade num determinado momento histórico.

No zeitgeist está o espírito de um povo num recorte temporal. 

Dia desses, no caminho para o trabalho, como de costume, eu ouvia uma rádio aqui de Uruguaiana e eu acho que descobri um pedaço do zeitgeist da minha cidade.

E lá estava eu, dirigindo na BR-472 vazia com a voz grave e envelhecida do radialista que falava sobre as ilhas de Uruguaiana. Hein! Ilha em Uruguaiana? Você deve estar se perguntando. Sim. As ilhas que existem no Rio Uruguai. 

Se você não sabia, ocorre que na longa extensão do Rio Uruguai existem várias ilhas, algumas grandes, outras pequenas, umas do lado argentino e outras do lado brasileiro e uruguaio.

Quando vou com o meu caiaque para o rio, de quando em quando eu me atrevo a ir numa delas, a ida é tranquila, a correnteza leva, na volta é que a coisa fica séria. Noutra ilha, a ida é contra a correnteza e a volta é que se faz tranquila. E as ilhas vão surgindo ao longo do rio, ora para um lado da fronteira, ora para outro. A ilha do Pacu, por exemplo, onde o caminho de ida é ao sabor da correnteza, ao menos até onde sei, fica do lado argentino.

Pois não é que o radialista falava exatamente desta ilha. A ilha do Pacu. Perguntava-se se ela era parte do território da Argentina ou era parte do território do Brasil. E eis que de repente o locutor se  lembrou de uma história antiga, coisa pitoresca e que envolveu um presidente, uma cadela, um agricultor e uma das ilhas do bravo Rio Uruguai.

Dizia o radialista que nos idos dos anos 60, um produtor rural aqui de Uruguaiana tinha planos ambiciosos. Ele queria plantar arroz, queria plantar uma lavoura de arroz. Sabe onde? Numa das ilhas do Rio Uruguai. Ao que parece, a ilha em que ele queria plantar era composta por alguns bons hectares de terra muito fértil e, além disso, como ilha que era, estava banhada pelo rio e jamais teria problema com irrigação. Uma ilha de arroz no meio do rio. Seria possível?

Ao buscar informações sobre o lugar, o agricultor uruguaianense tentou saber se a ilha estava do lado argentino ou brasileiro, afinal, se estivesse com os correntinos, a ideia da ilha de arroz se encerrava antes mesmo de iniciar. E eis que agricultor descobriu que a ilha não era argentina, ela estava do lado brasileiro. O problema é que a ilha tinha dono. Ela era um território federal, logo, pertencia ao povo brasileiro. 

Como plantar então? Não seria possível consultar cada cidadão brasileiro sobre o plantio. Diante disso, restaria esperar e tentar dialogar com o representante do povo: o presidente do Brasil. Certo dia, esse produtor soube que o presidente João Goulart, o Jango, viria ao Rio Grande do Sul e estaria por alguns dias na cidade de São Borja. Pronto! Era a chance que ele precisava. Tão logo o avião presidencial chegou na Fronteira Oeste, de pronto o agricultor uruguaianense tomou o rumo do nascer do sol e foi falar com o presidente para solicitar a autorização para plantar na ilha.

Chegando em São Borja, o agricultor rumou para a fazenda onde Jango estava hospedado. Ao chegar na estância, o produtor rural foi avisado que o presidente estava no galpão perto da casa grande. No caminho até onde o presidente se encontrava, o agricultor viu um lindo filhote de cachorro correndo pelo gramado, entrando no galpão viu uma cadela com vários filhotes, deitada num canto sobre um pelego. Todos os filhotes eram bonitos e a cadela era um animal magnífico, coisas que prontamente chamaram a atenção do uruguaianense.

Depois de ser apresentado ao presidente do país, o produtor uruguaianense, sem muitos rodeios, demonstrou a que veio e fez logo quatro pedidos:

Primeiro, e não era sem tempo, foi direto ao assunto, disse que queria plantar arroz numa das ilhas do Rio Uruguai. O presidente havia acabado de encher o primeiro mate. O agricultor explicou cada detalhe de sua mirabolante ideia. Indicou qual seria a ilha, salientou que sua localização era em território nacional, falou dos hectares produtivos que lá estavam sem uso, vangloriou-se da questão hídrica. Enfim, antes mesmo do chiar da cuia do primeiro mate, seu projeto já estava explicado para o Jango.

Depois, aproveitando aquele momento único, disse para o presidente que ao se deslocar até São Borja, havia trazido de Uruguaiana um amigo repórter e, se não fosse incômodo, gostaria de saber se o presidente poderia conceder uma entrevista para o jornalista. Afinal, aquele era um momento único para o jornalismo uruguaianense.

Antes mesmo da resposta aos dois primeiros pedidos, o agricultor já emendou um terceiro: Quando da sua chegada na estância, soube que um avião partiria de São Borja para Uruguaiana no meio da tarde. E que, como era sabido por todos, as distâncias entre as cidades fronteiriças não são pouca coisa e as estradas são ruins, queria saber ser era possível que o presidente lhe desse uma carona de retorno para Uruguaiana.

Por fim, deu uma olhada para um dos cantos do galpão, onde a cadela estava deitada, pegou um dos filhotes no colo, o mais bonito, uma cadelinha gordinha e peluda e, entre uma mordida e outra que o animal lhe dava nos dedos, sorriu e pediu um dos filhotes.

No momento exato em que entrei no Campus da universidade, o radialista, fez uma breve pausa. Respirou um pouco e com a voz em tom divertido, seguiu a história. 

Contou que o presidente, depois de ouvir os quatro pedidos, acomodou-se melhor no mochinho em que estava sentado, encheu a cuia do mate e iniciou as respostas. Em relação ao plantio de arroz numa ilha no meio do Rio Uruguai, dado todos os argumentos apresentados, entendia que não haveria problemas. O que prontamente despertou um sorriso no agricultor uruguaianense e seu amigo jornalista. Ainda complementou Jango que, por sinal, como se tratava de uma ilha, ele até nomearia o produtor rural como o “governador da ilha”. 

Imaginem só. Além de ter a autorização para plantar arroz numa ilha federal, o uruguaianense ainda seria o “Governador da ilha”!

Depois, sobre o segundo pedido, Jango disse que daria a entrevista, sem problemas, contanto que fosse antes do almoço, pois após ele iria dar uma sesteada.

Sobre o terceiro pedido, em relação ao avião, disse que o produtor e seu amigo poderiam voltar de carona, que isso seria um prazer. No entanto, disse-lhes também que ele, o presidente, não iria junto, pois ficaria em São Borja para descansar um pouco junto de sua esposa.

Ameaçando levantar do banco, dando por encerrado o assunto e tentando fugir do último pedido, então o presidente foi interpelado novamente pelo agricultor. O senhor esqueceu de um dos meus pedidos. E a cadela, presidente? Eu gostaria muito de levar um filhote para Uruguaiana.

A expressão de Jango mudou. Sério, o presidente anunciava com o olhar que o último pedido não seria atendido. Sobre o filhote da cadela, Jango negou. Em seguida disse ao caudilho uruguaianense que se ele lhe desse um dos filhotes da sua cadela, teria sérios problemas a Dona Maria Thereza, sua esposa. A cadela não era de Jango, tão pouco os filhote, a cadela pertencia a Dona Maria Thereza, e ao que parece, ela tinha intensão de ficar com toda a ninhada. E sobre isso não havia o que ele pudesse fazer. A resposta era NÃO.

Em seguida, vendo o término da água quente e deixando a cuia sobre o banco, Jango disse ao uruguaianense e seu amigo para que não fossem ainda para São Borja, gostaria que ficassem para comer ali na estância, talvez, já prevendo que esse seria mais um pedido do uruguaianense.

E eu permaneci no carro, mesmo depois de estacionado na sombra de uma das árvores próximas ao Prédio 700,  permaneci com o rádio ligado e ouvindo ansioso pelo término da história. E ela prosseguiu:

De barrigas cheias, com a autorização presidencial para plantar arroz numa ilha do Rio Uruguai e com uma entrevista pronta para publicação, os dois uruguaianenses se despediram do anfitrião e se dirigiram para o aeroporto onde estava o avião. Já no avião, sobrevoando as terras e os rebanhos são-borjenses, um som diferente surgiu dentro da aeronave. Ouviu-se um choro, fraco, abafado, quase um grunhido. Eis que então, de dentro de um casaco surge uma cabeça de cachorro. Era ele, o filhote mais bonito. A cadelinha que o Jango não deu, pois não era sua.

Sorrindo, o uruguaianense voltou para sua cidade. O agricultor, depois de pedir uma ilha, mesmo depois de conseguir uma entrevista, de voltar para casa de carona em um avião presidencial e de ter comido de graça, ainda assim, não satisfeito, havia roubado um dos filhotes de seu anfitrião.

No programa da rádio que eu ouvia, as gargalhadas eram muitas. Todos riam da façanha do agricultor, que além de tudo que conseguiu, ainda voltou com os quatro pedidos atendidos. Ao que parece, todos acharam uma história normal, coisa pitoresca. Não havia nenhum tipo de mal estar, afinal, ele tinha roubado o cachorro do Jango, o presidente comunista. Aquele que sofreria o golpe que daria início ao período de ditadura civil-militar no Brasil. 

Como eu disse antes, ouvir rádio é como ter contato com o zeitgeist e ver que algumas características de uma determinada época persistem, ainda hoje, em nossa sociedade. A história sobre a cadela do Jango fala muito sobre a mentalidade de alguns ricos produtores rurais da Fronteira Oeste e Campanha do Rio Grande do Sul.  São grupos econômicos que há décadas querem um Estado mínimo para os pobres, enquanto salivam por um Estado máximo para os seus interesses.

A força desta história, onde um agricultor usa do Estado para ter vantagens e se apropria de coisas que não são suas para satisfazer seus desejos, representa  um tipo de comportamento predatório, onde a vantagem pessoal é a meta social. E esse comportamento está presente em muitos operários, trabalhadores informais,  “empreendedores” e empresários. Está nas vilas. Como a senhora que ouvi na fila do supermercado, reclamando com outra mulher sobre o estado das ruas de Uruguaiana, buracos, barro, pó. Dizia ela que não iria pagar IPTU, pois de nada adiantava. Ela era incapaz de perceber que a falta de pagamento do IPTU é que gerava os problemas das ruas. Há muita gente que quer resposta do Estado, mas se nega em fazer sua parte. E assim como aquela senhora, os grandes empresários sonegadores de impostos também estão por aí, reclamando e pedindo por um país com menos serviços públicos gratuitos, desde que é claro, eles possam pagar para ter saúde e educação de qualidade para suas famílias. 

Em 2015 eu ouvi uma produtora rural bradar de cima de um caminhão, enfurecida, contra os programas sociais do governo federal, falava do Bolsa Família, “esses pobres que só fazem filhos para não ter de trabalhar”, dizia ela. O curioso foi que uma semana depois vi ela feliz nas redes sociais, comemorando o aumento nas vendas dos grãos de arroz que plantava. Ela era incapaz de perceber que o aumento das suas vendas era porque os pobres estavam comprando mais comida, justamente, com o dinheiro que recebiam através do Bolsa Família. Assim como o homem da ilha de arroz, ela só pensava na própria ilha.

Obviamente que nem todo produtor rural ou empresário se comporta e pensa assim, estou falando de um estrato, uma camada que dá característica para o nosso espírito do tempo. Sei que  há muita gente que está preocupada com a questão social, com o papel do Estado, produtores rurais e empresários que estão gerando riquezas, investindo em nossa região, criando empregos, produzindo renda e buscando sempre um caminho onde o Estado brasileiro seja mais responsável com os direitos básicos de sua população. O problema é que eles não possuem acento na frente dos microfones, não estão nas rádios, ocupando lugares discursivos e falando sobre as possibilidades de se produzir um país menos desigual. Como eu disse antes, as rádios também são lugares de fechamento.

E hoje, como habitualmente faço, fui dar uma repassada nos meus grupos de redes sociais e li, num do Telegram, duas mensagens que me chamaram a atenção. Uma delas dizia que “se o Lula vier de novo no Rio Grande do Sul, os tratores deveriam trancar as entradas das cidades novamente”. E outra que dizia que “tem que meter bala nesses políticos ladrão, da outra vez um tiro foi pouco naquele ônibus”. 

Eles se referem ao Lula, mas e se fosse com o atual presidente. E se lulistas impedissem Bolsonaro de entrar numa cidade? E se fosse com qualquer outro político?

Na hora eu lembrei da história da ilha de arroz e da cadela do Jango. Era o espírito do nosso tempo, novamente se movendo. E o eco desses movimentos cria um  tipo de mentalidade que diz para algumas pessoas que trancar entradas de cidades, como se suas propriedades fossem, é algo tão normal quanto ocupar uma ilha ou roubar um filhote de cachorro.

Acham normal dar tiros em ônibus de um ex-presidente. Acreditam que empunhar relhos dentro de universidades é bonito. Que ocupar esquinas contra uma imaginária “ditadura do comunismo” e clamar pelo retorno da real e dramática ditadura civil-militar é justificável. Esses grupos de pessoas adorariam ser nomeados “governadores da ilha”. 

A cadela do Jango um dia esteve no cio. Já a cadela do fascismo, como escreveu Bertold Brecht, permanece no cio. Eis o nosso zeitgeist.

 

Roger Baigorra Machado é formado em História e com Mestrado em Integração Latino-Americana pela UFSM. Foi Coordenador Administrativo da Unipampa por dois mandatos, de 2010 a 2017. Atualmente trabalha com Ações Afirmativas e políticas de inclusão e acessibilidade no Campus da Unipampa em Uruguaiana. É membro do Conselho Municipal de Educação, do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico do Município de Uruguaiana e é conselheiro da Fundação Maurício Grabois. Em 2020 passou a compor o Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação, no âmbito do município de Uruguaiana/RS. No resto do tempo é pai do Gabo, da Alice e feliz ao lado de sua esposa Andreia.

 

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19 POEMAS POLÍTICOS DE TAU GOLIN https://redesina.com.br/19-poemas-politicos-de-tau-golin/ https://redesina.com.br/19-poemas-politicos-de-tau-golin/#respond Wed, 29 Dec 2021 23:11:48 +0000 https://redesina.com.br/?p=17120 Tau Golin estreia na Rede Sina com uma série de poemas políticos que refletem também os últimos anos pandêmicos. Para ele os poemas selecionados são “textos rebeldes cotidiano.  Marcam episódios. Compõem uma espécie de heterônimo rebelde, indignado. Preocupação com o que os bardos e poetas do “baixo clero” fizeram na revolução francesa”. Confira: O PAÍS …

O post 19 POEMAS POLÍTICOS DE TAU GOLIN apareceu primeiro em Rede Sina.

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Tau Golin estreia na Rede Sina com uma série de poemas políticos que refletem também os últimos anos pandêmicos.

Para ele os poemas selecionados são “textos rebeldes cotidiano.  Marcam episódios. Compõem uma espécie de heterônimo rebelde, indignado. Preocupação com o que os bardos e poetas do “baixo clero” fizeram na revolução francesa”. Confira:

O PAÍS DAS COVAS

Teu nome João será apenas João.
Sem sobrenome ou mesmo profissão.
Teu nome José será somente José.
Demais Zés e Joãos, com outros virão;
E Marias, Leocádias, algumas Zayras.
Adultos com rosários de crianças,
Tantos velhos pais, avós, bisavós;
Tataravós nem tantos, brasileiros
Não são assim longevos, morrem
De fome, doenças, sem esperança
E tem mais as terríveis epidemias.

Fizeram do Brasil o país das covas
Rasas como a estupidez governante.
Sem lápides para preservar os nomes
Das vítimas da desgraceira genocida.

Fermenta o enxofre da terra mãe gentil.
No futuro, essa tragédia não terá cheiro,
As gerações se perderão de seus mortos.
A memória será fumaça sem desespero.

No Brasil das covas entulhadas
Do povo condenado à bestialidade,
Os anjos perderam-se dos devotos,
Os orixás embriagaram-se na dor
Das oferendas nulas de proteção;
Os espíritos vagam, almas penadas,
E baixam somente nos cemitérios.
A fé enterrou-se no país das covas.

O futuro depende do grito indignado!

TREZENTOS MIL

300 mil brasileiros mortos
Nem a arca de Noé consegue levar,
Não cabem nos camburões,
Entulham nossos mares.
Faltam covas e ermidas,
Sobram marés de lágrimas,
Na alma devastada da nação.

300 mil já rondam nossas consciências,
A terra mãe gentil virou cemitério,
O bafejo ceifador ronda seu espectro,
O gadanho liberou a sua lâmina:
Morte, morte, morte, aterrorizante
Palavra putrefata, revela nosso país.

Há um demente em apocalipse
Habitando a caixa de pandora,
Alimentando suas vinganças,
No cenário fúnebre nacional.
Existem tropas de prontidão,
Guardas nas esquinas e ruelas
Liberando o trânsito macabro.

300 mil enfezam a mente doentia.
Sua meta vai progredindo aos milhares.
Já não há mais espaço nos jazigos,
Covas rasas, covas abertas, covas,
O Brasil em pandemônio, na ira
Do celerado com poder nacional.

Há um cheiro fétido no seu bafo.
Peidos de morte, pântanos nos pés;
Tempestades no horizonte sem utopia;
Trovoadas nas sirenes das ambulâncias;
Cilindros vazios de oxigênio e esperança;
Intubados nas UTIS, como se os brasileiros
Estivessem empalados por um genocida.

Deslumbra-se a besta com a claque do ódio.
Terraplanistas somente chegam ao círculo
Em piruetas de júbilo ensandecido de dor
Alheia, do inimigo eleito, e odes ao torpor.

Morte! Morte! Morte!
300 mil brasileiros puxam o féretro
De outros milhares a serem abatidos.
Mortos de plumas, mortos sem direitos,
Mortos sem cidadania, mortos sem lápides,
Mortos sem memória, pela banalização da vida.

Mortos que não pesam na consciência da nação.

COMO NOVE BOMBAS ATÔMICAS

Nagasaki chora e se enluta pelo Brasil,
A bomba atômica lançada sobre a cidade,
Matou, meu povo, quarenta mil japoneses.
O coronavírus espalhado nos brasileiros
Equivalem a nove bombas nucleares,
Na segunda semana de abril de 2021,
E outras terríveis estão sendo preparadas.

353.000 mortes, e faltam mais atualizações,
Porque, no Brasil bolsonarista, a burocracia
É incompetente até para contar seus mortos.

Nossas detonações nucleares não são de urânio e plutônio.
A grande destruição do nosso intenso calor tropical,
Nosso deslocamento de ar e contágios virais de morte,
São espalhadas pela radioatividade do negacionismo.

O governo do Brasil, fenômeno muito nacional,
Mata dolorosamente mais que bombas atômicas,
Porque no lugar da ciência solidária para a vida,
Montou a engrenagem da engenharia da morte,
Epidemia da dor, sequelas de efeitos devastadores,
No cotidiano, no futuro, na fome da besta irracional.

Ouviram do nosso hino as margens de carcaças,
Não existem estadistas dando brados de liberdade,
Milhares de Carontes se multiplicam nas barcas
Para transportar, atravessar as águas sujas do poder
E desembarcar os mortos nas costas dos cemitérios.
As moedas nem sempre contam nessa tragédia,
Pois faltam timoneiros, muitos barcos afundaram,
E mesmo os ratos tentam se salvar nesta travessia.

353.000 brasileiros, continuamos diariamente a contar…
Já faltam águas, rios, para o barco de Caronte navegar.
O vento uiva desespero, as lágrimas córregos dos olhos,
Os caixões, barcos naufragados na terra e nela enterrados.

Trezentos e cinquenta e três mil mortos contabilizados,
Mas as cifras já estão carentes de realidade, de toda dor
Dos milhões de enlutados, do pavor dos contaminados
Para sobreviver até o minuto seguinte, não ser intubado,
Submergir no tempo da esperança, quem sabe retornar
Para alegria dos familiares como mais um ressuscitado.

Como nove bombas atômicas a pandemia já matou
De brasileiros, e outros milhares estão enfileirados
Para o abate, como gado; e não como povo varonil
Porque o poder da morte está no governo do Brasil.

PANDEMICÍDIO: 400 MIL CPFs CANCELADOS

400
Mil
Mortos.
E o pandemicida continua no poder.

Como se 10 bombas atômicas
Explodissem nos brasileiros…
E o monstro mostra CPFs
Sem titulares, escafedidos
No seu hálito fúnebre.
400 mil mortos.

“CPF cancelado”,
Acena o celerado a sua bandeira,
Com a grafia assassina de miliciano
E o riso esquizofrênico dos bandidos.

Os olhos já não suportam tantas lágrimas.
Familiares vagam nas lembranças dos parentes,
Perguntas não calam em busca dos culpados,
Mas o espectro da maldade continua seu féretro.

Brasil, Brasil, teu orgulho era o céu anil.
Foste terra adorada, entre outras mil.
Já não és mais pátria amada,
Dos teus filhos, mãe gentil.
Porque tu, nação desgraçada,
Por um governo de milicada,
Abates teu povo às gargalhadas
E, em abril, passas os 400 mil.

A MARCHA FÚNEBRE DO CAPITÃO

Mais de 500 mil mortos
Na marcha fúnebre do capitão.
Logo serão 600 mil vítimas
No morticínio bolsonaristas.
Silêncio indignado e profundo
O vírus rindo do negacionismo,
Famílias pagando o milicianismo!

A bomba atômica matou 40 mil,
A cada lançamento ianque.
Quinzenalmente, o genocídio
De um torpedo nuclear
Devasta vidas no Brasil.

Fogo “amigo”, no necrotério
Etiquetas de votos dos mortos
Atadas nos dedões das vítimas,
Do algoz, 17 macabro, cadáveres
Caídos das falanges neofascistas,
Embandeiradas de verde e amarelo,
Famílias destroçadas pela dor.
Vítimas úteis, vítimas inocentes,
Vítimas na baba da fala, vítimas
Que não cabem no cercadinho,
No brete miliciano do orador.

Brasil, país funeral.
Brasil, nação luto.
Brasil, desalmado.
Brasil, trágico.
Brasil, do samba sequestrado…
País das flautas e tacapes desterrados…
País do povo embuçalado como gado.

Vírus, contágio, velório e enterro
Vão na marcha de morte do capitão.
Sincopados de soluços, choros, gritos,
Gargantas convulsionadas, perdas,
Silêncio e transtornos nos cemitérios,
Na época do governo das covas,
Das florestas convertidas em caixões.

Dos mortos ouve-se uma marcha militar.
Não há cerimônia, despedida de Chopin,
Dignidade da música de Ernesto Nazareth.
Tudo é chulo como a morte sem sentido,
Vírus não atacado antes da multiplicação,
A vida vulgarizada, a violência propagada,
Na trilha da marcha fúnebre do capitão.

A PÁTRIA DILACERADA

600.000 mortes não fazem um bom presidente.
600.000 mortes revelam um governo genocida.
600.000 mortes custa a tropa de caça-fantasmas.
600.000 mortes são virulências de nossas feridas.

600.000 mortes reproduzem a fome na barriga.
600.000 mortes expurgam alunos das escolas.
600.000 mortes extirpam verbas da pesquisa.
600.000 mortes embalam a fome e a carestia.

600.000 mortes investidas dão aos brasileiros
A angústia vivida, o desespero do dia a dia.
600.000 mortes traz a epidemia da atrofia,
O vírus tira do povo o tempo para derrubar
O governo que tem na morte a sua serventia.

600.000 mortes alertam a nação em perigo;
Afogam-nos mais nas lágrimas dos perdidos;
Fazem da pátria uma caricatura militaresca;
Do ódio, o mestre-sala de todas as relações;
Da torpes insana, a indelicadeza burlesca
E a exibição da força nas paradas eunucas.

600.000 mortes ferem o futuro brasileiro,
Não existe destino comum na esperança.
Só persiste milícia reunida para o assalto,
Hidratada nas lágrimas vertidas pelo luto.

600.000 mortes devem alimentar revolta
Ainda estonteada nas dores provocadas.
Virá a hora que o povo não pode esperar.
Virá brado de futuro de tudo no seu lugar.
600.000 mortes pagas para o Brasil mudar
E acabar esse tempo da pátria dilacerada.

CORPUS CHRISTI BRASILEIRO

Corpus Christi,
Corpo de Cristo,
Corpo de Deus,
Corpus Domini,
Sangue de Cristo,
Corpo da nação,
Sangue do povo.
Cruzes nas almas,
No brejal da pátria,
Nas periferias cortiças,
Nas vergas das roças,
Nas montanhas ásperas,
Nas terras baixas, banhadal,
Nos vales dos minérios,
Na revolta dos impropérios,
Nas vilas, atrás das bodegas,
Nas margens dos rios.
Cruzes, cruzes, cruzes,
Senhoras e senhores,
Jovens e meninada,
Idosos da memória,
Crianças sem futuro,
Militantes da cidadania,
Militares fardas honradas
– Raros, raros, raros,
Gritam as araras;
Ave!, papagaios!
Milicianos tiroteiam
No seio esperançoso
Da nossa pátria amada.
Corpos de josés, antônios,
Anas, teresas e marias,
Brasileiros, brasileiras, eira,
Todos com a sua cruz,
Sem canto gregoriano,
Sem ritual de pajés, maracás,
Sem tambores de terreiros.
Féretros em sertanejo
Vulgar, dor de corno,
De cotovelo, traições,
Na dor da morte real,
Na dor humana da falta,
Na dor da ausência
Presente na saudade.
Corpos de nossos pedaços,
Medidos a cruzes e credos,
Enquanto os assassinos
Veneram seu ódio
Nos cadáveres
Sob as cicatrizes
Das cruzes, no silêncio
Absurdo das covas,
Onde não existe paz.
Corpos meus, corpos seus,
Corpos, corpos, corpos nossos.
O sepulcro dos cemitérios
Pede, em sinfonia, justiça!

SENHORA, BANDEIRA…

Manto verde-amarelo
Enrolado no corpo
Resoluta brasileira
De cabelos brancos
Protesta na avenida.
Cartaz, mão aguerrida
Expressa a indignação:
“Essa bandeira é nossa!
Fora miliciano!” Bolsonaro.

Senhora, alma da pátria,
O Brasil segue teu gesto!
Quanta maldade acenada
Nas cores dessa bandeira!

Um verme entrou, ignaro
No corpo utópico da pátria,
Infestou seu coração gentil,
Destruiu a sua alma cidadã,
Empestou os seus símbolos,
Fez de seu céu azul mortalha
Destilou corrosivo fel de ódio
No aceno das mãos de futuro.

Bandeira agora emporcalhada,
Nela chafurda o neofascismo.
Bandeira ignorada dos brasis,
A rebeldia das ruas te purifica
No corpo eterno da sabedoria
Da senhora e dos brasileiros,
No cartaz pelo nosso progresso,
No brado de “Fora Bolsonaro!”

BANDEIRA AGORA DESFRALDADA

Pense na bandeira desenhada
do partido Aliança para o Brasil,
formada pelo mosaico de projéteis.
Balas encartuchadas, balas desnudas,
balas miradas em ti e na pátria amada.

Pense na motivação ideológica,
Da bala acionada e da projetada
Pela ideologia da execução adversária.
Democracia requer palavras argumentadas.

Pense no arsenal de cada bala:
A bala do ódio, bala autoritária,
A bala que mata e também aleija,
A bala que bufa e igualmente cala,
A bala assassina e camuflada,
A bala autorizada da mortalha,
A bala covarde de toda madrugada,
A bala que amanhece ensanguentada.
A bala política, com slogan e marca.
A bala nas costas da menina negra,
Na mochila e nos cadernos da escola.

Pense na bala contra a tribuna,
O altar e a hóstia consagrada,
A mirada vesga e embandeirada,
A bala marchadeira e a mancada,
Do cérebro turvo de escarradeira
Que cospe no prato da esplanada.

Olhe a bandeira do partido da bala detonada,
Tema todo dia o arsenal da bala guardada,
Reservada para o operário, o professor,
O estudante, o cantor, a garotada,
O bailarino, o escritor, o agricultor,
O pobre da periferia e o pescador,
O negro, o nordestino e a indiada.

Pense na aliança do brasil macabro,
Da aguilhada, do relho, da soga atada,
Do trator que corta, do laço que enforca,
Do banqueiro da extorsão legalizada,
Do grileiro desmatador e da queimada,
Do empreiteiro poluidor do solo varonil,
Dos que emporcalham o pendão da esperança,
Das águas sem colosso; do céu de fuligem anil.

Pense na bala paisana e na bala fardada,
Na bala miliciana, assassina e oficializada.
Pense na bala aliancista para ser detonada,
Imagine o futuro do Brasil na bala disparada.

Pense na bandeira do Brasil agora desfraldada…

MARCHA CARNAVALESCA DA GUERRA DO MILICIANO E DO IANQUE

Essa guerra o povo quer ver.
Na briga miliciana com ianque
Muita gente vai se esconder
De vergonha e de vexame.
Primeiro vai ter lançamento de cuspe.
Mas quando faltar munição de saliva
O miliciano vai trocar de munição,
Pólvora molhada não dá tiro e aviva.
O ianque tem bazuca e porta-avião,
Drone teleguiado e ogiva atômica,
Rifle azeitado, pontaria de fuzileiro
E um bobalhão de alvo à disposição.

“Quando termina a saliva tem a pólvora!”
Garganteia o miliciano de boca seca.
O ianque mira de luneta, tapa orelha,
Sem ouvir a bravata e logo sapeca.

Miliciano nunca combateu na guerra,
Só bateu no trabalhador desesperado,
No estudante poético e sonhador
E no povo sofredor e desarmado.

Foi apenas um tiro de advertência.
Miliciano ficou ferido e todo cagado,
Ianque recarregou, ficou preparado,
Miliciano acenou, agora com o rabo.

Essa guerra não é para ter ganhador.
É pro miliciano ficar mais obediente
E dar o que ainda não tinha entregado,
O resto do petróleo e mais o mercado.

No planalto do miliciano viu-se o escarcéu,
General de banda sem saliva e pólvora,
De uniforme oliva e cheiro de naftalina,
Seguindo um celerado capitão da fanfarra.

Peidou-se o bloco de verde e amarelo,
Todos de boca seca, sem saliva gritante,
Já está morta a tropa e sacramentada
Se seguir nessa guerra tal comandante.
Seu arsenal são dois dedinhos em riste,
Miras de pantomina, guerrinha farsante.

UNIU-SE, A CANALHA

Vejo-te canalha deslumbrada,
Herdeira do colonizador.
Vejo-te com a sina etnocida
Do imigrante abusador.
Vejo-te canalha aduladora,
De mãos amealhadoras
No labirinto do poder.
Vejo a tua gosma adesista,
Sinto tuas garras usurpadoras,
Farejo o teu cheiro golpista,
A tua falsidade e o teu fedor.

Canalhas, uni-vos,
Este é o vosso lema.

Uniram-se na escravidão do indígena e do negro.
Uniram-se nas razias exterminadoras dos povos nativos.
Uniram-se para transformar o suor da labuta em vosso lucro;
Uniram-se para bebê-lo com a sede dos vampiros do povo.
Uniram-se no comércio das coisas vivas e mortas, supliciadas,
Do Pai, do Filho, e dos espíritos sem qualquer santidade.
Uniram-se no pastoreio das gentes como na dos gados.

Uniram-se para fermentar vossos ódios de terrores.
Escuto vossos berrantes mugindo homofobia e dor.
A baba de vossos clarins trazendo tempestades,
Os arados de vossos tratadores enterrando povos
Cuidadores da terra, respiradores das florestas,
Acalentadores de climas fraternos e harmoniosos.
Sinto o mercúrio de vosso asco contaminando rios,
O lodo de vossa moral misturado subtrai os minérios,
Mas em vos, ouro ou prata, pedras preciosas, nada reluz.

Tóxicos sois vós e vossos carros de luxo, bandalhos
Dos espaços que frequentas com vossas futilidades,
Punguistas da fraternidade, dos afetos, da sociabilidade,
Vírus amaldiçoadores da paz, pestilentos das muitas cepas
De interesses, com vossos apetites insaciáveis de monstros,
Nos berçários dos recém-nascidos que não vingam,
Nos corpos frágeis das crianças que não encorpam,
Subnutridas, subtraídas de seus futuros descentes.

De que matérias tão asquerosas vos fizeram, canalhas?
Quais bactérias alimentam vossos cérebros torpes,
Massas cinzentas, sem brilhos, opacas e negacionistas?
O que existe em vossos glóbulos que desejam os outros
Como propriedades de vossos usos até esfrangalhá-los
Na engrenagem da exploração e nas metas dos lucros?
Qual solado contaminou vossos pés que destrói tudo
O que é dignamente humano quando pisa, não resiste
Vosso peso amaldiçoado de usurpação sobre o alheio?
E ainda, como celerada demente, a canalha gargalha,
Fardada e paisana, na cara inerte da nação estupefata.
Vossos cães afiam as presas no canil do Estado policial.

Vejo-te, canalha,
Genocida de povos, de gentes, de sonhos e de esperança,
Em conluio, para fazer do país vossa imagem e semelhança!
 

A ESTÁTUA DE BOLSONARO

Passo Fundo foi escolhida a cloaca do ódio.
Pelo Brasil juntam os materiais apropriados,
O mutirão da vergonha reúne terras griladas,
Cinzas das florestas queimadas, ossadas várias,
Madeiras das matas usurpadas, lâminas de serras,
E bostas, às toneladas, dos gados para cimentá-la.
Ao monstrengo que vai se levantando, impávido
E sem colosso no Planalto Médio dos Kaingang.
A terra dos povos violados pelos bandeirantes,
Novamente maculada pelo etnocídio da paisagem.

Das minas vem o ferro e o suor dos mineiros
Explorados na cadeia internacional do lucro.
Com pazadas de morte juntam os sedimentos
de barro das barragens de contenção, rompidas
pelo desleixo, enterrando povoados e sonhos.

Armas e relhos se mobilizam nas mãos milicianas,
Festejos de motos, carrões e alguns calhambeques
Preparam-se para o féretro da cidadania violada.
Marcas de cascos de cavalos marcarão a vereda,
Evocando morte, adornada pela jumenta merda.

A bandeira nacional flamulada, de fato profanada,
Conduzirá toda a legislação do trabalho rasgada.
Junto ao recavem da asquerosa figura de borralho,
Reserva-se lugar destacado à carteira do trabalho.

A inauguração da estátua patrimonializa o asco,
Reverencia a desumanidade, recupera a pecha:
“Passo Fundo, a Chicago do Planalto Médio!”
Dístico duramente superado pela sabedoria
Daqueles que levantaram bandeiras culturais,
Fizeram currículos de saberes, educação da lei,
Dignificaram escolas e buscaram a civilização.

Atenção, atenção, atenção…

O monstrengo, terrorista e sabotador da cidade,
Manterá o seu sopro pestilento sobre os cidadãos.
Sua presença contaminará a atmosfera para a paz.
No lugar da constituição carrega manual de algoz,
Emblemas ao ódio, à intolerância, à homofobia,
Sua arenga de barbárie estará sempre entre nós.

As milongas perderão o encanto dos fogos de chão.
Os chamamés tropeçarão no próprio compasso.
Os atabaques silenciarão seus toques fraternos.
Somente um uivo de morte nos nossos passos,
Alimentados na estátua, fonte de ódio profundo.

O PRESIDENTE BUGREIRO

Nas bandas de Chapecó
Aldeia do cacique Kondá,
O presidente dos bugreiros,
Fez a carreata do genocídio.
O gado mugiu em seu delírio,
Mas o povo fez o vaticínio:

Fora Bolsonaro, genocida,
Assassino, vai tomá angu!

SOLILÓQUIO DA MALDIÇÃO I

Eis milhares de corpos brasileiros,
Mortos pelo teu negacionismo vil.
Eu venho em romaria para mostrar
Os bisavós, avós, pais, filhos e netos,
Levados desgraçadamente pela insanidade
De teu governo cruel, algoz, corrupto,
Portador de múltiplas perversidades.
Apresento-te teus mortos, raivoso
Entre as matilhas uivantes do ódio.
Se fosses um povo de cremação
Nossas florestas cairiam ainda mais,
Para celebrar nossos mortos, cão.
Lembro-te a viúva do um homem
gentil, como muitos de teu féretro,
Que tu mataste no teu abatedouro.
Digo a ti o solilóquio da maldição
Que dona Ana de Lancastre lançou
Sobre Ricardo III, o rei assassino,
Atulhador dos dignos em mortalhas,
Hoje, figuras rígidas e frias, funéreas.
Como prossegue a tua insanidade,
Seres apodrecidos, esqueletos descarnados
Que te alimentam, tu, o maior dos Vermes.

“Oh, maldita seja” a tua mão tosca
“Que causou estas feridas, maldito
o coração que teve força de o fazer,
perverso, o sangue que derramou este sangue.
Sobre o hediondo miserável que miseráveis
nos tornou com” nossos mortos; “mais horrores
se abatam do que aqueles que posso desejar
a serpentes, aranhas, sapos, a qualquer réptil
venenoso que vivente seja. Se ele alguma vez
tiver um filho, que seja aborto, temporão,
monstruoso, de aspecto tão horrendo e desigual
que temor terá, em o vendo, a esperançosa mãe,
e que seja o herdeiro da sua má fortuna.
Se ele algum dia tiver mulher, que ela
por sua morte se sinta mais mísera e mesquinha
do que eu me sinto agora pela do meu marido. Sois mortais,
e os olhos dos mortais não podem sofrer o maligno.
Vai-te de ante mim, temeroso ministro dos infernos!
Demônio imundo, vai-te por amor de Deus,
e não nos atormentes; que da terra feliz fizeste
o teu inferno, encheste-a com gritos de maldição
e com profundos clamores. Se te deleitas
em contemplar teus feitos odiosos, põe
os olhos neste exemplo de tua carnificina.
Oh, senhores! Olhai, olhai as feridas”; mortos,
“sem vida abrindo bocas congeladas e de novo sangrando.
Vergonha para ti, vergonha, ó tu, massa informe de sórdida deformidade,
pois que é tua presença que aqui faz verter o sangue das veias geladas e vazias
onde o sangue já não tem morada! O teu feito inumano e contrário
à natureza provoca este dilúvio contrário a toda a natureza.
Oh, Deus! Tu que criaste este sangue, vinga a sua morte.
Oh, terra! Tu que bebes este sangue, vinga a sua morte.
Ou que os relâmpagos dos céus se abatam sobre o assassino,
ou que a terra se abra e de súbito o devore, tal como tu,
ó terra, sorves todo o sangue deste bondoso” povo,
“que teu braço comandado pelo inferno tão cruelmente matou.
Pérfido, tu não conheces nem a lei de Deus nem a lei dos homens.
Não há besta alguma, por mais feroz, que não conheça a piedade.
Permite, ó varonil pestilenta infecção, que apenas me seja possível
destes males conhecidos acusar tua maldita pessoa passo a passo.
Ó mais torpe do que o coração consegue imaginar, não podes
Manifestar outra escusa a não ser o teu próprio enforcamento.
E por esse desespero serás tu escusado por, finalmente digno,
teres vingado em ti a carnificina indigna que cometeste noutros.”

Assim como Ricardo disse a Ana “Não matei o teu marido”
Afirmas não ter submetido o povo a imunização de rebanho.
“Maior mentira nunca o mundo ouviu.” Cientistas, jornalistas,
Viram “a tua lâmina assassina fumegante de sangue.”
Reclamas de injúrias, que lançaram culpas sobre teus ombros.
Mentes. “Foste provocado pelo teu espírito perverso
que nunca sonha com mais nada senão carnificinas.
Pois me conceda Deus também uma maldição sobre ti
por esse feito perverso”, por matares povo “amável.”
E se Céu ainda existir, nele “tu nunca entrarás.
O teu lugar não é senão o inferno.
Que se abata a inquietude sobre a alcova onde te deitas.”
Se perto de ti pudesse chegar, “digo-te, homicida,
estas unhas arrancariam a ‘formosura’ de teu rosto.
Que a noite negra escureça teu dia, e a morte tua vida.”
Reclamas que o povo te cospe, urina por onde tu passas.
“Oxalá, para teu bem, fosse veneno mortal. Sapo imundo”.

Lamentas pelos olhos de desprezo que te fulminam.
“Oxalá fossem basiliscos para te matarem.”
Te fazes de vítima. “Ergue-te, homem enganador.
Embora eu deseje a tua morte”, o povo será “teu carrasco.”
Que esteja contigo toda a tua laia, teus filhos e puxa-sacos,
Teus milicos, teus milicianos, teus sabotadores da ecologia,
Teus terroristas da democracia e dos direitos humanos.
Que tua vida seja o pesadelo que merecem os genocidas.
Que jamais durmas tranquilamente, que a paz lhe seja estranha.
Que viva com o medo de que possa acontecer aos teus o que fizeste aos outros.
Que recebas tudo em dobro. Mesmo que morras aos pouquinhos, jamais
Terás o tempo suficiente para lembrar todo o dano que fez aos brasileiros.

[“Entre aspas” = Falas de dona Ana, personagem da peça teatral Ricardo III, de William Shakespeare. 1592-1593.]

SOLILÓQUIO DA MALDIÇÃO II

(Por mais terrível que pareça uma maldição
Ainda é branda quando pregada ao nazistão.)

Fizestes incontáveis promessas, falsário.
Juraste amor à pátria e jamais cumpriste.
Prometeste honrar a bandeira, a transformaste
No enxergão dos bajuladores aos estrangeiros,
Desordeiro, sabotador do nosso progresso.
Desonraste a farda que um dia vestiu,
Conforme preceitos da Constituição.
Em vez de contribuir com a segurança,
Planejou ataques terroristas contra o povo.
Quis ser Brilhante, Mussolini, és um bufão.

Queres manipular as datas cívicas,
Bestializar o Dia da Independência,
Tingir de sangue as cores nacionais,
O vermelho que tanto temes, raivoso,
Não poupas dos brasileiros, verdugo,
Parido por forças medievais, macabras,
Como teus gestos de ameaça de morte,
Beligerantes, animadoras e perversas,
Inspiradas em inquisidores, carrascos,
Teus ídolos, Mussolinis, Francos, Hitleres,
Sanguinários de fardas e de continentes,
Jalecos da morte, camuflagens paisanas.

Ouve o solilóquio da maldição,
Jumento da mula sem cabeça.
Se tivesses alma seria penada.

És como Íxion, o mau grego das chamas,
Que construiu uma câmara incendiária
Para incinerar seus críticos, intolerante!
Que fazes com os territórios do Brasil?
Incendeia florestas, savanas, montanhas.
Terras indígenas, povos em chamas.
Bois no lugar dos nativos originários,
Madeira tombada, biodiversidade caída,
Mercúrio contaminando o nosso paraíso.

Se deuses de fato não existirem, os criaremos como magos,
Pois a justiça dos homens é pouca para punir teus crimes.
Serás submetido às leis antigas e modernas, das lendas,
Dos mitos, das religiões e dos ateus, para não escapares,
Já que a tua ficha corrida de lesa humanidade é infindável.

Convocaremos deuses e profetas, duendes, entidades.
Então conhecerás a verdadeira força punitiva dos mitos
E tuas palavras e atos serão apenas mugidos para gados.

Como o castigo purificador de Zeus a Íxion,
Também desejamos a ti, canalha miliciano, corrupto,
Que sejas presos por serpentes numa roda em chamas,
E gire eternamente no calor do inferno da tua memória.

O rei Tântalo também quis ser mito.
Simulou ser um deus entre os deuses,
A quem banqueteou com o filho Pélops.
Tu igualmente cometes filicídio, assassino,
Levas para os cemitérios milhares de filhos
Dos pais que enlutastes com atos pandêmicos.

Sísifo, rei de Corinto, achava-se muito astuto.
Chegou a enganar a morte numa certa ocasião.
Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Teu infortúnio também será eterno no submundo.
A pedra da tua condenação nunca chegará ao topo
E rolará novamente a montanha para que a empurre
Continuamente na penitência da tua punição exemplar.

Tu já tens a fome de Erisictão, o cético rei de Tessália.
Ele também derrubou florestas com árvores belas e antigas,
Que jorravam sangue no corte do seu machado criminoso.
Desconheceu que nelas estavam os espíritos das Dríades,
As energias místicas, os mistérios guardados no ecossistema,
As espécies e suas propriedades de cura, belezas e perfumes.
Já que o apetite de Erisictão era incontrolável no desmatamento,
A deusa Deméter o condenou a fome insaciável de um glutão,
Comendo continuamente, gastando seus bens, vendendo filhos.
E tu também fez de teus filhos machadinhos de teus crimes,
Pelas repartições públicas vão fazendo sempre rachadinhas.

Por usares o fogo para a destruição, o povo não quer tuas hemorroidas,
Como dizes, nem teu fígado exposto para os abutres, como Prometeu.
O que lhe agrada é a condenação de ficares acorrentado 30 mil anos
No Cristo Redentor, já que o monte Cáucaso está muito longe, vil,
E não existe prazo possível que dê conta da punição que mereces.

Os raios convocados pelos pajés já miram a tua cabeça,
Onde a maldade plantou e crescem os desejos torpes.
Nos batuques, os tambores repicam para agora punir-te.
Não te salvarás, pois alinham-se os astros a tua desgraça.
O bumerangue babilônico do deus Adad já te procura.
O martelo de Thor esterilizará teu cérebro carniceiro.
Ouve o estrondo dos raios justiceiros na boca da massa.

A baboseira de teus salmos evangélicos no te salvará,
Teus pastores e bispos violaram todos os mandamentos.
E tu, mentiroso contumaz, cospe sobre o próprio Moisés,
Cujas tábuas de pedra esmagarão tua cabeça estúpida,
Como a tortura do “telefone” aplicada aos democratas.
Recebas o que mereces, rebento militante dos perversos.

Considera-te espirituoso? Verás as travessuras de Curupira,
Que foste provocar na floresta. Mas ele revelou a sombra
Da tua natureza celerada, aspas alongam-se em tua fronte.
Saci-Pererê, que poderia sumi-las, nega-se a colaborar
E marca teu rabo, trançando-lhe, como faz aos cavalos.
Boitatá revelou tua loucura e cegueira nas queimadas.
Caipora simulou caminhos para caíres em armadilhas.
Não és Bicho-Papão nem a Cobra-Grande, és Bradador,
Que a terra se negará a enterrar pelo excesso de pecados,
Ungidos no fel, praticados pela tua Caixa de Pandora.

Apareceste anunciando-se como o mito de Midas,
Prometendo um tempo de prosperidade e ouro
Até revelar-se infortúnio existente em ti, garimpeiro,
Pestilento da nação pelo mercúrio corrosivo do ódio.

Em tuas insônias não contas mais carneirinhos;
Enxergas o féretro interminável de teus mortos.
A pá sinistra da estupidez chega a 600 mil covas.
Governo da pátria macabra, da hiena cadavérica.

Maldito és porque desfila no Dia da Independência
A Pátria destruída, sem mão gentil e filhos contentes.
Da liberdade queres apagar o seu raio no horizonte.
Por sorte ainda existe uma brava gente brasileira,
Deseja a pátria livre de ti, forjador de grilhões.
Nossas mãos, consciências e lutas são poderosas.
Não tememos tuas ímpias falanges, face hostil;
Nossos peitos e braços são muralhas do Brasil.

OPERÁRIO EM GUERRA

O operário vai pro trabalho como o soldado pra guerra.
Dorme sobressaltado com o horário, o patrão à espreita.
O dia é de manobra e combate no território da produção.
O inimigo vigia, investiga, controla a vida do trabalhador.

O governo faz parte da engrenagem, do conluio opressor.
Presidente virou bobo-da-corte do sistema capitalista,
Ministro neoliberal orienta a renda do banco e do vigarista.
Ministro do agrotóxico garante o agronegócio exportador,
A lavoura não enche o prato e a marmita do trabalhador;
O boi berra no latifúndio da floresta caída e vai pro exterior.

No capitalismo neoliberal trabalhar é estar numa guerra suja.
Ministros levantam, tomam banho e perfumam a bunda com talco.
O operário mal dorme, come de cesta básica, repõe a força e o luto
Pra mover o sistema rentista, esmerilhando o corpo no transporte,
Afogando sonhos na pinga, cegando a utopia de futuro,
Vendo os filhos como párias, seus substitutos sem amanhã,
Enquanto a burguesia acumula, festeja o país da sua conquista.

A COMUNIDADE VAI DESCER

Paraisópolis deu o sinal
Heliópolis aumentou o mal
Nos morros o eco fatal.
O povo alvo do policial.

É no samba, é no funk,
Vítimas das bordoadas,
A bala e o cassetete
O hematoma, a pancada,
Carne comunitária furada.

Se a polícia sobe em operação,
Helicóptero, viatura, camburão,
A comunidade um dia desce
Pra cobrar o direito de cidadão.

Pra polícia, povo é bandido camuflado,
As mortes, os feridos justificam a ação.
Pro povo, a polícia é bandido fardado
E esse é todo mal que infesta a nação.

Pra polícia, povo é bandido camuflado.
Pro povo, a polícia é bandido fardado.

ANO NOVO INDÍGENA

No primeiro dia do ano novo
Despertei de alma indígena,
Erva na cuia madrugadeira,
Povo na volta do fogo
Para relatar seus sonhos.
Antigo costume terrunho,
Acompanha os desejos
Das gentes no despertar.

Sonhos metafóricos,
Sonhos animistas,
Sonhos fantásticos,
Sonhos premonitórios,
Sonhos entranhados
No cosmos, nas matas,
Nos rios desgraçados,
Nos conflitos rurais.
Nas cachoeiras criminosas
Despencam os povos atuais.

Sonhos de terras sem males.
Sonhos lavrados pelos tratores.
Sonhos perdidos nos acampamentos,
Devaneios nos acostamentos das estradas.
Sonhos atropelados nas rodovias.
Sonhos amaldiçoados pelo Estado.
Sonhos alvejados pelos milicos e jagunços
Que ainda combatem os povos originários,
Colonialismo da morte, da bala, do pioneiro,
Para quem os indígenas são os estrangeiros.

No primeiro dia do ano novo,
Despertei com sonhos lendários,
Cevei o mate dos pajés rebeldes,
Dos caciques protetores da terra,
Dos indígenas do sonho guerreiro,
Da utopia dos brancos solidários,
Que na cuia do mate tacape
Da memória, sorve a justiça
Da luta dos povos originários.

A BAILARINA CHILENA

A bailarina de vermelho,
Sapatilha bege, bandeira
Da pátria, bailando
A alma chilena.
Alma de Neruda,
Alma de Victor Jara,
Alma de Allende,
Alma de Violeta Parra.

A alma do povo
Na plasticidade
Humana da bailarina
Manteve estacionados
Os veículos da morte
Do exército e dos carabineiros.

Alma chilena, flor esvoaçante
Que a humanidade quer beijar.
Alma chilena, voo de águia,
Liberdade para o povo desejar.

 

Tau Golin. Foto: Arquivo pessoal

TAU GOLIN

Historiador e jornalista. Pós-doutor em História pela Universidade de Lisboa (2010), pós-doutor em História pela Universidad de la Republica – Uruguay (2018). Entre livros e capítulos publicou mais de cinquenta títulos. Ganhou os prêmios Concurso Literário Felipe de Oliveira, Prefeitura de Santa Maria (1984); Prêmio Açorianos de Literatura – Categoria Ensaios de Humanidades (livros A guerra guaranítica e A fronteira, Secretaria da Cultura de Porto Alegre (1999 e 2005 entre outros. É um dos principais nomes do estado do Rio Grande do Sul na crítica da versão oficial sobre figuras históricas da região, e em particular do tradicionalismo gauchesco, que fala do gaúcho como um herói cheio de virtudes. Já se envolveu em muitas polêmicas por conta das suas opiniões desmistificadoras. Mais sobre ele aqui

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E SE AS VACAS VOTASSEM? por ROGER BAIGORRA MACHADO https://redesina.com.br/e-se-as-vacas-votassem-por-roger-baigorra-machado/ https://redesina.com.br/e-se-as-vacas-votassem-por-roger-baigorra-machado/#respond Wed, 17 Nov 2021 17:58:00 +0000 https://redesina.com.br/?p=16680 Uma crônica de Roger Baigorra Machado Uruguaiana tem um rebanho bovino de aproximadamente 355.000 cabeças de gado e mais de 6 mil famílias vivendo com renda per capta menor que oitenta reais por mês. Homens, mulheres, idosos e crianças que não conseguem consumir carne diariamente. Vivem na borda da linha da fome. A contradição existente …

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Uma crônica de Roger Baigorra Machado

Uruguaiana tem um rebanho bovino de aproximadamente 355.000 cabeças de gado e mais de 6 mil famílias vivendo com renda per capta menor que oitenta reais por mês. Homens, mulheres, idosos e crianças que não conseguem consumir carne diariamente. Vivem na borda da linha da fome.

A contradição existente entre os interesses do campo e da cidade é só mais uma histórica contradição da Fronteira Oeste e Campanha. Existem muitas outras contradições que estão para além de pratos vazios de pessoas rodeadas por carne de gado, contradições profundas e que se manifestam fortemente na escolha das representações políticas regionais.

Romanticamente, acreditamos que a escolha política do eleitor por um candidato é feita exclusivamente a partir de ideais e projetos, mas na prática, no calor do vento da rua, em toda eleição, a política dos que são eleitos é feita por quem tem dinheiro para investir em campanhas, em carreatas, em bandeiras e pagar pessoas para distribuir santinhos. Política virou sinônimo de dinheiro.

Existem àqueles que fazem campanha com os amigos, com a ajuda de parentes e apoiadores, mas estes raramente são eleitos. As ideias e os projetos ficam muitas vezes num segundo, relegadas por vezes, até terceiro plano ou sequer são vistas como importantes. Mas se projetos e ideias não são importantes, o que seria? Às vezes, um abraço com perfume cheiroso, um sorriso, a mão no ombro, um tchauzinho de cima do caminhão e a promessa de uma lâmpada no poste já bastam para ganhar o voto.

Por essa lógica, você deve intuir que os pobres estão fadados a não ter representação nos espaços políticos, ora, se não possuem dinheiro para se alimentar, terão dinheiro para fazer campanha? E você está certo. Não terão como fazer uma campanha eleitoral. Veja você aí na sua cidade, quantas pessoas consideradas pobres estão na câmara de vereadores ou na prefeitura?

Uma das formas de mudarmos isso, talvez, fosse organizarmos cotas de representação política nas câmaras municipais em função da realidade populacional de cada município.

Tendo por base dados dos censos do IBGE, cada cidade escolheria os tipos de cotas de representação que melhor atendem sua composição populacional.

Numa cidade onde a metade da população é negra, por exemplo, metade das cadeiras na Câmara poderiam ser para negros. Numa cidade onde 35% da população é considerada pobre, 35% das cadeiras poderiam ser para candidatos de baixa renda e assim por diante. Um amigo, ex-candidato à deputado, um dia me disse: “Essa tua ideia é ruim, pois os políticos serão eleitos com base na pobreza e não no intelecto”. Respondi com uma pergunta: “E hoje, um político é eleito pelo seu intelecto ou pelo seu poder econômico?”. A conversa acabou ali. A ideia de que pessoas pobres sejam inteligentes e estejam na política é coisa que não agrada muito.

Nas vésperas da última eleição, participei de um programa de rádio, onde a outra participante afirmava que para ingressar na vida política, a pessoa candidata tinha que, no mínimo, ter curso superior. Na hora lembrei à ela que a maioria dos políticos indiciados por corrupção têm cursos superiores. Formação acadêmica não é sinônimo de inteligência ou ética. No fim, tratava-se apenas de uma mulher branca com curso superior, ali, defendendo, naturalmente, sua casta. Essa elitização da política, de torná-la um espaço cativo dos interesses de quem tem poder econômico é a regra em nosso país.

Mas não são apenas os pobres que são estratificados da lógica política, o mesmo ocorre com outras minorias sociológicas, com os índios, com os deficientes, com os negros, com os gays e com as mulheres. Especialmente com elas, a sociológica maioria silenciada das mulheres.

Em Uruguaiana, por exemplo, das 11 cadeiras de vereadores disponíveis, em apenas 03 delas existem mulheres sentadas. E vejam que a minha cidade tem mais da metade da população composta de mulheres, logo, se houvesse cota de representação, 53% das cadeiras poderiam ser ocupadas por elas, equilibrando nisso as outras variáveis como renda e cor, por exemplo. Poderíamos ter mulheres negras, mulheres pobres, mulheres brancas, mulheres gays em mais da metade das cadeiras da câmara de Uruguaiana. Mas claro que isso que proponho é um “raio em céu azul”, um disparate para a maioria dos políticos que estão eleitos, quase todos brancos, héteros, homens ou religiosos.

“Ora, mas as mulheres que votem em mulheres e pronto!”. Alguém poderá dizer com a boca cheia de simplicidade ingênua.

Seria o ideal. O problema é que o machismo também é estrutural em nossa sociedade e ele atravessa a vida de diferentes formas, ele atravessa a religião, a cor da pele, a classe social, ele não se importa com essas coisas. O machismo paira por sobre tudo. Daí que temos mulheres ricas e que são machistas, mulheres pobres e que são machistas, negras e machistas, religiosas e machistas, pois foram condicionadas a acreditar no discurso da inferioridade feminina.

E na hora do voto, mulheres se negam a votar em outras mulheres, pois os homens que lhes rodeiam “ensinaram”, de tantas diferentes formas, que as mulheres são inferiores e incapazes para quase tudo, salvo cozinhar e lavar roupa.

As meninas crescem ouvindo que mulheres são incapazes de sustentar a família, senão através de subempregos, logo, a missão da vida é se casar; Que são incapazes de estudar; São incapazes de trabalhar; São incapazes de manobrar um carro; São incapazes de jogar ou entender sobre esportes; E nessa vida incapacitante, elas também são incapazes de estar na política.

E se as mulheres se atreverem ingressar na política, dirão os machistas que “é certo que elas devem ser comunistas, machorras, mal amadas, vagabundas”, que  “são essas Monoelas, essas Marias do Rosário, essas Erundinas, essas Melchionas”. E de novo, na hora do voto, é o machismo que aperta o botão com a lembrança do perfume cheiroso no céu da boca.

Infelizmente, tanto o machismo, quanto o racismo, a homofobia e tantos outros comportamentos preconceituosos são estruturantes em nossas cidades e país. Eles facilmente cruzam de um lado para outro, de uma classe social para outra, de um grupo religiosos para outro, são hegemônicos, são ideológicos e por isso são dominadores. Silenciosos e sempre presentes.

E assim, a política segue sendo um espaço de homens, de brancos, de héteros, de pessoas de classe média alta, de políticos profissionais e de religiosos fundamentalistas.

“Ora, mas então não voto mais!”, diria o pseudo anarquista após um gole de cerveja.

O voto ainda pode ser um caminho, ele sempre pode ser um caminho, só que ele exige um pouco de consciência de vida, de espaço social, de classe, exige organização em prol de representatividade.

Voltemos às seis mil famílias em situação de pobreza que vivem em Uruguaiana. Se usarmos uma média de 4 pessoas por família, teremos aí 24 mil uruguaianenses em situação de miserabilidade. Digamos que só a metade vote, logo, 12 mil votos. Se fosse possível organizar e distribuir esses votos, com base no resultado da última eleição, eles seriam capazes de eleger 10 vereadores.

Claro, estamos brincando com uma possibilidade ilusória, existem muitas pedras variáveis no caminho.

Mas e se estas famílias quisessem realmente eleger alguém que lhes representasse? Como que por exemplo, quisessem eleger o seu líder comunitário, sem depender do quociente eleitoral e da sorte, elas conseguiriam?

Sim, conseguiriam.

Poderiam votar em apenas dois candidatos e ambos seriam eleitos com 6 mil votos cada, seriam eleitos mesmo se fossem de um partido pequeno. Mas como eu disse, o machismo, a homofobia, o racismo, o fundamentalismo religioso são fantasmas que atravessam as paredes das nossas casas. E assim, enquanto o preço do gás aumenta, seguimos com uma política de homens, de brancos, de héteros e de religiosos.

Em Uruguaiana o pobre elege o rico e a mulher elege o homem. Mas calma, fique tranquilo que aqui para esse lado do mapa nem tudo é contradição, aqui em Uruguaiana tem coisas que fazem sentido, aqui o religioso elege o religioso. Rico elege o rico. Paciente elege o médico. Ouvinte elege o radialista. Nossa sorte é que os 355 mil bovinos ruminando ao redor da cidade não votam, senão teríamos 11 donos de frigoríficos eleitos.

Roger Baigorra Machado é formado em História e com Mestrado em Integração Latino-Americana pela UFSM. Foi Coordenador Administrativo da Unipampa por dois mandatos, de 2010 a 2017. Atualmente trabalha com Ações Afirmativas e políticas de inclusão e acessibilidade no Campus da Unipampa em Uruguaiana. É membro do Conselho Municipal de Educação, do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico do Município de Uruguaiana e é conselheiro da Fundação Maurício Grabois. Em 2020 passou a compor o Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação, no âmbito do município de Uruguaiana/RS. No resto do tempo é pai do Gabo, da Alice e feliz ao lado de sua esposa Andreia.

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A Internacional Serrotista obra de Daniel Jablonski https://redesina.com.br/a-internacional-serrotista-obra-de-daniel-jablonski/ https://redesina.com.br/a-internacional-serrotista-obra-de-daniel-jablonski/#respond Thu, 11 Nov 2021 19:53:40 +0000 https://redesina.com.br/?p=16596 A Internacional Serrotista é uma peça de Daniel Jablonski criada especialmente para a segunda edição do “Serrote Ao Vivo”, evento realizado no auditório do Instituto Moreira Salles (SP) em 23 de março de 2019. A obra responde a duas demandas de naturezas distintas: 1. observar o caráter performático do formato, no qual os autores apresentam seus …

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A Internacional Serrotista é uma peça de Daniel Jablonski criada especialmente para a segunda edição do “Serrote Ao Vivo”, evento realizado no auditório do Instituto Moreira Salles (SP) em 23 de março de 2019. A obra responde a duas demandas de naturezas distintas: 1. observar o caráter performático do formato, no qual os autores apresentam seus ensaios ao vivo; e 2. fazer uso de um serrote, objeto que dá nome à revista.

                À guisa de capa da publicação, A Internacional Serrotista abriu a noite com um curto trecho de Подруги (Três mulheres), de1935-6. Este filme, do realizador russo Lev Arnshtam, notabilizou-se por sua uma trilha sonora, arranjada por ninguém menos que Dmitri Shostakovich. E, notadamente, por uma versão do hino socialista “A Internacional” (1871), executada de forma propositalmente desastrada no então novo instrumento teremim.

                A performance musical, realizada em colaboração com Tomás Oliveira, baseia-se na transposição desse mesmo arranjo dito “bêbado” para o serrote musical, instrumento caseiro cujo timbre é similar ao do instrumento eletrônico russo. Valendo-se de diversos loops gravados ao vivo, Tomás executou “A Internacional” na íntegra, contando ainda, ao final, com o improviso livre da banda de música experimental Hurtmold.    

                Na esteira de uma eleição presidencial marcada pela especulação paranóica acerca do retorno de uma suposta “ameaça comunista”, o deboche de Shostakovitch na União Soviética parece ganhar por aqui ares de uma inquietante seriedade. 

A INTERNACIONAL

A Internacional; em francês: L’Internationale; é um hino internacionalista, sendo também uma das canções mais conhecidas de todo o mundo. A letra original da canção foi escrita em francês em 1871 por Eugène Pottier, que havia sido um dos membros da Comuna de Paris. A intenção de Pottier era a de que o poema fosse cantado ao ritmo da Marselhesa. Em 1888, Pierre De Geyter transformou o poema em música. A Internacional ganhou particular notoriedade entre 1922 e 1944, oi traduzida em inúmeros idiomas. A canção é tradicionalmente cantada com o punho fechado ao ar. Apesar de estar associada aos movimentos socialistas, A Internacional também serve de hino para comunistas, social democratas e anarquistas. No Brasil, é a canção oficial do Partido Comunista do Brasil.

O ARTISTA: 

 Daniel Jablonski (1985, Rio de Janeiro) é artista visual, professor e pesquisador independente. Sua produção multifacetada, combinando teoria e prática, investiga o papel do indivíduo na construção de novas mitologias e discursos da vida cotidiana.

Seus trabalhos foram vistos em mostras individuais e coletivas no Brasil e na América Latina, notadamente no Instituto Tomie Ohtake, Centro Cultural São Paulo, Paço das Artes (São Paulo), Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre), Centro Cultural BNDES (Rio de Janeiro) ), bem como a Universidade Torcuato Di Tella (Buenos Aires) e a Fundación ArtNexus (Bogotá). Seus escritos, incluindo entrevistas, traduções, ensaios e resenhas críticas, podem ser encontrados em revistas de arte e literatura como Serrote, Amarello (São Paulo) e Octopus Notes (Paris), mas também em revistas acadêmicas como Concinnitas e Poiésis (Rio de Janeiro).
 
Nos últimos anos, conquistou diversos prêmios de aquisição em mostras e feiras nacionais de arte, tendo sido indicado duas vezes ao Prêmio PIPA de arte brasileira, além do Programa de Bolsas e Comissões da Cisneros Fontanals Art Foundation (Miami). Participou também regularmente de prestigiosas residências internacionais, como Fonderie Darling (Montreal), Fondazione Antonio Ratti (Como) e Lugar a Dudas (Cali), esta última premiada como professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro), onde lecionou por quatro anos.

De 2017 a 2021, coordenou e ministrou o curso ‘Histórias da Arte: Moderna e Contemporânea’ no MASP – Museu de Arte de São Paulo. Vive e trabalha entre o Brasil e a França, onde recebeu recentemente uma bolsa da Terra Foundation for American Art (Giverny) e uma residência de longa duração na Cité Internationale des Arts (Paris).

Mais sobre em: https://danieljablonski.org/Internacional-serrotista

 

LETRA:

 

A INTERNACIONAL

De pé, ó vítimas da fome
De pé, famélicos da terra
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra
Cortai o mal bem pelo fundo
De pé, de pé, não mais senhores
Se nada somos em tal mundo
Sejamos tudo, ó produtores

Bem unido façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional

Senhores, patrões, chefes supremos
Nada esperamos de nenhum
Sejamos nós que conquistemos
A terra-mãe livre e comum
Para não ter protestos vãos
Para sair desse antro estreito
Façamos nós por nossas mãos
Tudo o que a nós nos diz respeito

Bem unido façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional

Crime de rico a lei o cobre
O Estado esmaga o oprimido
Não há direitos para o pobre
Ao rico tudo é permitido
À opressão não mais sujeitos
Somos iguais todos os seres
Não mais deveres sem direitos
Não mais direitos sem deveres

Bem unido façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional

Abomináveis na grandeza
Os reis da mina e da fornalha
Edificaram a riqueza
Sobre o suor de quem trabalha
Todo o produto de quem sua
A corja rica o recolheu
Querendo que ela o restitua
O povo só quer o que é seu

Bem unido façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional

Fomos de fumo embriagados
Paz entre nós, guerra aos senhores
Façamos greve de soldados
Somos irmãos, trabalhadores
Se a raça vil, cheia de galas
Nos quer à força canibais
Logo verá que as nossas balas
São para os nossos generais

Bem unido façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional

Pois somos do povo ativos
Trabalhador forte e fecundo
Pertence a Terra aos produtivos
Ó parasitas, deixai o mundo
Ó parasita que te nutres
Do nosso sangue a gotejar
Se nos faltarem os abutres
Não deixa o Sol de fulgurar

Bem unido façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional

L’internationale

Debout les damnés de la terre
Debout les forçats de la faim
La raison tonne en son cratère
C’est l’éruption de la fin
Du passé faisons table rase
Foule, esclaves, debout, debout
La monde va changer de base
Nous ne sommes rien, soyons tout!

C’est la lutte finale
Groupons nous, et demain
L’Internationale
Sera le genre humain

Il n’est pas de sauveurs suprêmes
Ni Dieu, ni César, ni tribun
Producteurs, sauvons nous nous-mêmes
Décrétons le salut commun
Pour que le voleur rende gorge
Pour tirer l’esprit du cachot
Soufflons nous même notre forge
Battons le fer quand il est chaud

C’est la lutte finale
Groupons nous, et demain
L’Internationale
Sera le genre humain

L’état comprime et la loi triche
L’impôt saigne le malheureux
Nul devoir ne s’impose au riche
Le droit du pauvre est un mot creux
C’est assez, languir en tutelle
L’égalité veut d’autres lois
Pas de droits sans devoirs dit-elle
Égaux, pas de devoirs sans droits!

C’est la lutte finale
Groupons nous, et demain
L’Internationale
Sera le genre humain

Hideux dans leur apothéose
Les rois de la mine et du rail
Ont-ils jamais fait autre chose
Que dévaliser le travail
Dans les coffres-forts de la bande
Ce qu’il a crée s’est fondu
En décrétant qu’on le lui rende
Le peuple ne veut que son dû

C’est la lutte finale
Groupons nous, et demain
L’Internationale
Sera le genre humain

Les rois nous soûlaient de fumées
Paix entre nous, guerre aux tyrans
Appliquons la grève aux armées
Crosse en l’air et rompons les rangs
S’ils s’obstinent ces cannibales
A faire de nous des héros
Ils sauront bientôt que nos balles
Sont pour nos propres généraux

C’est la lutte finale
Groupons nous, et demain
L’Internationale
Sera le genre humain

Ouvriers, paysans, nous sommes
Le grand parti des travailleurs
La terre n’appartient qu’aux hommes
L’oisif ira loger ailleurs
Combien, de nos chairs se repaissent
Mais si les corbeaux, les vautours
Un de ces matins disparaissent
Le soleil brillera toujours

 

 

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OS MOINHOS DE VENTO E OS QUIXOTES DA FRONTEIRA OESTE por ROGER BAIGORRA MACHADO. https://redesina.com.br/os-moinhos-de-vento-e-os-quixotes-da-fronteira-oeste-por-roger-baigorra-machado/ https://redesina.com.br/os-moinhos-de-vento-e-os-quixotes-da-fronteira-oeste-por-roger-baigorra-machado/#respond Wed, 06 Oct 2021 14:54:11 +0000 https://redesina.com.br/?p=16194 Um homem velho e lento arremete seu corpo, sem medo, contra o gigante que se move sem parar. Mesmo cansado, ele não teme, ele não pensa na morte, nem na vida, pois só lhe cabe pensar no heroísmo da batalha. É disso que ele gosta, da luta: “Mais vale uma grande esperança do que míseras …

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Um homem velho e lento arremete seu corpo, sem medo, contra o gigante que se move sem parar. Mesmo cansado, ele não teme, ele não pensa na morte, nem na vida, pois só lhe cabe pensar no heroísmo da batalha. É disso que ele gosta, da luta: “Mais vale uma grande esperança do que míseras conquistas”: Eis Dom Quixote de La Mancha.

O velho que se lança sem medo, enquanto é observado por seu escudeiro e incrédulo Sancho Pança, é o símbolo de um tipo de homem que habita os nossos dias, um indivíduo que busca na tradição e na imobilidade das coisas a razão e o sentido para seguir respirando. Para este tipo de brasileiro, o devir é coisa que não deveria existir, pois o conservadorismo com que vive, refuta o presente na esperança de um passado que insiste em se desmancha no ar.

Para Quixote, não importa se o gigante era uma alucinação, um cata-vento ou um moinho, o que importa é a esperança. Importa o rosto de Rosália, importa a batalha e o Sancho que observa, no fundo, ele vive de pequenas conquistas. Importa o seu mundo não se transformar diante dos próprios olhos, pois a mudança dele desconstrói a tradição dos cavaleiros. E cavaleiro é tudo o que Dom Quixote sabe ser.

Na história de Cervantes, Quixote era um homem em crise, preso ao passado, um passado feito de histórias épicas, batalhas, valores, vestimentas e, sobretudo, tradição. Dom Quixote era um homem velho e cavaleiresco, acostumado com histórias de valentia, a maioria delas vindas dos romances de cavalaria da sua biblioteca. Quixote era um homem conservador num mundo onde a tradição, que lhe era tão cara, estava em decomposição, soprada como pó pelas hélices dos cata-ventos.

No interior da Espanha de Quixote, os moinhos de vento eram coisa assombrosa, uma tecnologia nunca antes imaginada naquelas terras esquecidas no tempo. Os moinhos representavam a mentalidade nova de um mundo em constante modernização. O moinho de vento deslocava a vida do eixo da tradição dos costumes, incluindo novos atores numa sociedade até então estática, gerando empregos, distribuindo renda e fundando novas classes sociais. O moinho de vento era o novo padrão das relações sociais e econômicas, horizontalizando acesso aos alimentos e sua produção, chegando em lugares onde o pensamento europeu ainda padecia das lógicas imperiosas de uma nobreza tradicionalmente decadente. Os moinhos de vento geravam a energia que empurrava o tempo e moía o trigo e o milho, grãos que desmanchavam a sina dos famintos diante dos olhos dos abastados.

O problema é que a fome e a pobreza, embora sejam estratégicas na conservação da sociedade cavaleiresca, não é coisa importante para quem cresceu sentado no alto de uma pirâmide. Lá de cima, a fome parece ser algo tão distante.

Do alto da montanha social, a fome é coisa teórica, jamais experiência prática. Fome não é coisa da nobreza e dos cavaleiros, a fome é coisa da plebe. A fome é a hereditariedade dos pobres.

Com a nobreza, aquilo que parece ser fome é diferente, como um tipo de vontade, ela é altiva no esbanjamento e na complexidade dos ingredientes, um nobre com apetite dificilmente será saciado em todos seus desejos. Já para uma pessoa empobrecida, a fome é construção mais simplória, e para ela qualquer coisa, um pão ou um arroz já lhe desfaz o motivo. E por isso, a fome sequer faz sentido quando posta diante dos nobres e dos cavaleiros. A fome não tem sentido diante de um Quixote. Para Quixote só há sentindo no seu mundo, nas suas grandes esperanças, nas suas batalhas imaginárias, ele não liga se os moinhos de vento acabarão com a fome, isso não importa, importa mais a nobreza de um mundo decadente que pode deixar de existir. Mas acontece que o que é nobre também decai, pois é contradição e construção humana, estrutura penitente ao tempo, assim como, é a própria fome.

O senhorio cavaleiresco da Espanha de Cervantes, arredio ao novo e agressivo ao desconhecido, está contido na figura de Dom Quixote, enlouquecido de paixão pelo passado e ensandecido de ódio diante do presente.

A mera possibilidade da quebra de um padrão de poder – as relações sociais e econômicas que sustentam o estilo de vida de um grupo de pessoas -, é o que move os conservadores em sua luta pelo passado.

E nesse sentido, o da conservação de estruturas de poder, Quixote é a metáfora perfeita para o que se vê no comportamento de algumas pessoas aqui onde eu moro, bem no cantinho do mapa do país, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul.

Na Fronteira existem pessoas que defendem uma sociedade onde o dólar alto, a inflação e a pobreza são essenciais para seus estilos de vida. A concentração de renda é uma característica histórica que não pode ser desfeita. O curioso disto é que os defensores do dólar alto e da inflação recebem apoio daqueles que são as principais vítimas da mesma inflação e pobreza. Aqui, pelas ruas de Uruguaiana, volta e meia um grupo de Quixotes invade a avenida Presidente Vargas, esperançosos pelo passado das ditaduras e destemidos em não aceitar a justiça social.

A rodoviária de Uruguaiana possui uma estátua de um Quixote, ela fica cravada em frente as ruas Flores da Cunha e Presidente Vargas, e é diante dela que tudo acontece. No último 07 de setembro, exércitos de Quixotes desfilaram diante da estátua, em direção a batalha contra os gigantes imaginários e os dragões, os inimigos do passado. Umas dúzias de carros, munidos com bandeiras do Brasil Império e adesivos de grupos conservadores faziam o cortejo. Os Quixotes fronteiriços gritavam diante da estátua, pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal – STF, a intervenção militar e o retorno da monarquia. Vestidos com armaduras de grife, verdes e amarelas, desfilaram felizes pelas ruas da cidade, buzinando diante dos mais de 400 mortos por Covid-19, tremulando bandeiras diante da fome e do desemprego. Pouco importava a crise política construída pelo governo federal, não importava a crise energética e o preço da energia elétrica, nem a inflação que se abate sobre os alimentos, não importava o preço do gás, dos combustíveis, só importava a batalha contra os cata-ventos, pois desde que o dólar esteja elevado e as exportações primárias estejam aquecidas, o mundo estará bem. A economia brasileira que interessa aos Quixotes fronteiriços é a mesma economia brasileira que o senhor Paulo Guedes, Ministro da Economia, afirma que está “decolando”.

É que a pobreza é parte estruturante de um padrão de poder que sustenta a pirâmide social fronteiriça. Afinal, alguém empobrecido perde o juízo e, em nome da fome, abre mão de qualquer coisa, qualquer sonho, qualquer direito trabalhista, qualquer direito previdenciário, abre mão de tudo por um pedaço de pão. A existência dos pobres é condição prévia para a manutenção dos ricos.

Não importa se a gestão do Governo Bolsonaro é uma tragédia multinível, importa apenas a conservação da riqueza, mesmo que isso custe muita pobreza.

Os moinhos de vento dos Quixotes uruguaianenses, feito alegorias de carnaval, desfilam pela Avenida Presidente Vargas como “gigantes terríveis”, inimigos que precisam ser combatidos. Os moinhos de vento são os esquerdistas, os petistas, os comunistas, os pacifistas, os ateus e os de religião de matriz africana. Os gigantes que precisam ser derrotados são o movimento negro, os sindicatos, os LGBTQIA+, as ações afirmativas e qualquer outra forma de pensamento ou política pública que retire dos Quixotes o chão da tradição, a tradição dos privilégios.

O curioso é que a maioria dos Quixotes da minha cidade não são nobres, feito o velho Dom Quixote de Cervantes, nem são todos ricos ou loucos, estão mais para Sanchos Pança, acompanhando os interesses de uma nobreza rica e decadente, na esperança de que pedaços de pão caiam para os lados. E eles são homens e mulheres, em sua maioria pobres e por isso assalariados, manobrados pela hegemonia discursiva e pela ideologia do poder econômico de classes dominantes locais.

Os manifestantes do verde e amarelo não são patriotas, são brasileiros ultraconservadores ansiosos pelo passado, postos diante de monstros imaginados, assombrados pelo medo de mentalidades que não querem que a sociedade mude. Eles estão convencidos que o comunismo vai dominar o mundo, e por isso, debatem-se contra as hélices dos moinhos, clamando por ditaduras e Orléans e Bragança. Os Quixotes ricos são sintéticos, só precisam manter a mesa posta e farta e a fome hereditária dos pobres. Os Quixotes pobres, eles não possuem grandes esperanças, suas fomes não precisam de complexidades ou fartura, para seguirem se debatendo basta um pão e um medo. Eles não são movidos por uma grande esperança, eles são movidos por míseras derrotas cotidianas, cada absurdo que defendem, cada idiotice que postulam são derrotas. Derrotas que acreditam ser suas grandes conquistas da vida.

Roger Baigorra Machado é formado em História e com Mestrado em Integração Latino-Americana pela UFSM. Foi Coordenador Administrativo da Unipampa por dois mandatos, de 2010 a 2017. Atualmente trabalha com Ações Afirmativas e políticas de inclusão e acessibilidade no Campus da Unipampa em Uruguaiana.É membro do Conselho Municipal de Educação, do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico do Município de Uruguaiana e é conselheiro da Fundação Maurício Grabois. Em 2020 passou a compor o Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação, no âmbito do município de Uruguaiana/RS. No resto do tempo é pai do Gabo, da Alice e feliz ao lado de sua esposa Andreia.

O post OS MOINHOS DE VENTO E OS QUIXOTES DA FRONTEIRA OESTE por ROGER BAIGORRA MACHADO. apareceu primeiro em Rede Sina.

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