Depois de quase dois anos, a primeira ida à manicure. Sim, durante a pandemia cuidar das unhas virou exclusividade doméstica, evidenciando que pintá-las não é uma habilidade que eu tenha desenvolvido ao longo dos anos. No máximo, uma base incolor que não borra as bordas, ainda que o pincel invada tais espaços. Mas o fato de sentar em frente à Jô – que teve Covid e desenvolve uma lúcida conversa sobre nosso momento atual – e ouvi-la, é um presente e, talvez, um dos sinais de que parecemos estar de volta a alguns habituais espaços cotidianos, apesar do uso constante das máscaras.
O salão fica num prédio de clínicas anexo ao hospital, com o qual divide o saguão. Ali a circulação de pessoas sempre foi assustadoramente alta. Nos últimos anos, ir até o local somente por uma emergência médica e com o coração na mão. A cada entrada, as temperaturas eram medidas por dois funcionários “armados” de termômetros digitais, torres de álcool gel nas portas de entrada, nas paredes ao lado dos elevadores com placas avisando “somente 4 pessoas”, bancos intercalados por avisos de “não sentar’, o movimento de máscaras de todos os tipos em pessoas apressadas a desviarem umas das outras, davam o tom da gravidade do período.
De repente, sumiram os funcionários que mediam a temperatura de quem chega e os comentários sobre as internações por Covid indicam, carregados de alívio, que a pandemia está a desacelerar.
O fluxo do trânsito nas ruas voltou a ser nervoso, enquanto os pedestres ( a maior parte com máscaras) enchem as calçadas. As aulas presenciais retornaram em algumas instituições de ensino de modo tão abrupto quanto foi o momento da sua suspensão em fevereiro de 2020. Estranheza, dificuldades em retomar o ritmo interrompido, ajustes urgentes, sistemas em pane e normativas apressadas indicam que se enfrenta, para além da pandemia, os sinais do que virá a ser a pós-pandemia.
Não se trata de uma data, porque uma pandemia não termina por decreto. É sim uma série de indícios pós-vacinação em massa que demonstram novos desafios, prospecções incertas e condições alteradas da saúde mental das pessoas. Dispersão, esquecimentos, sensação de estar perdido ou se sentir anacrônico, incertezas, sono irregular, pesadelos, excesso de peso, perda de peso, dificuldade de focar e o medo do retorno ao trabalho presencial são algumas das queixas frequentes nas rodas de conversa. E não dá para minimizar tais efeitos. São reais e tem afetações profundas na vida de todos nós. Há perdas, há luto, há sequelas de quem enfrentou a doença em si e nos seus.
Saber o que mais o isolamento forçado desencadeou no coletivo ainda está por vir. Não somos mais quem éramos, ainda que não saibamos quem nos tornamos. Fato é que o mundo mudou e aquele ao qual estávamos acostumados antes do coronavírus não existe mais, ainda que insistamos na banalidade do cotidiano.
Talvez boa parte de nós esteja mais empático, mais solidário e, com certeza, mais introspectivo. A vivência do isolamento mostrou que há dias e dias, que se conhecer e se tolerar faz parte do estar vivo; que sair de volta ao mundo externo acontece de modo diferente, ao menos neste momento. Por isso é necessário não perder a perspectiva de estarmos vivos num momento que há um evento que acontece uma vez a cada 100 anos, e que as pragas não são novas para a espécie humana, são novas para nós.
Os efeitos de uma pandemia tendem a se prolongar por uma média de quatro anos até que se estabeleça uma nova normalidade, ou a pós-pandemia. Até lá, teremos que lidar, entre outras coisas, com o impacto econômico, social e psicológico que ela desencadeou. Para além das mortes de familiares e amigos, há quem tenha perdido o emprego, quem faliu, quem não consegue mais sustento, quem está sem moradia, crianças e adolescentes ficaram sem estudo, relações de trabalho mudaram, função foram extintas, empregos foram precarizados para que lucros continuassem preservados. A superação desses problemas não acontecerá de modo rápido.
Talvez, concordando com Nicholas A. Christakis, não estejamos no início do fim desta pandemia que nos atravessa, mas sim estamos no fim do princípio. Enquanto isto vamos ter que lidar com os destroços provocados por ela e resignificar a vida cotidiana de modo maduro.