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Santa Maria salvou a minha vida, por Felipe Freitag

Dia desses fui à UFSM e acabei, de algum modo, vendo-me naqueles rostos ainda imberbes dos novatos que agora estão na universidade. Tudo se renova. Em átimos de flashbacks, eu, filósofo de janela de ônibus, comecei a refletir sobre a minha trajetória de estar, na universidade, e, sobretudo, de ser universidade. Sim, para mim, não basta estar, na universidade, para se formar um bom profissional. Ser universidade é, antes de tudo, uma postura de negociação de sentidos. Ser universidade é extrapolar os seus limites geográficos. Ser universidade é ser rua também.

Enquanto a paisagem do percurso já tão conhecido se emoldurava sobre os meus olhos, pensei nas minhas duas tentativas frustradas de morar em Santa Maria (em 2006 e em 2008). Cheguei, então, à conclusão de que Santa Maria salvou a minha vida, tipo aquela fala da personagem Rose do filme Titanic, já idosa: “Salvou-me em todos os sentidos possíveis”. Santa Maria, em 2009, salvou a minha vida, porque, em primeiro lugar, minhas ideações suicidas foram se abrandando ao passo que eu conquistava amigos especiais e fiéis.

Santa Maria, ao longo dos quase onze anos em que aqui morei, salvou a minha vida, porque, outrossim, fez com que ideias se tornassem realidade (assim, bem clichê). Ideias de ser um profissional docente capacitado. Ideias de aprender com os que estão à margem, assim como eu estava e ainda estou. Ideias de participar no mundo e pelo mundo com todo o vigor possível. Santa Maria salvou a minha vida, pois tive professores humanos (a citar, dois em especial, sem nomeá-los, ambos Pós-Doutores, um que almoçava no Restaurante Universitário da UFSM e uma que utilizava o transporte coletivo público; ações que, geralmente vão na contramão do que se espera de professores de tão alta titulação).

Santa Maria, a cidade que, tem alguns epítetos (já simbolizados porque de conhecimento geral) curiosos tais como a cidade cultura, a cidade universitária, a cidade do xis. Santa Maria, a cidade que, durante minha vivência nela, se mostrou abarcadora de outros epítetos, singulares e, talvez, restritos a mim ou a alguns outros companheiros.

A cidade com um lugar de paredes verdes em que garotos beijam garotos e em que garotas beijam garotas e onde eu dei meu primeiro beijo aos 20 anos; a cidade de pessoas lutadoras por causas sociais, como o Nei D’Ogum, como a Marquita, como a Cilene, como a Maria Rita Py Dutra, como o Kalu, etc.; a cidade da massa reunida na Praça dos Bombeiros para presenciar batalhas de rap; a cidade do Bar do Garça e suas famosas cachaças saborizadas; a cidade de um dos poucos alojamentos para travestis e transexuais do país (o alojamento da nossa Mãe loira); a cidade do feminismo, do racismo e da LGBTQIAP+fobia em pauta; a cidade que é preenchida por diversos movimentos sociais que tentam sanar a inércia do Poder Público; a cidade…

A cidade com inumeráveis qualidades e defeitos, mas que tem o vento norte, o qual chega abrasadoramente e nos faz esquecer de tudo, menos dos sonhos do garoto novato que fui como os dos novatos que vi na UFSM. Santa Maria salvou a minha vida e espero que ela salve a de tantos outros que recém-chegados estejam passando por problemas como os que eu tinha e como os que eu tenho. Santa Maria, creio, ainda poderá salvar a minha vida outra vez/mais uma vez.

 

 

 

FELIPE FREITAG é graduado em Letras Português e respectivas literaturas (licenciatura) pela UFSM e é mestre em Estudos Linguísticos pela mesma instituição. Professor a mais de dez anos, dedica-se, também, à escrita literária.

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