Eu tô no meio de um trabalho difícil, com um prazo impossível de cumprir, ostentando um sorriso incompatível com meu verdadeiro estado interno e ainda marquei consulta com um ginecologista indicado por uma amiga, que por sinal é obstetra, o que fez com que todas as grávidas do mundo passassem na minha frente, não sem antes indicarem as melhores clínicas para congelamento de óvulos, afinal, nunca se sabe o dia de amanhã. Ou seja, eu não estava tendo um dia difícil. Eu estava sendo enrabada pelo meu dia. Sem lubrificante. Sem amor. Só o dia me dominando mesmo.
Como se não bastasse, dentro do consultório, depois de ser examinada e ouvir comentários como: ‘seu útero é pra trás, mais difícil engravidar’, que foram retrucados com: ‘não parece, fiz 3 abortos’, tive de ouvir sobre o melhor procedimento para retirada de uns pólipos que resolveram aparecer no meu útero. O tempo todo o doutor me olhava com uma certa condescendência, como se eu tivesse problemas de aprendizado. Pedi pra ele ir direto ao ponto e aí pode ter sido meu erro, pois, com meio sorriso nos lábios, na maior cara de pau, ele disse que eu deveria retirar aqueles corpos estranhos fazendo uma cirurgia mais definitiva, como, por exemplo, a de rebaixamento de útero. Antes que ele fosse em frente, expliquei que meu útero não era o motor de um carro, que ao ser rebaixado ganhava em performance. Expliquei a ele o conceito de performance uterina, o conceito de chave, mas o doutor estava irredutível com o lance do rebaixamento. Como se isso não bastasse, ele resolveu me explicar que, pelo fato de eu não querer ter filhos, rebaixar o útero seria a melhor forma de lidar com o problema, ao contrário de uma simples retirada por raspagem, afinal, os pólipos poderiam voltar e coisa e tal.
Naquela hora eu saquei que daria merda. Justamente porque eu precisava reagir. A mulher solteira por vezes esquece o que passa, por conta de tantas conquistas, por conta de poder ter quantos caras quiser, mas aquilo ali tava chegando no limite. Era a hora de dizer ao doutor que muitas coisas podiam voltar. Inclusive Jesus, tamos aí esperando por Ele e nada. O trema também podia voltar. A monogamia, o filho pródigo, enfim, um monte de coisa tava aí nessa lista de espera para um grande retorno e sinceramente, o mundo tem outras prioridades além dos meus pólipozinhos metidos a besta.
O doutor ficou mudo. Acho que meus pólipos magicamente foram parar nas cordas vocais dele.
Saí dali firme, como minha bunda já foi um dia. Pensando em como tem horas que o que gente mais quer é poder ter alguém com quem conversar depois de um dia como o de hoje.
Mandei zap pro peguete 1. Duas listrinhas azuis. Nada. Pro peguete 2. Duas listrinhas azuis. Nada. Pro peguete 3. Uma listrinha preta, capaz até de ter me bloqueado.
Não que eu quisesse ser casada, mas, porra, o que houve com a capacidade de escuta das pessoas? E a tal da empatia? Onde foi parar?
Tive vontade de voltar no doutor e adicionar mais esses itens na listinha que tinha esfregado na cara dele mas achei melhor tomar um uísque e ficar na sala de espera por dias melhores.
Dizem por aí que eles virão.
POLIANA PAIVA
Poliana Paiva é formada em Cinema e em Teatro. Roteirista e atriz, já escreveu programas de auditório, de revista e de ficção, além de seus 4 curtas. Tem um canal no Youtube ‘Tudo sobre Jasmine’, onde escreve, atua e dirige. Volta e meia faz participações em esquetes do Porta dos Fundos e do Anões em Chamas. É integrante do coletivo Clube da Leitura e tem um Instagram poético, ‘Romanticuzinhos’, que também está no Facebook.