ENTREVISTA: VERA FISCHER
por Melina Guterres para Istoé
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TODA MULHER PRECISA SER FEMINISTA
Istoé: Vera, cinema, TV ou teatro. O que você prefere fazer? E por que?
Vera Fisher: Ahhh assim não vale!!! Rs…São trabalhos e formatos tão diferentes que nem consigo escolher um preferido.
Istoé: Vera, como surgiu a sua carreira artística?
VF: Eu nunca quis ser atriz, na verdade. Eu pensei em entrar nessa vida depois dos 19, 20 anos. Depois de ter sido miss. Eu falei bom, o que a gente pode querer na vida? E eu queria coisas impossíveis, ser bailarina clássica, ser arqueóloga. Isso parecia um absurdo pra mim. E aos poucos foram surgindo convites para cinema e eu fui fazendo, mas sabendo que eu não era atriz. Eu tinha certeza que eu não era. Era simplesmente uma forma de trabalhar, de pagar minhas contas.
Istoé: Vera, você afirmou que a novela que fez a mais gostou foi Laços de família, de Manoel Carlos. Por que a escolha por essa novela?
VF: Porque foi uma Helena que já nasceu heroína. Acho que nunca fiz uma personagem tão forte e tão real. A filha teve o problema do namorado e depois o câncer. Essa mulher não satisfeita e para salvar a filha ela fica grávida do primo para combinar. Ela foi corajosa!
Istoé: Além da novela Laços de família, o que você mais gostou de fazer na TV?
VF: Certamente, a novela Coração Alado, da grande Janete Clair e a minissérie Desejo, da querida Gloria Perez.
Istoé: E sobre cinema, o que você destacaria da sua carreira?
VF: Olha, foi o longa Intimidade, de 1975, de Michael Sarne e de Perry Sales. Considero uma divisória na minha carreira de atriz. Eu e meu primeiro marido, o Perry Salles, tínhamos o sonho de produzir um filme, vendemos o nosso apartamento. A Embrafilme não quis colocar dinheiro porque era um cineasta estrangeiro. Eu ainda não tinha habilidade, jogo de cintura para improvisar, mas o diretor queria. Tive que buscar coisas dentro de mim que estavam adormecidas. Ninguém esperava isso da Vera Fischer. E foi um sucesso de crítica. Pra mim, foi uma lição, posso fazer, gostaram de mim. Era uma história de uma mulher que foi muito massacrada pela mídia, que foi mais ou menos o que aconteceu comigo.
Istoé: Vera, você fez parte de alguns filmes do movimento da pornochanchada, algo marcante do cinema nacional nas décadas de 1970 e 1980. Há um grande preconceito contra esse movimento cinematográfico brasileiro em razão de ser carregado de erotismo e de bom humor como no Teatro de Revista. Como você vê essa questão desse preconceito como se a pornochanchada fosse um gênero inferior na cinematografia?
VF: Tenho orgulho de ter feito pornochanchada. Era o jeito que a gente tinha de burlar a ditadura. Elas eram revolucionárias. Existem os movimentos no cinema, no teatro, nas artes no geral e este foi um movimento.
Istoé: O que você leva de cada personagem?
VF: Tudo! Cada uma das minhas personagens nasce de uma mistura do texto escrito. O que sinto ao estudá-lo é o que coloco de mim para aquela personagem. No fundo, elas são uma fusão do que o autor pensou e do que eu senti.
Istoé: E o que cada personagem leva da Vera?
VF: Cada personagem também é a Vera.
Istoé: Ser atriz é um desafio constante? O que é ser atriz para você?
VF: É me entregar, aprender todo dia a ser outras, amassar e misturar um outro ser comigo até que sejamos uma coisa só.
Istoé: Hoje em dia a abertura para compreender e falar sobre a violência que as mulheres sofrem é muito maior que décadas atrás. Quando e como foi para você compreender que foi vítima de assédio? Como busca trazer o tema hoje para as mulheres que sofrem com isso nos mais diversos meios?
VF: O assédio sempre foi e ainda é autorizado pela sociedade e, infelizmente, ainda não mudamos isso. Além de buscar essa mudança é preciso encorajar as mulheres a fazerem as denúncias, o que também é muito difícil. Por causa dessa autorização antiquada e doente, algumas mulheres são reféns de formas que tornam a denúncia quase impossível. A exposição, o machismo, a falta de credibilidade, muita coisa ruim vem no pacote junto com a denúncia. Precisamos evoluir rápido! Estou com pressa!
Istoé: Vera, você acredita que foi estigmatizada em sua carreira artística em razão de ter sido Miss Brasil?
VF: Claro que as pessoas falam, mas eu nunca liguei muito pra isso porque fui muito bem criada. Fui miss com 17 anos, em 1969. Peguei os anos 1970 com um machismo escancarado. Não sei como consegui sobreviver aos ataques machistas, que foram severos, nos anos 1970, 1980 e até 1990.
Istoé: Vera, você falou sobre os assédios e das violências sexuais sofridos em sua profissão. Poderia contar um pouco mais sobre eles?
VF: Fui muito assediada no cinema, na TV e no teatro. Mas sou uma pessoa meio bem humorada, divertida, eu tinha algumas saídas para conseguir me salvar. O constrangimento e o assédio houve, o que me deixou muito humilhada, mas nunca sucumbi. Dava respostas que deixavam os homens enojados. E deixar um homem enojado era o máximo.
Istoé: Outro tema discutido hoje é o etarismo. Como esse tema chega para você? Já sofreu algum preconceito? Como lida com o envelhecimento? O que gostaria de dizer para as mulheres e a sociedade em geral sobre o tema?
VF: Eu sempre respondo a mesma coisa quando o assunto é envelhecer. Vivi cada década brilhantemente, fiz tudo que quis fazer, curti tudo que tinha para curtir. As minhas marcas do tempo são os sinais da vida que vivi e gosto delas. Gente, eu vivo de bem com os espelhos em casa e olha que tenho espelhos enooooooooormes!
O etarismo é um problema mundial, mas no Brasil é ainda mais sério. Hoje, quando existe o papel de uma mulher mais velha, selecionam uma atriz jovem e fazem maquiagem para envelhecer…rs… como entender essa lógica? Nós, atrizes, somos mutantes, eu sei, mas a questão é bem mais profunda. Vamos ter que continuar batalhando e falando sobre isso. O tempo é garantia de evolução e eu fico cada vez melhor à medida que ele passa.
Istoé: . Você disse hoje na coletiva de imprensa que gostaria de fazer mais filmes sobre ser mulher. O que é ser mulher para você e o que gostaria mais de ver deste universo nas novas produções?
VF: Vou te responder o que é ser mulher branca, cis e privilegiada. É fazer muito mais esforço que os homens para conseguir concretizar qualquer coisa. Em trabalhos, produções ou até no cotidiano. Os esforços das mulheres superam os dos homens em 1000 vezes para atingir qualquer objetivo. Estou falando do meu lugar, que ainda é muito melhor do que o da maioria das mulheres no país.
Istoé: . Você se considera feminista?
VF: Sim! Toda mulher precisa ser feminista. O feminismo não é o oposto do machismo e temos que dizer isso sem cansar. O machismo prega a superioridade dos homens sobre as mulheres. O machismo autoriza mortes! Ser feminista é querer a igualdade que a mesma sociedade que autoriza o abuso, nos tirou.
Istoé: Você comentou na coletiva que pretende fazer um filme sobre a sua vida.
Poderia falar sobre este projeto? Já está em produção? Alguma previsão de lançamento?
VF: Como disse na coletiva, trabalho com duas mulheres muito antenadas às possibilidades que possam me interessar. Elas me propuseram esse projeto, me apresentaram a uma diretora fantástica, mas ainda não dá pra falar muito. Na hora certa vocês vão saber tudinho.
Istoé: Nesses 52 anos de carreira, como você avalia o mercado audiovisual e a dramaturgia ontem e hoje?
VF: Olha, você se lembra quando as fitas de vídeo apareceram e todo mundo dizia que o cinema ia acabar? Que os livros sumiriam das estantes com os e-books? Nada disso aconteceu. As formas de produzir e consumir foram mudando com as novas tecnologias. O que acontece no nosso mercado é isso! A internet, as redes sociais e os streamings estão trazendo novas possibilidades. No geral, acho as mudanças positivas.
Istoé: Como é a sua relação com a literatura? Pretende escrever um novo livro?
VF: Eu leio desde antes de ver TV, desde antes dela existir. Amo ler. Tenho livros escritos, mas temos alguns projetos para acontecerem antes em teatro e streaming, então está na fila. Rs.
Istoé: Que legado você gostaria de deixar para o seu público?
VF: Meu legado é tudo que faço, dê certo e dê errado. Mas ainda tô vivinha, tá amor?!!!! Vou passar dos 100 trabalhando. Isso se não começarem a vender coração, ossos e outras coisitas no supermercado. Porque se venderem, compro uns novos e vivo mais 200!
Istoé: Ser Vera é…
VF: Etimologia básica meu amor! Rs… Ser Vera é ser verdadeira!
LIVE DA COLETIVA VIA REDE SINA: https://www.instagram.com/reel/C-qPqEIyakI/