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Religiões Afro-brasileiras e Umbanda em Santa Maria por Helaysa Pires

Nasci em Santa Maria e fui morar em São Sepé com minha mãe. Depois de um tempo, íamos semanalmente a um antigo terreiro de Umbanda que seguia a linha Omolocô. Morei em várias partes dessa cidade desde minha primeira vez, em 2003. Sempre encontrei algum terreiro, cartomante ou casa espírita por perto. Em 2012, iniciei uma pesquisa sobre um terreiro de umbanda do qual fiz parte durante 7 anos. O líder desse grupo havia sido iniciado em Santa Maria. Por isso, esse estudo me ensinou muito sobre a presença da cultura afro-brasileira nesta cidade. Analisando o contexto colonial, as dominações e os conflitos etnico-raciais encontrei uma movimentação política no mínimo intrigante: a Liga Espiritualista de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiro (LEUCAB). Segundo entrevista realizada com o presidente desta Liga entre 2014 e 2015, a instituição foi fundada em 26 de agosto de 1981, com intuito de criar um registro e contagem dos terreiros existentes em Santa Maria, fornecendo um respaldo burocrático e um reconhecimento político aos templos, casas de Umbanda e de cultos afro-brasileiros (que seguem liturgias vinculadas às tradições africanas, como o Batuque) e de cultos mistos (como Umbanda cruzada, Cultos de nação).

Nessa época, a LEUCAB contava com mais de 300 terreiros filiados em Santa Maria e região, possuindo cinco “Delegacias regionais” nas cidades próximas (abrangendo a região central do estado) cujas incumbências locais são semelhantes à sede da Liga em Santa Maria.

Além do papel de mediador entre os terreiros e os trâmites institucionais necessários para a legalização das atividades dos terreiros, a filiação à Liga traz reconhecimento jurídico e político aos templos, pois o cadastro dos terreiros remete ao seu reconhecimento público e o pertencimento a essa rede de terreiros. A instituição e suas delegacias também têm o poder de propor leis, como as que criaram a “Semana Umbandista”. Sendo uma federação, a filiação do terreiro estudado a LEUCAB esteve atrelada ao processo de institucionalização do grupo. No entanto, os processos coloniais ainda ativos na cultura atual moveram o líder do grupo estudado a transformar seu terreiro em uma Associação juridicamente reconhecida através do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) em 2011. Essa também seria uma forma de afrouxar a sua relação com a LEUCAB e promover uma política de legitimação através do “conhecimento”.  Vendo os ritos com oferendas de animais como primitivos (num sentido pejorativo, ou seja atrelado a algum tipo maldade), naquele período, aquele grupo buscava se posicionar em oposição aos “africanistas”. É importante salientar que este ponto ainda dá muito “pano pra manga”.

Durante o estudo sobre as federações, descobri com Brown (1985) que as divergências internas, as lutas por reconhecimento e a institucionalização da religião foram processos que iniciaram na década de 1920 e seguiram depois de 1945, quando a umbanda se expandiu devido à diminuição da perseguição sistemática com o final da ditadura de Getúlio Vargas. A busca pela desafricanização e a homogeneização da Umbanda, provocou o surgimento de inúmeras federações que procuraram distanciar-se da federação que patrocinou o primeiro congresso de Espiritismo de Umbanda, a União Espírita da Umbanda do Brasil. Segundo a autora, “O número de federações de Umbanda que continuam a operar [uma padronização] aos níveis local, estadual e federal testemunha o avanço das competições políticas e a rivalidade entre elas” (BROWN, 1985, p.22). Dessa forma, a autora observa que, distintamente do Espiritismo Kardecista, a diversidade de federações com interpretações diferentes e conflitantes em relação ao ritual é fonte “do dinamismo, da flexibilidade e do espírito inovador que caracteriza esta religião” (Ibidem, p.23).

Este é apenas um pequeno trecho, de uma vasta história presente em Santa Maria que conta sobre diferentes ritos, uniões e conflitos religiosos da sociedade santamariense. Observando Santa Maria de um lugar de umbandista-pesquisadora, vejo uma cidade rica em diversidades e, por isso, uma cidade que inspirou e espero que siga inspirando novas possibilidades aos seus moradores por proporcionar o contato com múltiplas culturas e saberes. 

Grata pelo tempo que você dedicou a essa leitura,

Helaysa Pires

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