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RAZÃO EM LIMITE por Lúcio Hiko

Esta critica visa tratar do Filme Limite do Diretor Mário Peixoto, uma Obra seminal lançada na década de 30 e que teve um papel significativo para o cinema de Autor, uma vez que nos anos iniciais do cinema Brasileiro, houveram muitas transformações e fases que acabaram por definir o rumo do cinema como um todo’

Limite entrou para a história com um filme de vanguarda, a frente do seu tempo e com uma proposta no mínimo instigante, se hoje o cinema recorre a velhos clichês e temos uma sensação de que tudo já foi feito, não foi assim no início e grandes diretores estão ai para provar isso.

Mário Peixoto é um deles e com seu filme de estreia que também se tornou único, ele pavimentou um caminho que depois foi percorrido por vários outros cineastas.

Limite é um filme instigante e que traz à tona muitos de nossos medos, um filme mudo, mas que diz mais que muitos filmes modernos, em uma época onde o recurso da fala ainda não havia sido introduzido, Mário Peixoto nos brinda com uma aula de cinema, com características do expressionismo alemão e uma estética singular, o filme trata de três personagens em um barco a deriva, perdidos em suas vidas por terem chegado ao limite de suas situações.

A partir do ponto de vista de três personagens que se veem em uma situação limite, o espectador pode montar o quebra cabeça que é a trajetória deles, repleta de simbolismos o filme se utiliza do flashback para trazer à tona os medos e anseios de cada um.

No barco estão uma mulher que abandonou um marido opressor e outra mulher que havia fugido da prisão, para fechar o trio temos um homem desiludido por conta de um amor que não pode ser consumado, cada qual vive uma situação de prisão a qual não enxergam um meio de fuga e ficam presos a uma eterna desesperança que percorre suas almas.

A Obra consegue ser ao mesmo tempo claustrofóbica e angustiante e por meio das visões de cada personagem podemos traçar um paralelo com a realidade que nos cerca.

O filme pode ser analisado sobre várias óticas, desde a social onde vemos como as consequências de seus atos os tornam enclausurados na sociedade ou até pelo viés psicológico, pois podemos analisar como isso afeta suas personalidades.

Aliás o filme é um deleite para pessoas que procuram significados, o diretor contou também com o excelente trabalho do diretor de fotografia Edgar Brazil para construir cenas icônicas e que ficaram para sempre na memória dos amantes da sétima arte, a justaposição sendo um deles como a cena inicial dos abutres e principalmente com a cena das algemas que se repete algumas vezes durante a projeção, mas nunca ficando repetitivas mas sim sendo usadas de uma maneira a serem com uma rima numa poesia onde sempre uma dá o toque para a próxima revelar algo de misterioso.

Temas como a passagem do tempo são abordados de maneira brilhante e contundente pelo diretor, apesar dos flashbacks o filme é contado de maneira linear e segue uma cronologia específica, apesar das mais de uma linha narrativa.

Se hoje um filme assim ainda poderia ser confuso para algumas pessoas, imaginem o impacto na época, tanto que o filme teve uma série de contratempos e problemas na produção ao ponto de várias cenas terem sido perdidas, em algumas versões uma das cenas consideradas perdidas é totalmente substituídas por um recordatório com uma explicação na tela.

Fato curioso uma vez que se tratando de cinema mudo o uso dessas falas era normal, mas o diretor optou por deixar que a história se contasse por si só.

O que não foi nada fácil uma vez que o trabalho todo teria que recair na interpretação dos três atores principais, os personagens tinham que ser ao mesmo tempo expressivos e mostrarem ser sombrios para passar aos espectadores sua angústia e falta de esperança para o rumo que suas vidas tinham tomado, para isso utilizando do gestual e principalmente dos olhos, aqueles que captam tudo e são o registro base para nossas memórias, as vezes nos levando a belos lugares e outras nos deixando presos em nossos mundos secretos.

A trilha sonora também é um dos pontos de destaque e permeia toda a película com um sinal da tensão vivida pelos personagens, apenas em um momento do filme, quando da memória de um personagem vemos uma sessão de cinema com um filme de nada mais nada menos que Charles Chaplin, considerado o mestre do cinema mudo e que com isso remete a metalinguagem na sua forma mais pura, pois apesar de todo o conteúdo, complexidade e simbolismos que o filme possa nos remeter, obviamente se trata de um filme mais de forma do que de qualquer outra coisa, nisso Mário Peixoto foi excelente trazendo algo de inovador em uma época que parecia que tudo podia ser inventado e o importante era o experimentalismo e não repetir o que já se havia feito.

Esse pioneirismo custou caro ao diretor, pois apesar de pavimentar o caminho para outros cineastas, acabou por não conseguir realizar mais nenhum projeto, mas influenciou outras que vieram depois dele.

Mário Peixoto era bem próximo também da questão do cinema como crítico e isso o ajudou a entender o cinema como arte e não apenas como entretenimento simples e puramente escapista.

Isso se reflete em todo o filme como por exemplo na questão da montagem, que é excelente por si só, uma vez que mesmo linear o filme perpassa por múltiplas narrativas, que vão e voltam nos trazendo os detalhes obscuros da vida de cada personagem e nos ajudam a montar esse intrincado mosaico que nos é apresentado durante o filme.

Aí está toda a questão e a proposta de um filme que apesar de sombrio, não explica as situações, trabalha muito com metáforas e trata das questões do confinamento de maneira no mínimo brilhante para dar um exemplo, como a personagem que troca o confinamento da prisão pelo confinamento de um barco na imensidão do mar azul, onde ela não consegue enxergar um futuro para si e se vê presa novamente como num ciclo vicioso onde não consegue escapar.

Fora que a parte técnica é um show a parte, pois há que se falar dos ângulos de câmera em uma época onde não existiam câmeras que fossem leves e o transporte já era um limite muitas vezes até para boas ideias, mas que se tornavam inviáveis pelo equipamento, apesar disso o filme tem vários travellings, como na cena que a câmera gira em torno da mulher para nos passar a sensação da desorientação dela.

A importância de Limite é indiscutível, segundo estudiosos do cinema, um exemplo é o do crítico e historiador Georges Sadoul que disse que Limite influenciou o cinema nacional e marcou o fim de uma era, Mário Peixoto firmou seu nome na história do cinema brasileiro com o que foi chamado de o “primeiro grande clássico do cinema brasileiro”.

Em termos históricos o cinema nacional passou por muitas fases, no início tivemos um período que ficou conhecido como A Bela Época do Cinema Brasileiro, mas em 1912 o Brasil já sofreu a primeira grande crise cinematográfica com a expansão dos mercados franceses e americanos, a estagnação definitiva veio em 1914 com a Primeira Guerra Mundial.

Após o término da Primeira Guerra os Estados Unidos firmaram seu sistema de industrialização que culminou por disseminar seu método pelo mundo todo e o Brasil não foi exceção, o que acarretou a que vários pessoas tentassem outros estilos de cinema que não os convencionais, logo em 1923 começaram a surgir movimentos por todo o Brasil de diferentes regiões que ficou conhecido como Ciclo Regional, foi nesse período que outros cineastas importantes despontaram como Humberto Mauro, considerado por muitos o  diretor mais influente no início da história do cinema nacional.

Foi nesse período conturbado do cinema nacional que Mário Peixoto surgiu e lançou o que seria sua Obra Definitiva para o cinema de Autor com essa Obra ímpar, consagrando para sempre seu nome na história.

FICHA TÉCNICA

ANO: 1931

DIRETOR: MÁRIO PEIXOTO

ROTEIRISTA: MÁRIO PEIXOTO

DIRETOR DE FOTOGRAFIA: EDGAR BRAZIL

ELENCO: OLGA BRENO, RAUL SCHNOOR, TATIANA REY

 

LÚCIO HIKO

Produtor Cultural

Crítico de cinema

Cineclubista

Curador do Cineclube Lanterninha Aurélio

Escreve pro Site de Cinema Cinetoscópio

Com Análise crítica publicada no livro Ciclo de Cinema Histórico

 

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