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Que tal um sistema de cotas para brancos no serviço público brasileiro? – por RICARDO MENDES

Lucas Soares Fontes tem 24 anos. Quando ele nasceu, em 1995, o sistemas de cotas para pessoas negras — e outros que surgiram depois — ainda não havia sido implantado no Brasil. Isto só foi acontecer em 2014, em concursos públicos como o que ele foi aprovado. As cotas ajudaram Lucas a entrar para o serviço público como negro, recebendo um salário de 6 mil reais. Mas Lucas não é preto. Ele é branco… e tem olhos esverdeados.

Depois que uma denúncia anônima foi feita, Lucas está respondendo a processo na Polícia Federal, segundo a delegada Fabiana Martins Machado. Ele também perdeu o cargo, com a anuência de Edésio Antônio Siqueira de Santos, gerente-executivo do INSS de Juiz de Fora, em Minas Gerais, que acha um absurdo a ilegalidade cometida pelo jovem.

Quatro versões de Lucas Soares Fontes. A última foto foi usada para comprovar a sua afrodescendência, em um concurso público do INSS. Fraude comprovada pela Polícia Federal de Juiz de Fora e pelo posto do INSS onde ele trabalhava como técnico, ganhando 6 mil reais. Foto: Reprodução.

Lucas nunca foi negro, nunca será, nem sofreu ou sofre as consequências de ter a pele preta. Ele é mais um daqueles que acredita que tem direito igual a todo mundo, porque somos “todos iguais”. Uma verdade simbólica dita pelo legislador, na Constituição Brasileira, mais como desejo que se faça cumprir algo do que como algo efetivamente cumprido.

Discutir mecanismos de como aperfeiçoar as cotas para negros e, por exemplo, homossexuais; avaliar a sua eficácia ao longo tempo; debater com a sociedade os tipos de mecanismos existentes, não só é necessário, como justo. Haverá sempre quem seja contra e a favor e argumentos de ambas as partes. Mas nada justifica fazer o que Lucas fez, ou diminuir a importância das cotas seja como for. Sobretudo, porque é lei.

Reprodução da pintura de Jean-Baptiste Debret: mercado de escravos no Rio de Janeiro da época colonial.
Um político não pode, a pretexto de “defender todos”, negligenciar a história do seu país, da sua região, ou se eximir de responsabilidade porque não escravizou ninguém, não foi o responsável, ou porque tem um amigo preto… Rui Barbosa, como ministro da Fazenda, logo após a proclamação da República, em 1889, mandou queimar os documentos do período da escravidão para “apagar esta história”. Mas não é possível guardar o passado no passado e seguir em frente sem políticas de reparação. Nunca foi.

O mesmo Rui Barbosa (por mais confuso que possa parecer) também disse:

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade… Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.

Entendeu? Em síntese e em bom português, ele disse que precisamos, sim, da existência de cotas.

RICARDO FONTES MENDES

Ricardo Fontes Mendes é Jornalista Investigativo pela PUC Campinas, Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, Consultor Internacional e duas vezes vencedor do Prêmio Tim Lopes. Mais sobre ele em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_Fontes_Mendes

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