É um consenso entre leitores de roteiros do mundo inteiro que a fração de obras que se recomendam à produção varia de 1% a 3%. Em outras palavras, isso equivale a dizer que 97 em cada 100 roteiros escritos jamais serão transformados em filmes – no contexto da indústria cinematográfica.
Outro dia me deparei com um infográfico que fazia uma análise de um corpus de 300 roteiros recebidos por uma agência de talentos em Los Angeles – dos quais apenas 8 foram recomendados à produção – e da qual é possível extrair algumas conclusões interessantes.
As mais interessantes para mim são onde mais erram os roteiristas. Quando eu falo “erram” não quero dizer que existe um jeito certo e um jeito errado de contar uma história. Entretanto, existe uma maneira que se tornou hegemônica no contexto da indústria cultural – a que chamamos Narrativa Representativa Industrial (a expressão é de Jacques Aumont) – e que, embora comporte inovações, é pouco propícia a aceitar alterações radicais em seu formato e proposta.
Segundo esse estudo, o erro mais comum foi a demora para introduzir a história. Isso está ligado a uma questão central com a qual o roteirista frequentemente se depara: sobre o que é o meu filme? Não ter com clareza a resposta para essa pergunta é o fator de risco número um para tardar a entrar na história.
O segundo erro mais comum encontrado nos roteiros foi a falta de conflito consistente nas cenas – outra coisa que não me canso de repetir em minhas aulas. Se não há desejo do personagem e oposição a ele, não há conflito. E se não há conflito, não há história. Ainda assim, a quantidade de cenas que eu vejo por aí sem qualquer conflito – cenas planas e meramente expositivas… Além
O terceiro erro é, em si, uma lição para roteiristas: roteiros realizados exatamente de acordo com os manuais, extremamente técnicos, embora frios e desprovidos de significação. Os manuais de roteiro operam principalmente na esfera da Morfologia e da Sintaxe, ou seja, da natureza dos elementos estruturantes (como personagens, por exemplo) e da relação entre eles. No entanto, essas esferas são meramente teóricas e seu domínio não basta para a produção de um roteiro de qualidade.
Regras como balanço emocional, viradas a cada dez páginas, lista de funções dramáticas, Pirâmide de Freytag, etc., só servem de alguma coisa quando a serviço de uma história potente. E enquadrar a história em uma estrutura pré-definida não é garantia de funcionamento orgânico da narrativa.
Que tal aprender com os erros dos outros?
RAFAEL LEAL
Roteirista, professor de Roteiro Cinematográfico na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUCRJ. Formado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense – UFF, mestre em Artes da Cena Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Desenvolve conteúdo para televisão e cinema, como as séries “Paixão Futebol Clube” (Raccord Filmes), vencedora do Edital de Desenvolvimento de Projetos de TV 2012 da RioFilme; “Comando Cruzeiro do Sul” e “Perdidos”, selecionada pelo Programa Globosat de Desenvolvimento de Roteiristas.
Escreveu os longa-metragens “Rio dos Mortos” (comédia), “Doce Irmã” (documentário) e “O Carrasco” (drama). Como roteirista da Giros Interativa, criou as séries “As Pandoras” (infanto-juvenil), “Lava Jato” (comédia), “Vida Real” (comédia), além de ter adaptado para a televisão os romances “O Senhor do Lado Esquerdo”, de Alberto Mussa, e “Ladrão de Cadáveres”, de Patricia Melo (adaptado como “Corumbá”). Corumbá e Vida Real integram a Carteira de Projetos vencedora do Edital PRODAV 3 – Núcleos Criativos 2013/2014. Recentemente, escreveu as séries “Canta pra Subir” (Migdal – GNT), “Sistema Solar” (República Pureza – GNT) e “As Canalhas – 3a Temporada” (Migdal – GNT), além de ter criado a série “Jungle Pilots” (Giros – Tambellini Filmes – NBC-Universal).
Presta consultoria para o Núcleo Criativo da Miração Filmes, entre outras produtoras.
BLOG: http://www.rafaelleal.com/
tweet