Home / * PORTAL / POEMAS DE JOSÉ MAURO BATISTA
Estátua em Santa Maria-RS. Foto: José Mauro Batista

POEMAS DE JOSÉ MAURO BATISTA

CORETO

Coreto da praça
Saldanha Marinho
Onde muitos passam
Sem mesmo ver pássaros
Farfalhando em seus ninhos
Muito menos os passos
De quem anda sozinho

Onde transitam
O silêncio e a ode
Dos ébrios e seus naufrágios?

(É ali mesmo no Coreto da Praça Saldanha Marinho)

Na farra da cachaça
Na algazarra e na arruaça
O dia se emborracha
Na Praça Saldanha
Na Santa Marinho

Síndrome da fome?
Nem tudo graça
Nem tudo desgraça
Apenas imagens
Matizes da Praça

No Coreto
Ali não há vinho
E enquanto vão indo
Vêm vindo também
Minha Santa
Mania
Maria
Amém!

Há ali
Apenas árvores sombrias
Abrigo da nostalgia
Passagem da melancolia

Aliás
Ali há

Também
Magia e poesia
Para quem se detém
A olhar sem desdém
Uma parte do dia

Será ou seria
A pura letargia?
Letraardia
Do sol nas feridas
De fantasmas maltrapilhos

É manhã para muitos
E ainda noite para alguns
O quem sabe hora alguma
Dia nenhum

Moribundos passos
Pássaros
No máximo
Ameno ácido

Agora entendo o alarido
No des (concerto) dos pássaros
No coreto impávido
Tátil e tácito
Da Saldanha Marinho

ALÉM DOS TRILHOS

Um fantasma vaga
Pelos trilhos da viação férrea
Procura na sua própria sombra
Seus dias de luz

Um fantasma vaga
Pelos trilhos da estação
Á procura de outros fantasmas
E as sombras são,
Na verdade,
Silhuetas da ausência
Do farol dos vagões

O fantasma some
Enfim
Na multidão
De sombras e escombros
Junto a outros fantasmas
Ectoplasmas
À procura de outra estação

(TODOS PASSAGEIROS DE ÚLTIMA CLASSE)….
Os fantasmas jantam.
E agora são muitos
Todos amontados
Num comboio de assombrações

Uma lamparina se acende
E o guarda-fantasmas
Carregando as malas
Vaga…vaga…vaga…
Com sua luz
Dilacera a alma
(a alma dos trilhos)
Que dorme entre os dormentes

Os fantasmas cantam.
E dançam
A valsa da despedida
De tantos que foram
E de tantos que ficaram
(inclusive amores)

Na sala de embarque
A vagar pela gare
A alma berra
Alma de ferro
Essa
Da Via Férrea

LUAS DE JANEIRO 

Nuvens densas cobrem o céu, encobrem os sonhos
encobrem os montes
escondendo o clarão da lua cheia
Vem a noite, noiva, com seu véu, e por instantes
Não quer que ninguém sinta, ninguém veja
Que ninguém sinta as estrelas

Oh lua nova em sua fase sem brilho e mais tristonha
a esconder seu caminhar dos namorados
a negar seu doce e meigo beijo em meio às sombras
Vai se minguando entristecida em alambrados

Minguante lua em desespero, quando perde o  brilho
e em declínio se oferece à multidão
o dia amanhece em espartilhos
nasce apertado, ainda é noite no bater do coração

E à crescente lua que se achega mansa e amável
restam lágrimas da chuva que não veio
molhando os olhos de uma noite  interminável
que começou com maquiagens no espelho

Fecham-se os olhos de uma noite interminável
deixando um beijo de uma tarde de janeiro
Um meigo beijo proutras luas de janeiro

PASSEIO NO PARQUE

Passeio no parque vazio
Vejo insetos nas plantas e formigas caminhando nas calçadas íngremes e tortas
É tarde quase noite
O sol vai sumindo aos poucos
E aos poucos uma lua cheia mostra sua cara redonda
Brilhante e gigante lua
Um cão faminto perambula
Um gato malhado se assusta e se esconde no arbusto
À sombra de uma árvore robusta
O cão segue a passos largos
E some na escuridão das lages
Sons de todos os lados guisos e assobios
Anunciam a última sonata das cigarras
Uma estridentemente sonora orquestra de grilos
regida pela noite que se achega lenta e selvagem
Há um banquete/orgia na copa escura das árvores
E eu continuo a caminhar
Tudo vazio…vazio….vazio….
Nesse instante, a única coisa que me preenche é sonhar
Sonhar com um país decente
Com um parque cheio de gente
Com árvores e moitas, arbustos e grama, grilos
Duendes, elfos, fadas, gnomos
E até crocodilos se houvesse
Tanto quanto possível um parque cheio de vida
Com cheiro de vida
Com cores de vida
Com barulho de vida
A única coisa que me preenche neste espaço imenso é andar andar andar
Perambular nesse intenso e denso vazio
Voraz abismo de mim esmo
Num labirinto onde gritos se perdem em meio ao silêncio esvaziado da noite
Andar Andar Andar
E sonhar que daqui a pouco
Estarei num bar qualquer
Num dia qualquer
Numa noite qualquer
Numa hora qualquer
Num tempo qualquer
Que me deseje
Num parque qualquer
Que me permita sonhar
Que permita entrar
Num bar qualquer
Oh! Poesia!
Que me invade, vinda dos arrabaldes
Como quero estar
Num bar qualquer
Numa noite qualquer
Num parque qualquer
Bebendo contigo
Rodeado de amigos
E celebrando a vida
Num sonho qualquer
Em um país decente qualquer
Em um parque qualquer

 

HAICAIS E PEQUENOS POEMAS

NAU

Pesadelo da minha infância
Afinal, quem roubou
minhas tesouras
e minha nau de papel?

IMAGEM
Tarde vermelha
Beira de sanga
Chove….
chuva de pitangas

PRIMAVERA
Rock and roll
na primavera
átomos dançam
no som das cavernas

CORAIS
Venenosas
as cobras
guisam
corais de improviso

AMORA
O chão
cora
Amoreira
chora
Tempestade de amoras

SILÊNCIO NO BREJO
O rio sangra
filetes de cianureto
a sanga responde
com o silêncio dos sapos

RECORTE DO COTIDIANO
o túnel o túmulo o fato a foto
o rosto o rato o resto
o pão nosso de cada hora
no estômago do lixo

PEQUENAS IMAGENS DA VIDA….

O mundo faz cara feia
meninos mostram os dentes
meninas mostram os lábios
vermelhos de cereja

METRÓPOLE
A metrópole sorri
exibe seus músculos tecnológicos
mastigando toras de vida
com seus dentes de serra elétrica

ESTAÇÃO DAS ÁGUAS
Reduzido a um só
o corpo vaga
pela estação das águas

Que importa o mundo
para as beterrabas?

O CAMINHO DA LESMA
A lesma com sua gosma
desliza pela parede
foge do sal
prefere a sombra
e o poeta descreve
as guloseimas
azeita o limo das palavras
Haverá açúcar para temperar
o caminho do caramujo?

O CÃO
O sino bate
o relógio bate
as horas passam

E lá

No fundo
o cão late late late late late late late late late late late late late
late
      latifúndio

FLAUTA NOS ANDES
Som rosa que vem da flauta
surgindo das cordilheiras
Nos andes a flauta passeia
Anda

E
Des (anda)
lamento
no ouvido das montanhas

DISTÂNCIA
Cintilante ânsia
a lua no cio
e eu te anuncio
minha presença
bruma vazia
púrpura aurora
por que tanta indiferença?

RECADO
Guardanapos guardam nacos
da nossa fome de amar

RITUAL
Som de tambor
Ervas queimando
Santo Basho!!!

AÇO

O aço da manhã
Queimando a seda das narinas
Lâmina no rosto da tarde
Pálio-cúmulo
Meu cavalo-de-pau perdeu o rumo
Pérola de fogo
Incendiando na sanga
E com esse sangue
Que já não estanca
Descrevo a ânsia
do sol em apuros

José Mauro Batista é jornalista desde 1991, tendo atuado no poder público e na iniciativa privada. Em 29 anos de redação, trabalhou nos principais veículos de comunicação de Santa Maria como repórter de Política e Geral e como editor. É fundador e editor do Paralelo 29.
Please follow and like us:

Comente

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.