Manifesto Estação Cultura de Santa Maria
– Arte, Filosofia e Ciência –
I – A Estação Ferroviária é um bem Federal tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, conexo ao Ministério da Cultura.
II – Delimitado pelos termos do Tombamento, o Convênio de Cessão de Uso firmado entre os Governos Federal e Municipal determina que os seus usos e funções devem priorizar o alento à Memória, à Arte e à Cultura. E a esses condicionantes, o seu eventual, e subsidiário, uso comercial deve ser subordinado.
III – A história da Estação do maior polo da antiga malha ferroviária do estado conjuga arte, cultura, arquitetura, economia solidária e a luta dos trabalhadores por direitos e democracia: livros, revistas e jornais por ela chegavam. Companhias de Arte, variados artistas e intelectuais a transitarem entre Rio de Janeiro/São Paulo e Buenos Aires/Montevideo, aqui aportavam. O Teatro 13 de Maio, bela expressão da riqueza cênica nativa, os recebia. E a “co-inspiração” de tais fluxos entrecruzados produziu a qualidade espiritual e mental que nos elevou à posição de Cidade Cultura, a que, depois, acolheu a Cidade do Conhecimento.
IV – Os tempos são simultâneos, passado, presente e futuro coexistem: Cultura e Conhecimento nos definem. A Vila Belga, o Colégio Manoel Ribas e a Escola de Artes e Ofícios construídos pela Cooperativa dos Ferroviários, os prédios de estilo Art Deco (entre os maiores acervos da América Latina, o primeiro deles edificado logo três anos após o movimento surgir na França), grupos de teatro, escritores, poetas, artistas plásticos, uma trindade de cinemas, e a própria Universidade, tudo nos veio por uma “Serpente de Fogo”.
V – A privatização da RFFSA, por sua vez, trouxe-nos a degradação de quase toda a “Mancha Ferroviária”, com a Estação gravemente afetada por roubos, incêndios e inundações. Em meio a tudo, em 1996, um coletivo de mulheres artistas plásticas, egressas da UFSM, a ocuparam, e de parte dela fizeram um Atelier de Arte, que constela, há vinte e sete anos, uma miríade de encontros, eventos e movimentos culturais e artísticos a comporem uma espiral de “re-existência” que até hoje gira para proteger o que restou.
VI – “Arte na Estação”, “Simpósio Internacional de Escultura”, “Project: Shin Anime Dreamers”, ensaios e apresentações teatrais, performances e intervenções artísticas, saraus poéticos, música, exibição de filmes, exposições; e a restauração de salas, sob as diretrizes do IPHAN, para o Projeto “Centro de Comunicação e Informação da Juventude – CCI”; ações continuadas no presente, com oficinas de Candombe, Festival Afrolatino, Festival Griô, Batalha da Gare, Hip-Hop, Slam, encontro de skatistas, Circo sem Teto, aulas e eventos de Capoeira, poesia e música autoral. Sim, foi a potência espiritual de pensamentos e sentimentos coletivos de artistas e admiradores da arte, o que, de fato e de direito, contra a inação e/ou negligência do poder público, preservou a Estação.
VII – A concebemos não só em si mesma, mas como núcleo de uma esfera histórico-cultural: Gare – Vila Belga – Arquitetura Art Deco – Teatro 13 de Maio – Complexo de Vídeocinema da TV Ovo – Espaço Cultural Vitorio Faccin/Teatro Universitário Independente/Teatro Por Que Não – UFN – Museu 13 de Maio… E, a seu tempo, será ela novamente lugar de chegadas e partidas: de um Trem Turístico, com ramo estendido à Quarta Colônia; e de um metrô de superfície (VLT – Veículo Leve sobre Trilhos) que, a bem do planejamento urbano, conectará as regiões leste e oeste da cidade que cresce.
VIII – A Gare, corpo intenso de belas memórias, em respeito a sua história, nela deveremos realizar a síntese de duas eras entrelaçadas para, assim, trazer à existência nossas potências criadoras, desejos ou memórias de futuro, na forma de um Centro Público de Cultura e Conhecimento, a irradiar Arte, Filosofia e Ciência para o povo, em especial, para a juventude periférica da Cidade.
IX – A gestão e o financiamento da Estação Cultura, defendemos, deverá ser da Prefeitura Municipal, que a poderia utilizar como contraturno das escolas em tempo integral, em conjunto com a UFSM, e também com a UFN, que, propomos, a teriam como um Programa de Extensão (dez por cento obrigatório da carga horária de todos os cursos) para divulgação científica e filosófica, e para a realização de oficinas de música, dança, capoeira, teatro, fotografia, pintura, escultura, audiovisual, design, moda, poesia e literatura.
X – Cultura e memória são premissas para a criação do novo. Cabe à arte desfazer as imagens deste mundo, ir além de suas fronteiras e criar novos territórios. Forçar volver a inteligência (parte ativa da percepção que tende a se perder na matéria) à introspecção, de modo a re-uni-la às forças da natureza de que é parte, e ao instinto (o inventor de fábulas, religiosas, depois artísticas, para contrapesar a soberba utilitária e totalitária da razão se deixada a si mesma), para que o conhecimento intuitivo floresça…
XI – Ultrapassar a condição humana para mergulhar no pensamento infinito do caos, morada das Musas, labirinto de potências em que se extraviam os loucos, e de onde retornam – inspirados por forças-fluxos intensivas da natureza – os sábios e poetas do povo, filósofos, artistas e cientistas com novas formas de pensar, agir, sentir e amar; e, assim, feito videntes a criar eternidade na existência, tramar para que possa devir uma cultura subversiva, feminista, antifascista e contra todas as formas de dominação e discriminação, radicalmente democrática e afirmativa da vida.
Ateliês da Gare e Coletivos Artísticos de Santa Maria.