Home / * PORTAL / * SINA AUTORAL / Lara por MELINA GUTERRES

Lara por MELINA GUTERRES

Era inverno, fim de tarde quando Lara tomou seu chocolate quente sentada na varana da casa da família na serra. As pernas sobre a cadeira a ajudavam a movimentar o balanço com pelego. Nos pés, as botas marrons que adorava.

A neblina escondia um tanto do verde a sua frente mas não tirava a beleza do dia que amanhecia. Poderia ser só mais um dia, mas era domingo, logo chegariam seus primos, tios e toda a família. Seu namorado ainda dormia, era o quarto que apresentava pra família. O sol se abria ao alcance dos seus pés naquele precipício a sua frente. Se fosse um pássaro sobrevoaria aquele lugar sem se cansar. Mas o que estava lhe tirando o sono era aquele pedido para noivar, justo agora que estava encantada com um colega no trabalho. Seis anos de namoro e nunca sentiu algo parecido… Era o ditio frio na espinha, contar as horas para se ver, as trocas de olhares, mensagens, qualquer espécie de contato. Ela sempre foi fiel mas Tobias a fazia sentir-se criança, uma menina na pré-escola vivendo um amor platônico que não se conta nem em papel de carta. Ela estava visivelmente apaixonada e querendo se jogar naquele precipício, voar ao encontro de Tobias, fugir da família e do namorado que desconfiava que a pediria em casamento naquele final de semana. E o que ela diria? Tobias sequer sabia do amor dela, o máximo de ousadia que ela fez foi enviar um coração no whatsapp junto com um boa noite, e ainda assim morrendo de culpa emedo de não ser correspondida, mas ele mandou um coração e um beijo de volta, o que foi um alívio, talvez ele sentisse algo, talvez sentisse o mesmo, talvez só seja educado. Ela não conseguia parar de pensar no dia em que ele chegou atrasado por conta da chuva. Os cabelos molhados caindo sobre seu rosto, a camisa branca e aquele olhar de preocupação. Ela levou prontamente uma toalha de rosto e um café pra ele se aquecer. Na hora do intervalo ele agradeceu enquanto fumavam um cigarro. Ela que pensava em parar de fumar, não via a hora da pausa pra encontrar com ele. Claro que a essas alturas já havia revirado todas as redes sociais dele, canais de busca, ela era praticamente um Google. Ele tinha um filho de 7 anos, estava separado há dois, morava com uma irmã, já tinha vivido 2 anos em Londres, 1 em Barcelona. Nunca se casou mas morou junto 2 vezes na vida, etc. O mais importante é que ele estava solteiro e ela não… ela estava quase noiva, seis pais querendo netos, suas primas fazendo pressão… Só sua melhor amiga sabia daquele sentimento e foi ela que a encorajou a ter a atitude que teve..

Antes de sair em viagem, Lara foi até a mesa dele e deixou um bilhete com um escrito:

– Quer jogar sem tecnologia?

Ele respondeu e jogou em forma de bolha de papel a resposta na mesa dela.

– Qual o nome do jogo?

E assim começaram um provocativo diálogo que acabou com Lara secando os cabelos num quarto de motel.

Isso é o que adoraria ter feito se tivesse escutado os conselhos da amiga. Mas na verdade o único bilhete que deixou pra ele foi o do seu chefe pra ele.

Quando estava pensando em entrar pra dentro de casa e esquecer de vez toda aquela fantasia que só era mais uma das centenas que já imaginara com ele, toca o celular, uma mensagem. Seria ele? Nada, era propaganda da operadora. Toca a segunda, ela não quis ver, entrou, sentou na mesa de almoço já com toda família reunida, aceitou o pedido de noivado, beijou um pensando no outro, brindou com sorriso amarelo e sequer conseguiu fazer amor, se é que ela já tinha feito isso um dia, desconfiava que não.  Desligou o celular, inventou febres e dores de cabeça pra não fazer nada com o noivo naquele feriado que não via a hora de acabar para poder ir trabalhar e ver Tobias. Diziam que ela estava vivendo fortes emoções encorajando o noivo que tentava ser solidário e quanto mais querido ele era, mais ele a irritava, mais ela o desprezava porque ela se sentia mal por não desejá-lo mais e sim a outra pessoa. Ela queria vomitar a verdade, queria vomitar palavras, contar tudo, se livrar daquele peso, culpa… Queria amar sem fazer alguém sofrer, mas ela sabia que precisava escolher…Entre ela só sofrer ou o noivo e a família toda. Foi quando lembrou da frase que criou pra si mesmo na adolescência, de como a fazia de hino. Escreveu ela num papel deixou aliança ao lado, foi até a varanda pensou em voar com os pássaros, ligou o celular, recebeu a mensagem:

– O que vai fazer hoje?

E respondeu com uma pergunta:

– Te ver?

Pegou a chave do carro e partiu porque afinal seu lema sempre foi…

“Sem sentir, não faz sentido”

E seguiu “o rumo do seu próprio coração” como diz o Canto Alegretensse  lá da terra em que nasceu.

 

MELINA GUTERRES é jornalista, roteirista, atriz, diretora. Como repórter trabalhou para veículos como Folha de São Paulo, Estadão e UOL. Como roteirista escreveu “Clandestinos” longa-metragem contemplado no Programa Ibermedia em 2009, selecionado entre 35 países. É roteirista da série de ficção infanto-juvenil “Despertos” com Panda Filmes de Porto Alegre-RS. Escreveu e dirigiu curtas  de ficção e documentário. Foi Jurada no I Festival de Cinema Estudantil – CINEST em Santa Maria-RS. Trabalhou com produção audiovisual desde 2002  e assessoria de comunicação para empresas do RS, RJ, SP.  Foi uma das autoras do projeto “Cinema Comunitário”, contemplado no edital Novos Brasil/OI Futuro, (Rio de Janeiro-RJ), atua na área social desde os 13 anos. É poetisa , blogueira, apaixonada por poesia, cinema, cultura, diversidade. Administra diversos canais online onde reúne mais de 100 mil pessoas. Lançou o site REDE SINA – COMUNICAÇÃO FORA DO PADRÃO em 2016, com intuito de dar voz e proporcionar trocas à diversas pessoas.  Sua poesia “A sorte de um final tranquilo” no livro “Juventudes: Outros Olhares sobre a diversidade” da UNESCO.  Em 2017 inicia curso de interpretação para cinema no Stúdio Fátima Toledo e entra pra ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas. Também tem seu site pessoal: www.melinaguterres.com

Please follow and like us:

Comente

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.