No último final de semana, estive visitando a 26ª Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop) em Santa Maria-RS. Ontem (domingo, 14) a noite fiz uma publicação no meu perfil no facebook onde conto um pouco sobre essa experiência e agora compartilho aqui na Rede Sina com mais informações sobre a Feira.
—
– Você aceita cartão?
– Não… Mas meu colega (um concorrente) aceita. Pode passar com ele que a gente se acerta.
***
– Sabe onde posso carregar o celular?
– Não, mas posso te levar onde tem tomada e gente de confiança.
***
– Tô achando que ficou um pouco grande esse casaco. Não tem espelho?
– Não, mas você pode ir lá até o banheiro que tem. Eu confio em ti.
***
No banheiro (bem distante da banca)
– Tá lindo – diz uma senhora
– Deve ter dado um trabalhão fazer esse casaco – diz outra senhora.
– Ficou muito bem em você – diz uma moça.
***
Essas são apenas algumas situações vivenciadas nos últimos dois dias na 26 Feicoop em Santa Maria-RS. Fiquei me perguntando o que é economia solidaria, o que é cooperativismo. Por mais palavras que encontre no google, notícias e artigos acadêmicos tenho certeza que nunca terão a força da experiência. Presenciei rodas de conversas com jovens outra com moradores em situação de rua. Vi voluntários, descobri que há empresa preocupada com essas pessoas e interessada empregá-las. Vi diversidade de cultura, raças. Vi uma uma família de índios circulando na feira, vi baianas, tambor. Ouvi um rapaz cantar lindamente a história de um povo. Ouvi e recitei poesia. Conheci pessoas, apresentei outras, comi queijo com tomate seco e até acarajé que fazia anos que não comia desde a última vez que estive na Bahia. Fui bem atendida. Vi diversidade, vi gente simples empreendendo, aprendendo, crescendo e sendo solidária uma com as outras. Vi um pouco do Brasil que já vi nas minhas andanças reunido em Santa Maria-RS.
E aos que criticam a irmã Lourdes, organizadora do evento, eu apenas deixo umas perguntas: O que você já fez pelo outro? Você está cercado de gentiliza hoje? As pessoas a sua volta estão crescendo e sendo solidarias umas com as outras? Quantas pessoas você é capaz de mobilizar todos os anos para uma construção que é coletiva?
Quantas dessas respostas você é capaz de dar?
Enfim, dispenso as demais discussões que nos polarizam e durmo grata pela oportunidade de aprendizado e troca de humanidade.
Veja a publicação no facebook:
Melina Guterres (Mel Inquieta) é jornalista, criadora e editora do portal Rede Sina. Mais sobre em: www.melinaguterres.com
***
“A 26ª Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop) foi finalizada no fim da tarde deste domingo (14), em Santa Maria. A organização calcula que 305 mil pessoas prestigiaram a Feira desde quinta-feira (11), primeiro dia de evento. Ano passado, foram 302 mil visitantes.
Estiveram representados nesta edição 3,5 mil empreendimentos organizados em rede, fóruns locais e macrorregionais de Economia Solidária, Fórum Brasileiro de Economia Solidária; entidades públicas e privadas; escolas; Universidades; Institutos Federais, Fundos Solidários; Redes Nacionais e Internacionais de Economia Solidária vindos de 23 países, 26 estados brasileiros, Distrito Federal e 585 municípios do Brasil.
A Feicoop é organizada pelo Projeto Esperança/Cooesperança e Banco da Esperança, braços da Arquidiocese de Santa Maria; Cáritas Brasileira e Cáritas Regional Rio Grande do Sul; Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); e Prefeitura Municipal de Santa Maria, com apoio de diversas entidades e instituições.” Texto Maiquel Rosauro – assessor de imprensa do evento. Informações via site Claudemir Pereira.
***
Confira a Carta da 26ª Feicoop:
“Mobilizados/as em construir estratégias coletivas, participativas e solidárias que contribuam para a “sociedade do bem-viver e por uma ética planetária”, nos reunimos na 26ª FEICOOP, em Santa Maria/Brasil-RS, no período de 11 a 14 de julho de 2019. Somos 305 mil participantes e expositores/as, representantes de 3.500 empreendimentos organizados em rede, Fóruns Locais e Macrorregionais de Economia Solidária; Fórum Brasileiro de Economia Solidária; entidades públicas e privadas; Escolas; Universidades; Institutos Federais, Fundos Solidários; Redes Nacionais e Internacionais de Economia Solidária. Somos mulheres e homens, crianças, jovens, adultos e idosos, vindos/as de 23 países, 26 estados brasileiros e Distrito Federal, 585 municípios do Brasil. Trazemos em nossas bagagens: saberes e conhecimentos construídos no cotidiano do trabalho coletivo, a partir do reconhecimento da diversidade étnico-racial, de gênero, geracional e das formas de organização e resistências presentes em nossos territórios; a sabedoria milenar dos povos tradicionais e originários; experiências de luta em defesa dos direitos humanos e das políticas públicas e propostas para o fortalecimento das iniciativas de economia solidária, da participação popular nas lutas gerais da classe trabalhadora e defesa da democracia. Neste território construímos resistências às diferentes formas de exploração e opressão dos recursos naturais, de todas as formas de vida e das condições dos/as trabalhadores/as do campo e da cidade. Afirmamos que a ofensiva do modo de produção capitalista vem assolando as condições de vida e de trabalho dos/as trabalhadores/as. Não por acaso, as decisões políticas e econômicas, reafirmam a retórica neoliberal de redução de investimentos do Estado, para área social, em favor de interesses privados, que visam a acumulação de lucro, às custas da vida de milhares de pessoas. Essa realidade tem afetado de modo direto os direitos trabalhistas, previdenciários e os sistemas de proteção social em diferentes países da América Latina e põe em xeque o exercício das liberdades democráticas. De modo especial, na realidade brasileira constatamos um conjunto de medidas que violam a dignidade à vida humana e preservação das espécies. Nessa direção está a implementação da Emenda Constitucional nº 95/2016, que repercute diretamente na violação de direitos sociais, especialmente, no campo da saúde e da educação; as reformas trabalhistas e previdenciárias; os processos de precarização e mercantilização da educação pública, o que fere diretamente os direitos firmados na Constituição de 1988. Nesse processo afirmamos o ataque à democracia e a violação do direito de liberdade de expressão e manifestação, expresso com a criminalização das lutas e movimentos sociais, na violência e racismo institucionalizado que põe em risco a vida dos povos indígenas, quilombolas e afro-descendentes, LGBTQ+, pessoas em situação de rua, juventudes, migrantes, camponeses, povo da periferia, entre outros. Igualmente afirmamos a exploração desmedida das elites dominantes, sobre os recursos naturais – bens da humanidade (a água, a terra, o ar, as plantas, as sementes, os minérios e as espécies), em nome da acumulação capitalista. Em consonância com essa lógica um conjunto de políticas são formuladas pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, as quais sinalizam total indiferença frente às necessidades e 2 demandas dos/as trabalhadores/as de modo geral e às pessoas em situação de pobreza extrema cuja sobrevivência encontra-se ameaçada. Esta 26ª FEICOOP oportunizou que várias organizações, entidades, redes de Economia Solidária e comércio justo, Escolas, Universidades, Institutos Federais, Organizações NãoGovernamentais, Incubadoras e Movimentos Sociais realizassem diversas oficinas, seminários, rodas de conversas, audiências públicas, acampamento popular da juventude, caminhada pela paz e organização de espaços coletivos como: Complexo dos Povos – Ubuntu, Tenda da Resistência, José Mariano da Rocha, Bem Viver, Autonomia, Segurança Alimentar e Sustabilidade, que refletiram sobre os mais variados temas como: (1) a drástica redução dos recursos para educação pública, que compromete o investimento em ensino, pesquisa e extensão, manutenção de serviços básicos nas escolas e universidades públicas e institutos federais, com ameaça ao sistema de cotas; (2) o cerceamento do pensamento plural e práticas persecutórias que visam amordaçar educadores e educadoras, inibindo a autonomia e o desenvolvimento de práticas pedagógicas emancipadoras; (3) a construção de práticas pedagógicas de educação popular em escolas de educação básica, EJA, assentamentos, comunidades indígenas, entre outras, com ênfase na metodologia do ver, julgar, agir e celebrar; (4) a defesa da natureza e da vida humana e demais seres vivos; (5) a luta contra a incineração dos resíduos sólidos e os retrocessos em torno das legislações ambientais; (6) o retrocesso quanto a regularização de terras tradicionais dos quilombolas e demarcação de terras dos povos indígenas; (7) o fortalecimento de novas relações humanas que contribuam para a transformação de relações sócio-econômicas e sócio-políticas; (8) as mudanças no processo produtivo e suas implicações na organização e luta da classe trabalhadora, bem como, os impactos da conjuntura atual no vida dos/as trabalhadores/as da economia solidária; (9) a segurança alimentar e os efeitos nocivos quanto ao uso de agrotóxicos, que comprometem a saúde humana, a preservação ambiental e o desenvolvimento diversificado das culturas; (10) a experiências e perspectivas da participação e protagonismo das mulheres e da juventude na construção da economia solidária; (11) o Projeto de Lei (PL 137/2017) que trata da Política Nacional de Economia Solidária, em debate no Senado; (12) a organização e mobilização da Ecosol, da VI Plenária Nacional de Economia Solidária e a participação no Fórum Mundial das Economias Transformadoras, que será realizado em Barcelona em abril de 2020; (13) o atual modelo de gestão do Estado e da sua relação com a sociedade, que desconsidera os direitos assegurados na Constituição Federal e a participação popular (por meio da extinção de conselhos de direitos e políticas públicas, entre outras formas); (14) a questão mineral no Brasil e como ela está se configurando no estado do RS, com o mapeamento dos projetos de mineração; das iniciativas e ações da articulação política envolvendo parlamentares e organizações da sociedade civil, especialmente, da região metropolitana de Porto Alegre, por conta do projeto Mina Guaíba e também da região carbonífera; e as características e riscos da atividade mineradora, que geram trabalhos precarizados e temporários, deixam comunidades inteiras deslocadas, crimes ambientais e mortes, e após a extração do minério a herança de um território cheio de buracos, com resíduos acumulados (rejeitos), com trabalhadores adoecidos e com a economia local destruída; (15) a celebração do primeiro ano do Jornal Brasil de Fato RS “uma visão popular do Brasil e do mundo”. No processo de construção da sociedade do bem-viver recordamos a luta dos “semeadores/as de esperança” como Dom Ivo Lorscheiter, Prof. Paul Singer, Paulo Dellagerisi, Ademar Bertucci e Humberto Gabbi Zanatta e num momento reflexivo, motivado com música de autoria de Zanata reafirmamos o compromisso com uma sociedade verdadeiramente livre, solidária e democrática. Com essa motivação a 26ª FEICOOP, reafirma um conjunto de propostas e compromissos a serem assumidos em nossos grupos, associações, instituições, comunidades, redes, com a participação ativa de instituições públicas e da sociedade organizada defensora dos princípios da Economia Solidária: (1) compromisso com o fortalecimento da economia solidária e das políticas públicas, com participação popular; (2) incidência da participação popular, na defesa de direitos e construção de políticas públicas como estratégia para a construção da democracia e para o 3 aperfeiçoamento do próprio estado; (3) fortalecimento de iniciativas voltadas a Moeda Social e Bancos Comunitários como dinamizadores do desenvolvimento local; (4) incentivo à educação popular em economia solidária, na área da educação básica e ensino superior; (5) construção de uma narrativa comum entre as diferentes práticas econômicas contra hegemônicas – economia feminista, economia solidária, economia dos comuns, agroecologia e soberania alimentar dentre outros – como propõe o Fórum Mundial das Economias Transformadoras; (6) articulação dos movimentos sociais e comunidade escolar na luta pelo Fundo Nacional da Educação Básica (FUNDEB); (7) defesa da Educação Pública, em todos os níveis, e acesso da juventude dos segmentos populares; (8) articulação de lutas comuns e pautas coletivas, a partir da valorização das particularidades de cada movimento e organização social; (9) incentivo às trocas solidárias de produtos, maior divulgação das feiras agroecológicas e criação de grupos de amigos da feira; (10) criação e socialização de socializar ferramentas vinculada a tecnologia da informação para melhor divulgação das ações da economia solidária; (11) incentivo a organização do CADSOL como estratégia de fortalecimento do movimento e ferramenta para garantia de Políticas Públicas; (12) fortalecimento do protagonismo da juventude e das mulheres, no movimento de economia solidária; (13) incentivo ao fortalecimento do Grupo de Trabalho sobre o artesanato Ecosol; (14) fortalecimento de ações voltadas ao Programa Nacional de diversificação em áreas cultivadas com Tabaco, visando a garantia de direitos humanos e proteção integral das famílias produtoras de fumo além da recuperação de áreas degradadas; (15) incentivo às redes de comercialização e sua participação na luta por políticas públicas, construindo estratégias para superar dificuldades como: compatibilização de diferentes áreas produtivas, logística, articulação campo e cidade e formação com a participação de novas lideranças; (16) fomento à participação dos diferentes coletivos e experiências de economia solidária que não estão presentes nos Fóruns; (17) organização de um processo ampliado de discussão e preparação para a VI Plenária de Economia Solidária; (18) compromisso com o consumo ético solidário; (19) divulgação e fortalecimento do Comitê contra a Mega Mineração, ampliando o debate sobre o tema, principalmente, com a população dos municípios que serão atingidos; (20) fortalecimento da Campanha Permanente – Todos somos FEICOOP! e com a realização da 27ª FEICOOP em 2020. Em tempos de naturalização da pobreza, da violência e racismo institucional, do conservadorismo e do uso desmedido das redes sociais para criminalização dos movimentos e organizações dos/as trabalhadores/as, ousamos refletir sobre a mensagem do Papa Francisco: “Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. Todos nós nascemos para ajudar uns aos outros. Não importa quão difícil seja…A vida é boa quando você está feliz; mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa” e, solidariamente, queremos afirmar que NOSSA ESCOLHA É A RESISTÊNCIA, NOSSA ESCOLHA É A ORGANIZAÇÃO, NOSSA ESCOLHA É A GLOBALIZAÇÃO DA SOLIDARIEDADE! Santa Maria-RS/Brasil, 14 de julho de 2019”