“Quando eu falo estou deixando de ser homem, não significa que eu tenha atingido um nível completo de ”não machismo” nas minhas ações. Infelizmente essa (porcaria) está tão impregnada na nossa cultura que ainda levaremos alguns anos ou décadas para desconstruir – atear fogo – e reerguer algo belo no lugar”
Amigos e amigas, eu convido vocês para lerem algo muito importante que vou revelar.
O que estou abrindo aqui esteve preso em mim por 29 anos e é algo que talvez nem todos vocês irão entender. Mas eu peço, de coração, que vocês tenham coragem de ao menos refletirem sobre o que irei contar.
O que acontece é que, de fato, estou deixando ser homem.
É claro que isso não ocorreu de uma hora para outra, foi um processo que teve início ainda na minha infância e prosseguirá por longos anos.
Para resumir esta história, eu vou abrir a vocês algumas situações que ocorreram até agora na minha vida, e que me fizeram chegar a esta conclusão. Realmente estou deixando de ser homem.
As afirmações que transcrevo a seguir estão no tempo passado, não porque já deixei de ser homem por completo, mas apenas para localizar e pontuar momentos que foram definitivos para eu me sentir ”menos homem”.
……….
Eu deixei de ser homem quando na escola, com apenas doze anos de idade, me falaram que eu era obrigado a beijar todas as meninas que demonstrassem interesse em mim. A explicação para isso é que sendo homem, eu nunca poderia dizer ”não” a uma menina.
Eu deixei de ser homem quando optava por jogar vôlei em vez futebol, durante a educação física escolar. E mesmo quando eu queria jogar futebol, se não demostrasse habilidade e força, logo, deixaria de ser homem da mesma maneira.
Eu deixei de ser homem, acreditem, quando descobri na adolescência que eu tinha menos pelos pubianos do que os meus colegas. Eles falavam que o ”verdadeiro” homem deveria ter muitos pelos por todo o corpo.
Eu deixei de ser homem quando optei por não acertar um soco no rosto de um colega meu, simplesmente porque ele havia me ofendido com algumas palavras.
Descobri que ser forte e violento é algo inerente aos que possuem órgão genital masculino entre as pernas.
Eu deixei de ser homem quando me neguei a tomar um ”porre” só porque havia atingido a maioridade. Todos me diziam que a bebida alcoólica estava diretamente ligada a questões da masculinidade pulsante.
Eu deixei de ser homem quando comecei a namorar e me neguei a trair a minha namorada. Sobre isso me contaram que todos os homens traem e é algo absolutamente normal. Ao questionar os meus amigos se eles achavam justo que as suas namoradas fizessem o mesmo, a resposta era um implacável Não!
A questão aqui não era sobre ter um relacionamento aberto, mas sim, homens podem pular a cerca a mulheres não. Simples assim.
Eu deixei de ser homem quando andava na rua e não achava certo ficar ”mexendo” com as meninas, proferindo palavras pejorativas e de cunho sexual. Todos diziam que isso era apenas um elogio e que as meninas, na verdade, gostam. A única ressalva para não fazer isso sem perder a masculinidade, diziam eles, era no caso de você encontrar a ”mulher de alguém” na rua.
Eu deixei de ser homem quando eu descobri que dentro do meu peito brotam muitos sentimentos e que a complexidade das minhas emoções, por vezes, me faziam chorar. O que eu escutava sobre isso talvez seja a frase mais clássica atribuída ao macho alfa ideal: homem não chora!
Eu deixei de ser homem, também, quando brochei pela primeira vez. Mas isso eu nunca contei e nunca vou contar para ninguém, afinal, homem de verdade é aquele que está sempre ”pronto” e é dotado de uma infalível virilidade. Portanto, isso nunca aconteceu comigo, ok!?
Eu deixei e ser homem por perceber que eu não me encaixo nestes e em vários outros aspectos que estão relacionados a um padrão – nocivo e adoecido – de masculinidade.
Vale ressaltar que todas as vezes que eu escutei algo ligado a ”deixar de ser homem”, significava que eu me tornaria um ser inferior ao homem, ou seja, sou reduzido a classe dos ”gays e das mulherzinhas”.
Isso me fez perceber que o machismo é primo irmão da homofobia e por não suportar mais violentar e ser violentado, resolvi assumir que não sou mais homem. Ou melhor, que não quero mais ser esse tipo de homem.
O que eu quero dizer, e vocês já devem ter percebido, é que este homem construído e padronizado pela cultura patriarcal já não me serve mais.
E quando eu falo estou deixando de ser homem, não significa que eu tenha atingido um nível completo de ”não machismo” nas minhas ações. Infelizmente essa (porcaria) está tão impregnada na nossa cultura que ainda levaremos alguns anos ou décadas para desconstruir – atear fogo – e reerguer algo belo no lugar.
Mas eu acredito que isso é possível e que um novo homem está surgindo. Acredito que nós iremos fazer isso juntos, com abertura, diálogo, rodas de conversa e muito esforço, sim!
Afinal, ser o tipo ”comum” de homem numa sociedade machista é sinal de muitos privilégios. Mas ocorre que estes privilégios são uma armadilha que segrega a nossa cultura e, no fim das contas, não faz bem nem para os homens.
Eu estou deixando de ser homem e vocês?
GILVAN RIBEIRO
Sou o pai da Clara, graduando em Jornalismo e atleta Olímpico Rio 2016. Amante da filosofia, psicologia, literatura e café preto – sem açúcar, por favor. Vivo a lutar contra a normose e tudo aquilo que me afasta do Ser. Não possuo nada além de sonhos e os realizo sempre que a natureza permite.