O dia estava bonito.
O sol brilhava suavemente e o campo parecia mais verde que o normal.
Mas ele, sentado na frondosa sombra de um ipê roxo, estava alheio a tudo e a todos, imerso em moribundos pensamentos, remoendo dores e culpas que, de tão intensas, já nem lembrava mais de onde exatamente elas se originaram, apenas aceitava que elas existiam e, naquele momento, somente elas eram reais e verdadeiras, enquanto tudo o resto, era apenas…
O dia estava bonito.
O sol brilhava suavemente e o campo parecia mais verde que o normal.
Mas ele, sentado na frondosa sombra de um ipê roxo, estava alheio a tudo e a todos, imerso em moribundos pensamentos, remoendo dores e culpas que, de tão intensas, já nem lembrava mais de onde exatamente elas se originaram, apenas aceitava que elas existiam e, naquele momento, somente elas eram reais e verdadeiras, enquanto tudo o resto, era apenas uma imagem borrada nos sentidos da vida.
Em, em seus devaneios, ele lembrou da canção que dizia “Alguns dias é mais fácil sorrir, mas este não é um daqueles dias” e, sentado soberano no pilar de tal ideia, entristeceu-se ainda mais, pois às vezes não basta estar triste, é preciso sentir-se miserável, destroçado, aniquilado.
Enquanto isto, uma borboleta que voava esbelta e colorida em seu desritmado movimento, pousou na mão do moribundo.
Algum tempo passou até que ele se deu conta daquela inusitada presença e, como se tivesse num mundo onírico, olhou para a borboleta e, num suspiro pesado, falou:
– “Feliz é você animalzinho, que não precisa viver as confusões, os sofrimentos, os conflitos e as decepções de uma existência humana. És livre para voar e, ao fazê-lo, sua alegria se torna natural”.
“Essa é apenas uma interpretação da vida, entre muitas outras” respondeu calmamente a borboleta.
Ao ouvir aquilo, o susto foi tão grande que, como um gato, em milésimos de segundos ele estava em pé e o corpo todo eriçado, enquanto fitava intimidado toda aquela cena.
Mas, imediatamente, a borboleta continuou “Não se assuste meu amigo, a conversa parece ser estranha, mas o assunto é necessário. Sente-se, por favor”.
Ao que ele, meio que receoso, o fez. E, novamente, a borboleta aterrissou em sua mão.
E, sem pestanejar, ela incisivamente falou, “Você não está triste, você está distraído da vida que te cerca, alienado daquilo que é importante e esquecido do que é essencial”.
Ele, perplexo e desconfiado, meio que resignado, respondeu “É fácil falar assim pois você não está no meu lugar, não tem os meus problemas e não padece de minhas angústias”.
Ela, sem pestanejar, disse “Isso é verdade, pois somente você percebe seus pesares. Mas, por outro lado, também sei de outras coisas que você está esquecido”.
“A é” retrucou ele, com um tom de escárnio e provocador.
“Sim, é”, disse ela sorridente. E continuou “Por exemplo, diga-me qual o esforço você faz para que o teu coração bata ininterruptamente no teu corpo?”
“Nenhum”
“e para que teus olhos enxerguem, teus ouvidos ouçam, teu corpo sinta, teu nariz cheire e tua boca saboreie”
“Nenhum”- disse ele agora um pouco mais triste.
“e para que os teus sistemas circulatório, respiratório, nervoso, endócrino, muscular, digestivo funcionem, qual a tua participação nessa empreitada?
Desta vez, ele nem respondeu, apenas olhou para o horizonte, como que desejando fugir daquele lugar e daquela conversa.
Mas a borboleta não se deu por vencida e, aproveitando a ocasião, continuou “E o sol que abrilhanta estas paragens, o oxigênio que vitaliza teus pulmões, a água que hidrata o teu corpo e a gravidade que te mantém no solo, qual o teu empenho nestas atividades?
“A seguindo nesta reveladora viagem, o giro do planeta em seu próprio eixo e sua sincronizada órbita ao redor do astro-rei, os rios, as plantas que alimentam o teu corpo, as montanhas, os animais, as nuvens que trazem as chuvas, as noites que descansam a paisagem e milhares de outros irrefutáveis sistemas, processos e movimentos que permitem que você esteja aqui neste determinado momento, que esforço você faz para que eles existam?.
“O que você está querendo me dizer? O que você quer provar com tudo isso?” Retrucou ele, agora com mais ânimo em suas veias, pois era nítido o ímpeto de provocação.
Ela, sensível ao momento, apenas respondeu “Minha intenção não é provar nada, pois tudo isto que falei é evidente e independente de mim para se manifestar, apenas desejo compartilhar para que você possa refletir sobre estes pontos e, oxalá, despertar desta letárgica apatia que ora aflige teus pensamentos e corrói teus sentimentos”.
“e como você acha que isto pode me ajudar?” – Num tom menos desafiante e mais curioso, ele perguntou
“Ora, se tudo isto existe para que você possa viver, no mínimo, o sentimento de gratidão deveria ser uma sensação perene na tua vida, certo?”. E, sem deixá-lo contestar, ela continuou “E, ao estar alerta e consciente para os presentes da vida, inevitavelmente, você deveria se perguntar, se tudo isto me é dado, o que eu estou dando em retorno para a vida? Será que estou cumprindo com meu papel no esquema do universo? Será que estou manifestando todo o meu potencial? Será que estou vivendo a plenitude desta existência? Será que, como a natureza floresce em seu ciclo, estou também deixando florir as belezas de minha essência? Será que, como a luz do sol ilumina o planeta, estou com meus os sentidos abertos para não apenas perceber mas também para iluminar o caminho por onde ando?.”
E, apesar de estar repleta de outras interessantes questões existenciais, antes de fazer outra pergunta, ela resolver calar-se e, por um longo tempo, ambos ficaram se olhando e, naquele silente e intenso intercâmbio, ela notou primeiro lágrimas correndo vorazmente pelo rosto dele, depois um brilho intenso emanou daqueles pequenos sóis e, finalmente, entre soluços de um choro que chegava ao seu fim, um amplo sorriso abriu-se em sua feição, seguido por uma honesta, vívidas e sedutora expressão “Obrigado” disse ele à borboleta que, quase no mesmo momento, já batia suas asas num voo que tinha a mesma leveza e o mesmo aparente descompasso de antes.
Enquanto isto, agora inundado por uma sensação imensurável e indescritível de agradecimento, seus olhos viam outra paisagem, seu corpo sentia outra existência e seus pensamentos, aahh seus pensamentos, levantaram voo e, lá de cima, como numa tela de cinema ele viu pessoas, sorrisos, beijos, carícias, música, danças, movimentos, celebrações, abraços, cuidados e tantas outras visões de um mundo mais alegre, mais humano, mais amoroso e mais doce.
E, imerso na nova imagem da vida, ainda sentado sob a sombra do mesmo ipê roxo, ele também se lembrou daquela curiosa borboleta que havia destruído seu horrendo pesadelo e o havia despertado para a magia do viver, com toda a sua complexidade, com toda a sua imensidade, mas principalmente com toda a sua formosura.
PS: Para citar este Pensamento:
Cargnin dos Santos, Tadany. Ele, a Borboleta e a Vida.
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