Uma crônica de Emir Rossoni
Coluna de estreia / publicações mensais
A história é sempre a mesma. Inicialmente reúnem-se dois, três, quatro homens de bem. Depois colocam as armas, três ou quatro espingardas, cinco cachorros treinados, redes pesca num carro grande ou camionete. Depois dizem que não sabem que horas voltarão.
A lógica mostra que sempre voltam. Dois, três, quatro homens de bem. Três ou quatro espingardas, cinco cachorros treinados que depois de velhos serão abandonados na mata, redes de pesca. Um tatu com algumas formigas a entrar e sair pela boca. Uma lebre com marca de tiro no pescoço e sem parte da cabeça. Outra lebre sem a parte traseira com sinal de mordidas de cães. Um veado. Sim, um veado já esquartejado e acondicionado em uma caixa de plástico. Treze traíras, nove bagres machos, quatro bagres cheios de ovas, um ratão do banhado. Dois jacus depenados.
E nenhum fiscal do IBAMA.
E nenhuma barreira nas estradas.
A história é sempre a mesma. Repete-se na maioria das rodovias vicinais. Inicialmente, ninguém tem porte de arma, nenhuma arma tem registro. E nenhum envolvido é notificado.
É só perguntar nas calçadas. Todos terão boas histórias de caçador pra contar. É só bater nas portas. Todos terão uma, ou duas, ou mais armas e munições. É só abrir o freezer. O estoque de animais silvestres é superior ao das matas vizinhas.
E nenhum fiscal do IBAMA.
A história é sempre a mesma. Onde há falta de consciência, deveria haver excesso de fiscalização. Mas parece que por aqui todos andam de mãos dadas. Menos os tatus, as lebres, os veados, as seriemas, os jacus, os bagres cujo único destino é o freezer de quem apenas quer se divertir nos finais de semana dando uns tiros em tatus, lebres, veados, seriemas, jacus e tudo que se mover em frente. Espero que nem eu e nem você se mexa enquanto esses partifórios estejam andando por aí. Talvez seja melhor parar de frequentar locais ao ar livre, ou deixar de aproveitar a natureza. Primeiro, porque em breve não haverá animal nenhum para observar. Segundo, porque poderemos ser o alvo da vez. Quiçá devamos ficar em casa. Ou, então, passar a denunciar.
Emir Rossoni
É autor de “Caixa de Guardar Vontades” (vencedor do Prêmio Açorianos de Literatura e do Prêmio Guarulhos de Literatura de Livro do Ano em 2019), “Domanda Nísio” (vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura em 2018 e do Prêmio Bunkyo em 2020), e “Erros, Errantes e Afins” (Prêmio CEPE de Literatura 2020). Ministra desde 2016 a oficina literária “As duas histórias do conto” e o curso “Escrevendo sem Inspiração”.