Quando li a notícia da ofensiva de Bolsonaro a primeira dama da França, Brigitte Macron, fui tomada mais uma vez por um sentimento de repulsa a ele e ao seu governo. Mas dessa vez senti tanta vergonha que meu desejo como mulher e cidadã brasileira é de pedir diariamente desculpas a ela, ao Macron, aos franceses e todas as pessoas de bem que se sentiram ofendidas por tamanho desrespeito.
Meu segundo pensamento foi: O que pensarão eles de nós? Que somos todos como Bolsonaro?
Me recordei do ano passado, de estar atordoada com tantas fakes news, com discursos vazios e de ódio, da necessidade de fazer algo e começar mais uma vez reunir amigos dos mais diversos estados, crenças e partidos afim de aumentar a publicação e alcance das notícias verdadeiras através dos canais que administro,
do desespero de ver todo dia um Brasil cego que insistia em boicotar a verdade, de estar consumindo mais informação via whats app de fontes não seguras e compartilhando conteúdo sem sequer verificar se a informação era séria, de perceber a gigantesca falta de leitura e discernimento até mesmo entre os mais graduados doutores.
De artistas, estudantes, profissionais irem as ruas trocar bolo por conversa, vi tanta gente sair da própria casa, bolha, quadrado, olhar o outro, ouvir o outro, tentar uma troca qualquer possível. E fomos às ruas, vestimos camisetas, usamos a hastags e gritamos #elenao tantas vezes. Entre amigos, gravei um documentário com tablet nas manifestações do dia 29 de setembro de 2018 no Rio de Janeiro, editamos às pressas em menos de dois dias e compartilhamos centenas de vezes. Também vi minha imagem e indignação junto de outras mulheres exposta em uma fotografia que se espalhou por jornais do mundo todo.
Nosso pequeno grupo de pessoas indignadas conseguiu alcançar milhares de outras pessoas e sem qualquer recurso que não o próprio tempo e a vontade de evitar o Brasil que estamos vendo hoje. Mas não foi possível, por dias passamos em silêncio, deprimidos por viver em um país que elegeu Bolsonaro.
Querida Briggite, infelizmente a ofensa às mulheres aqui no Brasil é diária. Estamos entre os países que possuem os maiores números de feminicídio no mundo. Macron, as queimadas e a Amazônia também são o reflexo de uma cultura que ainda pouco conhece ou valoriza práticas sustentáveis, de um povo que precisa aprender a cuidar de si. Compartilho com vocês uma memória… Certa vez estava no interior do Pará onde via a mata ser queimada. Estava indignada, fotografando tudo. Na estrada paramos para dar carona a uma senhora que nos relatou sua história. Ela passou meses aguardando a promessa de máquinas para arar a terra feitas por um prefeito. As máquinas nunca chegaram, a época de queimadas (sim no Pará é em meados de setembro) já estava passando e ela que não tinha queimado a terra para fazer pasto, chorava por que não sabia como sobreviver.
Além de apagarmos o fogo, reflorestarmos as florestas, precisamos de políticas que ajude, ensine, estimule a população destas regiões a buscarem alternativas sustentáveis de sobrevivência sem agredir o meio ambiente. Precisamos de uma cultura que ensine a respeitar as mulheres e estimule os homens a serem mais sensíveis.
Certo dia, uma amiga e colaboradora muito desanimada com todos absurdos que vemos acontecendo no Brasil me questionou o que a gente faria agora. Eu que estava profundamente desanimada também não sabia o que dizer. Mas então me veio uma imagem em mente: um enxame de abelhas. E lhe disse:
Amiga, nós somos apenas duas abelhinhas tentando fazer o mel. E nós vamos morrer tentando fazer o mel simplesmente porque essa é a nossa natureza.
E tenho certeza que é a mesma natureza dos milhares de brasileiras e brasileiros que fizeram as hastags #DesculpaBrigitte e #PardonBrigitte chegarem ao topo no twitter.
Desculpa Brigitte pelas ofensas do nosso presidente,
Pode ter certeza que todas as mulheres envergonhadas do nosso Brasil vão morrer tentando fazer um país mais humano e doce.
Leia algumas notícias sobre o caso:
G1: ‘Muito obrigada’: Brigitte Macron agradece, em português, a mensagens de apoio de brasileiros
CARTA CAPITAL: Movimento #DesculpaBrigitte emociona primeira-dama francesa
FOLHA DE SÃO PAULO: Bolsonaro apaga comentário ofensivo à primeira-dama francesa
BBC BRASIL: De Amazônia a ofensa a esposa, as frases da escalada de tensão entre Bolsonaro e Macron
Mel Inquieta (Melina Guterres)
Criadora e editora da Rede Sina, fan pages As mulheres que Dizem Não, Luta pela Democracia, Salve Índios. É jornalista já produziu conteúdo para Revista Istoé, Folha de São Paulo, Estadão, Uol. É roteirista associada a Abra – Associação Brasileira de Autores Roteiristas a qual colabora eventualmente com conteúdo. Já foi contemplada no Programa Ibermedia por argumento de longa-metragem. Mais sobre em: www.melinaguterres.com