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“Cartas para a minha mãe” por Vitor Biasoli

Cartas para a minha mãe

Dia desses, na livraria, fui fisgado por uma frase de um pequeno
livro da autora cubana Teresa Cárdenas: “Mamãe, a coluna me dói toda.
Vovó me espancou como se fazia com os escravos”.

Não sabia da existência da autora, nascida em 1970, e famosa em
Cuba e em diversos países, em grande parte devido ao fato de dar
expressão literária a pessoas negras, descendentes de escravos e geralmente
pouco destacadas na sociedade e na literatura. Mas certamente também
famosa devido ao seu talento literário. A autora esteve, na Festa Literária de
Paraty, em 2022, e reconheceu, em entrevista, o valor de escritoras negras
brasileiras na sua formação, como, por exemplo, Maria Carolina de Jesus e Conceição
Evaristo.

Sem essas informações, adquiri o livro e o li na mesma noite (108
páginas), conquistado pela sua singela. Não sabia que era uma obra
indicada para público juvenil. Não encontrara nenhuma indicação, nesse
sentido, no volume nas minhas mãos.

No romance intitulado “Cartas para a minha mãe”, uma menina de
10 anos de idade escreve cartas para a sua mãe morta. Ela mora, na casa da
tia, com duas primas e não é bem tratada por nenhuma das três, nem pela
vó, moradora em uma casinha próxima, que a espanca com regularidade, com
galhos e pedaços de pau. Em casa, é chamada de “beiçuda”, devido aos
seus lábios grossos. Na escola, é considerada “a mais preta da sala”. Ela
afirma não ter nenhum problema com a sua negritude, mas se incomoda
com a visão depreciativa que os outros têm a seu respeito.

Ao longo do texto, por intermédio da narrativa simples da menina,
podemos reconstituir todo o seu drama: a mãe morta, o pai desaparecido, o
desprezo da tia e da avó.

Do meu ponto de vista, em uma leitura muito pessoal, interessa-me o
destino das crianças surradas. No caso, além dessa dor, fica claro o modo
como a menina vai assimilando essa violência e até compreendendo os
motivos para que seja exercida sobre o seu corpo. Motivos que não
justificam, claro, mas que esclarecem as razões de quem pratica a violência.

Quem bate, bate por quê?, fico me perguntando. E a menina
esclarece isso nas suas cartas à mãe morta.

Um primor de narrativa. E acredito não ser necessário ser jovem para
apreciar a beleza do texto. Boa literatura juvenil, no meu entendimento, é
para ser apreciada por leitores de todas as idades.

 

VITOR BIASOLI

Nasceu em Pelotas (1955) e vive em Santa Maria desde 1991. Formou-se em História (UFRGS, 1977), fez mestrado em Letras (PUCRS, 1993) e doutorado em História Social (USP, 2005). Lecionou em escolas do Ensino Fundamental e Médio (1978-1991) até ingressar na Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente está aposentado. Publicou livros acadêmicos e literários, entre eles: Jorge encontra Lilian (novela juvenil, 1998), Calibre 22 (poemas, 1999), Uísque sem gelo (contos, 2007), Santa Maria: ontem & hoje (crônicas, 2010), O fundo escuro da hora (contos, 2018), Paisagem marinha (poemas, 2021) e Itália, trilhos e café: histórias da família Biasoli (crônicas, 2022). Pertence ao grupo de escritores da “Turma do Café” e é colunista da Rede Sina.
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