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BAÚ NO SÓTÃO | A inutilidade da Literatura

Por Menalton Braff

A palestra era para um público heterogêneo e o assunto era a linguagem literária. A certa altura, querendo exemplificar (o que sempre dá uma melhorada nos conceitos mais abstratos), parodiei um poema:

“Certa mulher declara que nem se deu conta do envelhecimento e está perplexa por não se reconhecer, como conseqüência das mudanças causadas pela passagem do tempo.”

Em seguida li, da Cecília Meireles,

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,

nem estes olhos tão vazios

nem o lábio amargo.

 

Eu não tinha estas mãos sem força,

tão paradas e frias e mortas;

eu não tinha este coração

que nem se mostra.

 

Eu não dei por esta mudança,

tão simples, tão certa, tão fácil:

– Em que espelho ficou perdida

a minha face?

 

Surpreso, ao perguntar qual dos dois textos o público preferia, ouvi uma senhora dizer que preferia o primeiro, porque era mais direto, mais claro e ela o entendia melhor.

Confesso que passei alguns segundos na angústia de não ter o que responder, atordoado com a surpresa. O inesperado sempre nos desmonta um pouco.

Duas considerações: A mulher, do primeiro texto, não existe, era uma invenção minha. Portanto, a informação não informa nada. Mas não é literário e não é a informação que se busca na literatura. O primeiro texto está escrito em linguagem de domínio social, comum a todos, sem nada de original, sem marca nenhuma de autoria. O segundo texto explora toda a virtualidade das palavras: a sonoridade, as combinações inusitadas, a interação entre elas que as potencializa. O segundo texto, por seus arranjos e combinações, pelo eco, pela delicadeza no modo de falar de sentimentos mais concretos, por tudo isso, é um texto que não serve para informar, mas para encantar.

Quem busca informação na literatura, ainda não busca a literatura. Ela até pode eventualmente informar, mas não é sua especificidade. Como explicar aquele homem voando, no conto do Gabo, a quem pensa que literatura é instrumento de informação?

Enterrados em sua circunstância material, nem todos se encantam com a beleza.

 

COLUNA: BAÚ DO SÓTÃO

Menalton Braff nasceu em Taquara (RS) e radicou-se em São Paulo (Capital e interior) Formado em Letras, com pós lato sensu exerceu o magistério superior antes de mudar-se  para o interior onde se dedicou ao ensino médio. Tem 27 livros publicados, sendo nove infantojuvenis e catorze de literatura geral (contos e romances). Conquistou o Jabuti, livro do ano em 2000, com À sombra do cipreste, foi finalista da Jornada de Passo Fundo em 2003, finalista do Jabuti (contos) em 2007 e finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura (romance) em 2008. Pela Editora Reformatório teve publicados Amor passageiro (coletânea de contos) e Além do rio dos Sinos (romance), livro com que conquistou o Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional.  

 

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