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As dores e a redenção, por Damaris Maria Curtarelli Zanette

Quando criança, dizia que uma das profissões que gostaria de seguir seria a de escritora. Durante minha vida tive facilidade em escrever, mas não segui a profissão. Há muito tempo, penso em escrever sobre experiências da minha vida com os objetivos de ajudar pessoas que passam por algo parecido e para me curar.

Acredito que a vida seja sobre aprender e evoluir como seres humanos, mas muitas vezes demorei muito a entender o que acontece comigo e o que devo aprender com esses eventos. Há cerca de dois anos, recebi o diagnóstico de uma neoplasia pancreática: tumor sólido cístico de Frantz. Um tumor raro que se forma na maioria das vezes em mulheres jovens (apesar de eu não ser assim tão jovem) e que é maligno, mas se comporta como benigno. O meu primeiro diagnóstico foi colelitíase (cálculo biliar) em maio, e depois de muitas dores e do terceiro exame de ultrassonografia abdominal, foi encontrada a dita massa. Inúmeros exames laboratoriais, ressonância magnética, tomografia computadorizada, mais uma ressonância e o diagnóstico.

Sentimentos conflitantes: surpresa, aceitação, dois dias de raiva, depois da aceitação e as perguntas: Por que comigo? Por que no pâncreas? Por que algo raro? A ressecção do tumor vai curar a doença? Vou sentir muita dor? Vou ter uma vida “normal” após retirar o baço, 2/3 do pâncreas e a vesícula biliar, vou desenvolver diabetes? O IPERGS vai autorizar a cirurgia? Como vai ser ficar na UTI? Quanto vai custar? Meu seguro de vida está em dia?

Algumas respostas: raras, porque tudo que me acontece é forte e marcante, como meu transtorno depressivo maior resistente à medicação, que só está sob controle devido a uma medicação (cloridrato de escetamina nasal), a qual faço desde 2017 como voluntária de uma pesquisa clínica (bendita pesquisa!). Essa doença, transtorno mental, tirou muitas coisas da minha vida, mas o que mais pesou foi com certeza a minha profissão: EU AMAVA SER PROFESSORA!

Quero compartilhar como foi a minha trajetória, na escola, e de como as atitudes dos meus colegas e “amigos” afetaram a minha vida para sempre. Acho todo transtorno mental extremamente cruel, já que é muito difícil entender e explicar dores que não aparecem fisicamente, mas são muito incapacitantes. Sempre fui muito sensível. Sentia demais, pelo menos, na minha visão, mais do que os outros. A tristeza, os problemas dos outros doíam em mim. Tentava resolver seus problemas, procurava compreender suas ações, colocava-me em seus lugares. Empatia que se transformava em sofrimento. Procurava dar sempre o meu melhor, exigia de mim excelência, que beirava o perfeccionismo. Talvez por minha criação (nunca era boa o suficiente, não fazia o suficiente, errava com frequência, tudo era pecado). Sei que deram o melhor que podiam, pois reproduziam sua educação. Isso tudo, exacerbado pela morte de meu pai quando eu era criança. Pessoa que me mimava, comprava gibis, pegava em minha mão para me ensinar, que dizia que eu precisava estudar. Perdê-lo quando eu tinha 7 anos mudou minha vida e moldou quem eu sou.

Assim, minha mãe apoiou-se em mim e meio que me colocou no lugar de meu pai. Não fui poupada dos problemas, das tomadas de decisões, mesmo sendo uma criança. Sei que minha mãe fez o melhor que pode naquelas circunstâncias, mas a carga foi pesadíssima para mim. Escrevo sobre isso para justificar, talvez, minha hipersensibilidade e meu constante estado de alerta.

Em 2008, comecei tratamento psiquiátrico, visto que os tratamentos com clínicos gerais não surtiam efeito. Estabilidade por um tempo. Em 2011, conquistamos, na escola, o AEE (Atendimento Educacional Especializado), com atendimento em Sala de recursos. Fiz cursos, em 2006 e 2007, em Passo Fundo/RS e desde então busquei por essa implantação. Aí foi o marco do início do verdadeiro inferno que minha vida profissional se tornou. Não me foi dada a oportunidade de explicar para os colegas o que era e como funcionava a Sala de recursos, embora tenha pedido inúmeras vezes à direção da escola que isso acontecesse. Disse que faria o material para a explicação. O assunto era desconversar ou negado. A situação ficou muito ruim. Meus colegas negavam-se a fazer os pareceres, queriam por toda força que eu atendesse os alunos durante o turno que estudavam, que alfabetizasse os alunos. Tentei explicar várias vezes e tudo só piorava, principalmente porque eu recebia mais do que meus colegas. Foi um inferno. Lutei contra. Tentei explicar. Mas, para ser específica, uma única colega do Ensino Fundamental-Séries iniciais fez os pareceres, aceitando o meu trabalho. Tive apoio de alguns outros colegas, os quais entenderam o meu trabalho.

E fui adoecendo profundamente, perdendo o entusiasmo. E a doença só piorava. Quanto mais eu piorava, mais os colegas, agindo dentro de suas percepções e motivações, se voltavam contra mim. Colegas que foram amigos meus por muitos anos não entendiam que eu precisava de ajuda. Queriam que eu agisse e trabalhasse normalmente, mesmo eu solicitando ajuda explicitamente, falando de minhas dificuldades. Fizeram muito, mas era um muito que me destruía. Se reuniam para exigir que eu trabalhasse normalmente. Então, vieram as ideações suicidas, as tentativas de suicídio,  as internações, os laudos…

Eu era ameaçada com “diretas” como: “tem gente torcendo para você adoecer para ficar no teu lugar; você é o problema da escola; você não vê que ninguém gosta de você? Foram-me, então, negadas as aulas de Biologia, pois segundo a direção os contratos tinham preferência sobre mim, mesmo eu sendo concursada. Diziam que havia trabalho para além de Biologia: as disciplinas de Química, Ciências e Matemática. E dei aulas gratuitamente. Eu, que sempre preparei minhas aulas com esmero, procurava por mais assuntos interessantes e por novidades. E eu…Eu não conseguia mais entrar na sala dos professores. Desse modo, ia ajudar, na cozinha, secar a louça, mas isso também incomodou meus colegas, afinal esse não era o meu trabalho. Eu já não conseguia mais levantar para ir para a escola. Dessa maneira, chegava quando o sinal já tinha tocado…

Implorei por ajuda. Tinha certeza que iria morrer. Pedia para poder ver meus filhos encaminhados. Entretanto, NADA despertava a empatia da direção. E surgiram denúncias sobre a escola, sendo que e-mails foram enviados à Coordenadoria Regional de Educação…E eu fui ACUSADA E CONDENADA. Procurei um advogado e ficou provado que esses e-mails nunca existiram. E o massacre continuou violentando minha mente. Até que o Estado me aposentou por invalidez. E eles afirmaram que eu quis me aposentar como se eu tivesse poder sobre os peritos. As armadilhas foram muito bem feitas e eu, tão jovem ainda, estava aposentada sem desejar isso.

As falácias, as fofocas. Eu não acreditava que sobreviveria, mas estou aqui, viva. Perdi muitas amizades ou foram elas que me perderam. Senti muita raiva, muita mesmo, e isso era estranho para mim, pois eu sempre fui uma mulher que podia ficar muito brava, mas não sentia raiva. Demorei sete anos para superar. Para a raiva passar. No entanto, jamais esqueci e não me permito esquecer, mas não no sentido de voltar atrás, e sim como uma lição de que tipo de pessoa eu não sou, não quero ser e nunca serei. Sobretudo, uma lição de como não tratar as outras pessoas, principalmente as com transtornos mentais.

Atualmente, não sou mais a mesma, porque acabei tornando-me mais introvertida, cuidadosa e desconfiada. Hoje em dia, tem que merecer muito para ter minha amizade e o meu amor. Sou autêntica e amistosa com quem minha experiência e intuição permitem.

Quando perdi a vontade de viver, a minha alegria, o controle dos meus pensamentos e sentimentos, a minha profissão, o respeito de pessoas que eu gostava, eu perdi o “doce da vida”, então meu pâncreas adoeceu, porque uma das coisas que aprendi na vida é que antes da doença ser física, ela adoece nosso campo energético (aura), nosso corpo espiritual e mental, para só depois se manifestar no corpo. Quando não estamos em equilíbrio, em nossos corpos e em todos nossos níveis de consciência, nosso corpo físico adoece…

Quando estava profundamente deprimida, me sentia desamparada, incompreendida, envergonhada, com imenso sentimento de culpa. Ninguém entendia, (nem eu) e muitos não respeitavam. E para piorar, as medicações não surtiam efeito. Na situação atual, me sinto muito amada, amparada e grata! Quantas e quantas manifestações de apoio, orações, abraços carinhosos. Quanto amor! Sinto tanta gratidão pela vida ter me dado essa resposta tão positiva, tão amorosa, que todo desamor que sentia antes foi curado. E fico a me perguntar o porquê desse amor, desse carinho todo não ter vindo com a doença mental.

Também fica a certeza que ainda temos muito a avançar contra o preconceito que existe sobre as doenças mentais. Outra coisa que ficou claro para mim, doenças mentais são muito mais doloridas e cruéis do que as doenças físicas. A dor física passa com remédio, as dores da alma na maioria das vezes não. Fica minha solidariedade a quem está passando por um momento difícil. Acredite, por pior que seja, tudo passa. Procure ajuda, tem muita gente boa, empática e competente!

 

 

 

 

Damaris Maria Curtarelli Zanette nasceu, em 1974, e mora em Vista Alegre/RS. Como formação inicial, possui Auxiliar de Contabilidade e Magistério (Curso Normal). É graduada em Ciências Biológicas e pós-graduada em Interdisciplinaridade com enfoques contemporâneos e em Educação Especial: deficiência intelectual. Atualmente, é acadêmica de Tecnólogo em Radiologia. Atuou como professora por 18 anos.

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