Ele era um menino crescido. Sonhos demais para uma vida parca. Trancado entre quatro paredes, as paredes vivas; ele, nem tanto. Primeiro, apreciava o vento nas melenas. Depois, o vento no rosto. Depois, o que vem depois do depois? Era um menino filósofo. A filosofia era o que lhe segurava à vida. Segurava? Difícil dizer, mudemos o discurso. Era tudo que importava, vamos dizer.
Em pequeno, admirava as pedrinhas azuis. A terra azul por onde elas brilhavam. Ele olhava a terra e sentia a brandura do ar. Tudo era leve. Mas seu espírito era inquieto e ele sempre queria saber mais. Menino crescido. Embarcou na Filosofia. Sim, era seu elemento, entregou-se com alma. A mente aguda e reflexiva. Ideias e pensamentos foram sua marca, seu jeito de ser. Inspirador. Foi o mais fundo que pode. E descobriu que não somos nada.
E um dia desejou ir além. Além de que? Não sabia. As paredes viraram labirintos cinza. Penetrando em seus labirintos, não viu o tempo passar. A primeira vez que lhe sobressaltou a condição humana, quis ser só, e dissolver-se no caos. Depois, veio a segunda vez, e ele despersonalizou-se. Na terceira vez, foi tomado de calafrios, já não sabia por qual vereda havia se embrenhado.
Em suas ideias, perdera-se. Tornara-se estranho, como se algo impenetrável o tivera atravessado. Estacionou na angústia. E fez dela porto e morada. Já não queria viajar. Queria ficar. Onde? Não sabia. Nem em que porto desembarcar, e nem se poderia voltar. A vida se-lhe perdera o rosto. Um dia, veio um susto, e a vida suspirou a perda do sentido. Desfalecera. Fora internado, a irmã cuidara dele. Voltou para casa. Passavam por ele e viam que não estava bem. Segunda à noite, alguém ainda o vira saindo do RU. O watts do melhor amigo sem visualização. Não, algo não estava bem, pensara o amigo. Uma noite, pensou em uma rede que o balançava de um lado a outro. De si para a margem. Da margem para si.
Foi então que o menino se descobriu na terceira margem do rio. Da vida. Sem vida. Naquele dia, uma seta partiu ligeira, e não sabia que sino badalar. Estacionada entre dois muros e algumas paredes, uma voz se calou. Não confessou nada. Não chamou ninguém. Não escreveu uma carta. Não pediu socorro. Não gritou. Não gemeu. Invisível. Inerte. Como quem rasga a alma, tomou suas dores. E partiu. Ninguém viu. Ninguém notou. Ninguém o chamou.
Do outro lado da parede, pessoas iam e vinham. A vida continuou. O sino não tocou. Nenhuma orca o segurou na superfície. Ele não conseguiu respirar. Nem se alimentar. O rosto petrificou. Voltou ao barro. Ao vento. Ao ar. Às pedrinhas azuis do chão também azul da infância. Caronte espera-o em seu barco. Entregou-se. Dormiu.
9 de agosto.
Na CEU, um odor fétido foi sentido. Encontrado três dias após o passamento. Leonardo. Estudante de Filosofia.
EDINARA LEÃO: nasceu em 30 de outubro de 1968, em São Luiz Gonzaga. Reside em Santa Maria. Graduada em Letras pela Universidade Regional Integrada (URI) (1993). Graduada em Artes visuais pelo Claretiano Centro Universitário (2020). Especialista em Literatura pela FACIPAL (2002). Extensão Universitária em Língua Espanhola (1992). Especialista em Gestão Escolar pela UNIASSELVI (2018). Especialista em Docência Superior pela UNIASSELVI (2019). Arteterapeuta pela CENSUPEG. Mestra em Estudos Literários pela UPF. Doutora em Estudos Literários pela UFSM. Professora há 38 anos. Aposentada regime de 20h pelo Estado RS. Em atividade regime de 40h pelo Município de Santa Maria-RS. Escreve desde os 12 anos, participa de mais de duzentas coletâneas literárias. Possui dezoito troféus literários.
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*O Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a importância da prevenção do suicídio e surgiu com a ideia de quebrar tabus, reduzir estigmas, estimular que as pessoas busquem e ofereçam ajuda. É importante que a pessoa que estiver enfrentando problemas relacionados à saúde mental procure ajuda profissional (psiquiatras e psicólogos).
*Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são uma política pública de saúde mental do SUS que oferece serviços gratuitos para a comunidade. Os CAPS são uma ferramenta importante da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e têm um papel estratégico na organização da rede comunitária de cuidados.
*O CVV (Centro de Valorização da Vida) oferece apoio emocional e prevenção do suicídio gratuitamente. Quem procura o CVV normalmente está se sentido solitário ou precisa conversar de forma sigilosa, sem julgamentos, críticas ou comparações. O atendimento é realizado pelo telefone 188 (24 horas por dia e sem custo de ligação).
*Plantão psiquiátrico do Hospital São Francisco (Santa Maria, RS) com atendimento durante os dias úteis da semana.
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