Para comemorar os 50 anos do lançamento das câmeras Super-8, a Kodak colocou no mercado este ano um equipamento que faz uma homenagem àquelas que, nos anos de 1960 e 1970 promoveram uma verdadeira democratização da imagem em movimento. Naquela época, foi com suas Super-8 em mãos que muitos realizadores se aventuraram a fazer seus primeiros filmes.
A bitola foi lançada nos Estados Unidos pela Eastman Kodak Company em 1965, para ser usada por amadores em registros caseiros. Ela caiu no gosto de cineastas por trazer uma tecnologia mais avançada e barata que a bitola 8 mm, a mais popular até então entre os amadores. Além disso, o filme era colocado em um cartucho, o que facilitava a sua entrada no equipamento e havia inovações nas câmeras, como regulagem automática do diafragma e foco variável, o que antes só era possível em equipamentos mais profissionais.
Em muitos lugares, o Super-8 serviu de ferramenta para driblar o controle exercido pela ditadura. A bitola nanica era a saída perfeita para uma juventude que estava em busca de liberdade de expressão. A possibilidade de encontrar os filmes e as câmeras nas principais lojas especializadas também era um fator motivador, como dizia o poeta e superoitista Torquato Neto em uma de suas colunas, em outubro de 1971: “Olhem bem, acerte o foco e dispare. Dá excelentes resultados. Dá filmes que não passam nos cinemas. Dá muita liberdade, amigo. Você gosta? Use. Abuse”.
A grande produção levou à proliferação de festivais, entre eles o Super Festival Nacional do Filme Super-8 ou, como ficou conhecido, o festival do Grife, realizado entre 1973 e 1983, em São Paulo, o I Festival Regional do Filme Super-8, em 1975, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o Festival de Cinema Super 8 do Recife, cuja primeira edição foi em 1977, e o Festival Brasileiro do Filme Super 8, que ocorreu entre 1974 e 1975.
Voltando à questão do lançamento feito em janeiro pela Kodak, é preciso dizer que a empresa tem se destacado por seu núcleo de desenvolvimento de películas em uma época em que a tecnologia digital cada vez mais toma conta. O relançamento foi anunciado em janeiro, durante a Consumer Electronic Show, a maior feira de tecnologia do mundo, em Las Vegas, nos Estados Unidos. Mas é um renascimento analógico com cara digital, porque a câmera não é mais como a que há 50 anos fez a alegria de quem queria tirar seus filmes do papel mas não tinha dinheiro para pagar pelo formato tradicional, o 35mm. A nova câmera conta com recursos como um display de 3,5″ e entrada para cartões SD. Além disso, o filme, depois de revelado, é disponibilizado em nuvem.
Quando se diz que a câmera tem diferenças bem importantes em relação as que promoveram um boom de produções entre os cineastas amadores, não é apenas em relação à tecnologia. É que pelo que foi anunciado pela empresa as câmeras devem custas entre US$ 1 mil e US$ 1,5 mil. Ou seja, não é no bolso de qualquer um que elas irão caber, principalmente em época de crise econômica no Brasil. O outro ponto é que inicialmente a venda será feita só nos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Realidade bem diferente daqueles anos 70, quando a juventude dos locais mais longínquos fez dos seus fotogramas em Super-8 um de seus principais instrumentos de expressão de suas ideias.
MARILICE DARONCO
Jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Maria, onde cursa mestrado em Comunicação. Foi trainee de Ciência e Saúde da Folha de S. Paulo. Possui especialização em Cinema pelo Centro Universitário Franciscano. É autora do livro O Nosso Cinema Era Super, sobre a produção na bitola nanica. Participou de equipes locais de produção de curtas-metragens e do longa Manhã Transfigurada, de Sérgio de Assis Brasil.
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