…todos estranhavam a mulher que cansou de ter calos..
Silvana acordou de mau humor, naquele dia não chorou na frente do chefe que a humilhava, cuspiu na cara dele, tirou o salto e foi andando de pés descalços até o elevador. Sequer olhou para trás. Cansou daquele emprego e daquele salto alto que era obrigada usar. A moça do elevador estranhava, o segurança do prédio, o povo da portaria, as pessoas na garagem, todos estranhavam a mulher que cansou de ter calos. Ligou seu carro, deu o melhor suspiro de alívio dos últimos séculos, teve a certeza de que para lá nunca mais voltaria. Seu celular não parava de tocar, então, desligou e o tocou pela janela. Já fazia tempo que queria mudar de aparelho e se livrar daquela agenda de pessoas enjoadas. Dirigiu até o banco para conversar com o seu gerente. Ao descer do carro uma senhora lhe questionou por estar descalça.
– São meus calos…
– Mas, e você não tem um chinelo?
– Hoje preciso sentir o chão como ele realmente é!
Silvana seguiu e, por alguma razão qualquer, ninguém no banco reparou em seus pés. Talvez estivessem preocupados demais com o dinheiro. Finalmente sentou na frente do gerente, tirou todas as suas dúvidas de como investir em um negócio próprio e, dali mesmo, foi até o escritório de uma contadora indicada e começou a organizar a papelada. Parou na primeira loja de celular que viu. Comprou o aparelho que sempre quis, um chip cheio de números cabalísticos e ligou para sua amiga advogada, aquela de infância cujo número sempre decora.
– Sabe aquela história de assédio moral no meu trabalho? Mete ficha!
Desligou e dirigiu até o spa mais próximo, parcelou a estadia de dois dias em 5x, uma podóloga tratou seu calos, e quando deitou na maca para uma massagem relaxante escutou um afetivo:
– Bem vinda Silvana, um feliz 2018, tenho certeza que escolheu a melhor maneira de começar o ano: cuidando de si mesma.
Silvana sorriu, sentiu confiança e capotou. Afinal, sentir um pouco de confiança era o que ela mais precisava. Relaxou. Meses depois, já com os calos curados, soube de outras colegas que tiraram os sapatos. Parece que virou praxe… E ela já estava a ganhar mais com seu negócio próprio do que o salário do seu infeliz chefe.