Conheça a poeta:
Maria Alice Bragança nasceu em Porto Alegre, RS. Jornalista, diplomada pela FABICO/UFRGS, mestre em Comunicação Social pela PUCRS, redatora e editora de emissoras de rádio e de jornais, como Correio do Povo e Zero Hora, foi também professora de comunicação social e artes visuais nos cursos na Universidade Feevale. Como pesquisadora da área de comunicação e do jornalismo, possui artigos publicados em revistas e anais de congressos nacionais e internacionais. Atualmente, é diretora de Comunicação da Associação Gaúcha de Escritores (AGES), gestão 2019/2020.
Escreve poesia desde a adolescência, tendo publicado poemas em jornais, em antologias nacionais e em Portugal, além dos livros de poesia: Quarto em quadro, pela Shogun Arte, e Cartas que não escrevi, pela Casa Verde. Mantém, sem periodicidade, o blog “Alice & Labirintos” (alicelabirintos.blogspot.com) e é uma das fundadoras e organizadoras do coletivo feminista de escritoras Mulherio das Letras RS, participando também, além do grupo nacional do coletivo, do Mulherio das Letras Portugal e Mulherio das Letras Europa. Tem poemas publicados nas revistas literárias Gente de Palavra, Germina, InComunidade (Portugal), Literatura & Fechadura, Ser Mulher Arte e Mallarmargens.
Estes primeiros poemas pertencem ao livro “Cartas que não escrevi”, publicado pela Casa Verde, da editora, multiartista e poeta Laís Chaffe. O livro foi lançado em outubro do ano passado e pode ser adquirido em contato com a editora.
OUTONO
Há um poema em cada leitor.
Único. Como esta noite de quase outono,
de folhas murmurantes. Este instante.
Um céu que não se repete,
já passou.
O LEITOR
Quando um poema encontra o seu leitor,
verso, poiesis, filosofia, emoção,
uma ponte é lançada,
um texto, um contexto, um sentimento.
Quando um poema encontra o seu leitor,
encontra um cúmplice, um sentido.
Indivisível, um gesto de amor,
um intérprete, um cantor, um outro autor.
QUARTO EM QUADRO
Meu olho te passeia no escuro do quarto.
Teu corpo é marco no tempo.
Fora de nós,
os livros na estante
projetam sombras desajeitadas na parede.
Buzinas, gritos, passos, tentam fazem parte deste momento.
Encostada à tua pele,
busco permanecer presa à realidade,
olhos fixos em teus pés descobertos.
AMARELINHA
Divertido seria jogar amarelinha
na calçada em frente à janela.
Tento coragem para tirar o pijama
e descer à rua nas noites de lua.
Qualquer pedra, qualquer calçada,
guarda essa criança.
INFÂNCIA
Escancarei minha porta aos fantasmas,
aos que rondam o mundo à noite,
aos que assombram os consultórios de psicanálise,
e ao que me espreitava sob a cama.
Infância. Terra de sombras.
Um dia é preciso voltar a ela,
a sua fantástica e terrível realidade,
e, simplesmente, dizer:
– BUUU!
O que era monstro,
apenas sombra do armário.
Fantasmas da insônia, do escuro,
do pensamento.
O ruído nas escadas?
Madeira velha que estala.
Mas este sentado no sofá?
Quem será?
VÊNUS
Quando pinto minha boca de vermelho,
penso só em te seduzir.
Assim carmim, assim vermelhos,
os lábios que entreabro,
a olhar para ti.
E a dizer me ama me ama me ama,
esse miado de mulher no cio.
Decifra-me,
ou, dis-pli-cen-te-men-te,
com meus lábios vermelhos,
te devoro.
URBANO
Em meio ao cinza,
essas poucas flores no papel de parede
embalam sonhos de infância.
O verde das fachadas
derrama lágrimas vegetais.
RECORDAÇÃO IMAGINÁRIA
Para um dia sem ti,
este dois de julho não traz
novidades.
Imagino teu jeito assombrado,
recebendo cartas que não escrevi.
Contenho o riso.
ADÁGIO MONÓTONO
O silêncio das horas
roubou o tempo.
Um ruído despe a fresta da janela,
invade o quarto, revela o sonho,
o horário,
o cansaço,
a vida linear.
TEATRO DA VIDA
Vida de teatro, entre ato e entreato,
quem sente a dor alheia?
A dor interpretada, a que corrói de fato,
ou a que se esconde traiçoeira?
Baile de máscaras, teatro da vida…
Quem quer ser o bufo? Quem quer ser o herói?
Baile da vida, máscaras de teatro…
Que rosto usarei amanhã? Que máscara escolhi?
Em que palco vou encenar a imagem que perdi?
Quem quer ser o herói? Quem será o bufo?
Teatro da vida. Máscaras de baile.
Sou o personagem que escolhi?
Dancei sozinha. Perdi o compasso.
No baile da vida, errei o passo.
Esqueci minha fala, um coração que não cala.
Tive coragem? Ou a perdi?
Vida de teatro. Teatro da vida.
Cai a noite e não escolhi
entre a esperança que resta
e a alegria que perdi…
Teatro de máscaras. Baile da vida.
Mas se alegria não tive
nunca a perdi.
Era verdade ou máscara o rosto que escolhi?
Engoli em seco.
E foi de mim que me escondi?
Quem quer ser o bufo? Quem quer ser hilário?
No teatro da vida, quem quer ser o otário?