gastei a grana das contas vencidas
com novas banalidades do dia
fosse tempo bom eu te trazia sem guarda-chuvas
preciso dizer, sua feiura me agrada
mesmo com a nossa velhice, temos charme
jurei planejar alguma viagem,
lembra?
não sou de agendar,
essas anotações
a memória dissolve
ou espuma
ou mofa
e depois é um tempo que não vinga
nossa foto, aquela que a gente não fez,
desbotou na estante
sabe, os livros de auto ajuda me ensinaram
que as pessoas são eletrodomésticos sem manual
as instruções estão numa língua morta
quase inaudível,
sei ler só os silêncios dos olhares
e o som dos passos,
da porta batendo
e a sombra que fica da gente se olhar pra trás
e as nossas promessas,
esqueci todas
aquelas que os amantes fazem quando
já é tão tarde,
tarde demais
tenho tanta coisa pra te contar desse mundo
to respirando ainda,
bem na beira da ponte
e fico embriaga as vezes
é vertigem
deixei daqueles vícios,
e inaugurei outros
a etiqueta a melhor educação as explicações…
minhas palavras não dizem o que eu quero
traem minhas intenções, mentem
mal ditas
penso com mais clareza
mas elas seguem um destino próprio
estão todas grudadas no teto
e caem como formigas na cabeça
paredes e janelas escritas com palavras,
nenhuma consegue sair
tanto faz
imagina se toda essa chuva fossem versos
água é sempre plural, eu não
e as roupas sujas no cesto, o troféu
o quadro torto perfumando o ambiente,
deixo as aranhas decidirem, tecerem seu véu
a casa delas é mais segura, mais quente
se faltar luz, acendemos as velas
e velamos nossa insônia,
com o breu da noite vamos nos despir
de todos os verbos
e ver,
o que não pode ser além
das estátuas de sal que fizemos
de nós
Karina Maia
Saiu de Uruguaiana aos 20 anos lá em 2004 e vem carregando a fronteira por onde passa.
Poeta da intuição e do desejo, tece palavras sem regras. Movimenta o encontro poético literário Sarau dxs Atrevidxs desde 2014. Produtora cultural no Laboratório K, atriz por vocação e encenadora por deformação acadêmica.
Mãe da Nina Aurora, a garota que aprendeu a andar e ensina a viver.