Um palhaço – “cara de palhaço, pinta de palhaço”, era o próprio da canção do Miltinho, alguém lembra? – me ataca na rua para pedir voto. Normal, estamos em plena campanha eleitoral, e os candidatos usam toda sorte de expedientes de marketing. Ele me estende um panfleto, e eu com, receio de alguma brincadeira, fico na defensiva.
– Pode pegar, não é porque eu sou palhaço que tudo o que eu faça seja empulhação.
– Hummm… e quem é o seu candidato?
– Tu mesmo.
– Eu??? Mas eu não estou concorrendo a cargo nenhum.
– Não, seu bobo, você foi o eleito, pra votar em mim.
– Você é candidato?
– Eu mesmo, por que o espanto?
– Não, eu não estou espantado, estou surpreso.
– Puxa, o senhor é uma raridade hoje em dia.
– Ué, por quê?
– Olha, nem as crianças se surpreendem mais com nada.
– Ingenuidade minha. Ainda acredito em um mundo com as coisas em ordem, tudo no seu lugar.
– Alguma insinuação?
– Bem, eu imagino, ainda, um mundo em que o palhaço esteja no circo, os vereadores e deputados nos parlamentos, os bandidos na cadeia e os policiais cuidando da segurança.
– Olha só, este mundo é possível. Não é porque eu seja palhaço, e esta é a minha profissão, que eu não possa representar bem os cidadãos.
– Bom, isso lá é verdade. A política em nosso país é ocupada por advogados, médicos, e não apenas por isso se pode dizer que tenha melhorado.
– Certamente não é por culpa deles. E não vai ser por minha culpa que as coisas possam piorar.
– Pior do que tá não fica, era um slogan de um colega seu.
– Veja só, ele foi escolhido pelos jornalistas que fazem a cobertura da política em Brasília entre os 25 melhores deputados.
– Puxa vida, onde é que estamos, me diz como é que estão os outros…
– Preconceito seu, é ele que está entre os melhores, assíduo, projetos seus importantes sendo votados.
– Fala sério. É mesmo?
– Ser palhaço é profissão. Por isso fico de cara quando tem gente protestando na rua com nariz de palhaço.
– Tem razão, eu nunca me senti palhaço com o que fazem os políticos; fomos nós que os escolhemos. Podemos ser enganados, mas quem se desilude é porque esteve iludido por algum tempo.
– Tenho alguma chance com o amigo?
– Mas isso não é uma piada. Não vou rir só pra não perder o amigo.
– Mas vai rir por último, pode ter certeza. Eu vou trabalhar pra isso.
– E não vai ter marmelada?
– Nem goiabada.
– É, mas tem o resto do refrão.
– Mas roubar mulher é crime? Eu só me garanto em combater a corrupção.
– Bem, nesse caso, vou te dar um voto de boa sorte.
Ele saiu cantando e rebolando: “Vai ser assim, Cara de palhaço, Pinta de palhaço Roupa de palhaço Até o fim!!!”
Orlando Fonseca, nascido em Santa Maria‚ em 7-10-55. Professor Titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura – PUCRS, 1997 e Mestre em Literatura Brasileira – UFSM, 1991. Exerceu os cargos de Secretário de Município da Cultura (2001-2004) na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM (2010-2013). Cronista em mais de um veículo de Santa Maria, desde 1977, atualmente do Jornal Diário de Santa Maria e do Portal Claudemir Pereira. Tem vários prêmios literários, destaque para o Prêmio Adolfo Aizen, categoria aventura, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia, em 2002; também finalista no Prêmio Açorianos, da Prefeitura de Porto Alegre, pelo mesmo livro, em 2002. Autor de várias obras em gêneros diversos, destaque para Poço de Luz, novela, IEL, 1989; O fenômeno da produção poética, ensaio, Editora da UFSM, em 2001; Da noite para o dia e Na marca do pênalti, novelas juvenis, WS Editor, 2001 e 2011, e o Musical Imembuy, com músicas de Otávio Segala. Atualmente exerce o cargo de Presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais.