dói
quando eu encontro
fotos nossas no meu celular
ocorrem dois momentos:
surge um ar diferente no ambiente,
uma doçura que eu aposto
que toma conta da sala inteira,
do andar todo, do prédio por completo
e eu lembro da gente sendo feliz
(afinal, ninguém tira foto de casal triste)
e nem penso nos mil motivos
para que tenha dado tão errado.
depois, as nuvens escurecem,
o céu despeja uma tempestade tão forte
que o teto de onde estou é destruído
e eu sugado para fora.
no meio desse temporal
eu sou atingido por um raio
e meu corpo explode em mil pedaços.
tudo isso acontece em um segundo
mas dói por uma semana.
encontre o que você ama
eu faço poesia
e isso me faz tão bem.
mas tem quem escute uma música,
veja alguma série, um filme,
malhe, corra, lute, dance,
mexa nas plantas, coma algo,
fale com alguém, não fale com ninguém,
ou qualquer outra coisa
ou qualquer outro nada.
encontre o que você ama
e deixe isso curar você.
visão
eu tenho medo
de estar com problema de visão
no amor.
ter alguém especial na frente
mas ver tudo embaçado,
sem conseguir distinguir
o que é e o que não é.
lembro que nossas mães diziam
para não ver TV tão perto da tela
que prejudicaria os olhos.
nós, que já amamos tanto,
vimos o amor de tão perto
e nos decepcionamos tanto,
será que ainda conseguimos
olhar nitidamente o próximo amor?
meu medo é não ver direito você, meu bem,
e achar que isso que passa no nosso canal
é falta de sintonia, mas que pelo contrário,
seja a melhor das frequências.
subida
subimos toda aquela lomba do mont’serrat
com uma heineken na mão
como alpinistas da solidão.
anos depois, nossa amizade terminou
como o ar que fica cada vez mais fraco
no alto de uma grande montanha.
quando acabou
doeu tanto como descer rolando
não aquela lomba do mont’serrat
mas sim o everest.
nicolas cage
já tratei o amor
da mesma forma que o nicolas cage
trata o cinema.
já tivemos momentos dignos de oscar
mas já aceiteimos cada papel (de trouxa)
só para pagar as contas da carência, no meu caso,
já no caso dele, apenas as contas mesmo.
nicolas, venha cá, vamos beber juntos,
conversar um pouco,
ambos sabemos que temos talento pra coisa
que somos intensos e que merecemos mais,
mas cá estamos aceitando papéis menores
pensando se os grandes dias voltarão.
tomara.
sacola plástica
sou tão cheio de vazios
que às vezes me sinto
como uma sacola plástica cheia de ar
que perambula pelas ruas da cidade
sem direção.
a única diferença minha
para uma sacola plástica ao léu
é que às vezes eu amo
e às vezes eu sou feliz
e ela eu não sei.
muito obrigado
muito obrigado, se não fosse por você
meus poemas seriam como dirigir sem carteira,
surfar sem prancha, voar sem asas,
pilotar sem guidão
ou pular com os pés no chão.
de verdade, muito obrigado,
agora sei bem como é um coração machucado,
meus poemas vêm com você tatuado.
dinamite
se está interessado,
seja interessante
e demonstre.
numa relação
o interesse é um diamante
e a sua falta é uma dinamite.
quando a gente quer tanto
quando eu tinha uns 16 anos
uma garota me deu um fora
e falou uma das coisas mais profundas
que já me disseram.
“estou gostando mais da ideia de gostar de alguém
do que de fato gostando de você”.
até hoje penso que essa garota
sabia mais das relações naquela idade
do que eu hoje mais velho.
tem vezes que a gente quer tanto que algo dê certo
que não importa com quem estamos,
estamos mais interessados na ideia
do que na pessoa,
então qualquer um serve.
não sei por onde essa garota anda hoje,
mas, com certeza,
ela está muito bem.
***
meu coração adia
tudo o que não é
poesia.
LÉO CRUZ
É natural de Porto Alegre e formado em Publicidade e Propaganda. Publica regularmente seus poemas na página Poeta Léo Cruz e também compartilha em zines, postes e muros da cidade. Em 2015, foi vencedor do 18º Prêmio Cidadão de Poesia de Limeira, São Paulo. É coorganizador do Sarau Poetaria, juntamente com Michelle C. Buss. “Ainda não há um furacão com seu nome” é seu primeiro livro e foi lançado de forma independente, no final de 2018, sendo o mais vendido na categoria Poesia para Jovens e Adolescentes e um dos mais vendidos na categoria geral de Poesia na Amazon. Seu segundo livro “A última vez que penso em você neste segundo” foi publicado em 2021 pela Editora Bestiário.