O dia 17 de maio leva muitos santa-marienses a pensar a respeito do “nascimento” da cidade, afinal trata-se da data que se estabeleceu para comemorar o seu aniversário.
Uma data que relembra o dia em que os primeiros vereadores eleitos prometeram desempenhar suas funções na “Câmara Municipal da Vila de Santa Maria da Boca do Monte” e, desta maneira, “sustentar a felicidade pública” (conforme consta na ata da cerimônia), num distante 1858, quando o Brasil era uma monarquia e o sistema eleitoral se constituía em algo inimaginável para os dias de hoje: censitário e masculino.
Pois é este o “nascimento” de nossa cidade. Nada a opor, mas que causa perplexidade, causa. Nascemos de um ato político-administrativo (a instalação de uma câmara de vereadores) possibilitado por um regime monárquico, vinculado à Igreja Católica e defensor da escravidão. Os vereadores prestaram juramento com a mão direita sobre “os Santos Evangelhos” e aceitaram o Poder Moderador, a Igreja Católica, a escravidão e o voto censitário. A nossa matriz autoritária, religiosa e escravocrata.
Fui professor de História durante 38 anos e cansei de repetir conversa semelhante a respeito das datas fundadoras a respeito de períodos históricos, países e cidades. Datas arbitrárias, marcos identitários criados e recriados ao longo do tempo. Se pensarmos que Santa Maria já comemorou o seu aniversário a partir de um marco religioso (a instalação do Curato, em 1814), a mudança para um marco político-administrativo é um avanço, quando entendemos que o rompimento com o sagrado na esfera pública é o melhor para a coletividade. Quando entendemos que o sagrado deve ficar restrito à esfera do privado e não ter centralidade alguma nas questões de Estado. Uma questão aparentemente resolvida com a primeira constituição republicana, em 1891, mas até hoje questionada por alguns religiosos.
Mas é isso, nascemos em determinado momento histórico, marcados por circunstâncias específicas e, felizmente, nos transformamos. Penso que é isso que aconteceu com a cidade. Nascida num contexto monárquico, religioso e escravocrata, nos transformamos em Estado republicano, laico e regido pelo trabalho livre. Não é pouca coisa. A cidade se descolou de sua matriz e entendo que é difícil estabelecer a ponte com essa origem remota, oitocentista, monárquica e escravocrata. Mas é nossa matriz. Nosso marco fundador.
Num distante 17 de maio de 1858, num prédio na atual Rua Dr. Bozano (no número 1281, segundo pesquisa de José Antônio Brenner), os primeiros vereadores eleitos (todos eles homens brancos e letrados) juraram desempenhar o melhor possível suas funções e construir a felicidade pública. Este juramento (uma aposta esperançosa no bem estar coletivo) é bem um marco que merece ser comemorado. Ou reforçado. Vai que um dia dê certo e a população santa-mariense seja mais feliz.
Vitor Biasoli
(Professor aposentado, 65 anos.)