Tropica, mas não cai
O muro caiu
Em cima de mim
Juntei os cacos e saí
A roupa a sacudir
Portas eu vou abrir
Um passo de cada vez
Não olho para trás
Mais forte posso me sentir
Nunca esteve em questão
— a ideia de desistir
Nunca esteve em questão…
A lua caiu
Bem atrás de mim
Cheguei, mas logo já sumi
Desci e agora vou subir
É hora de partir
Já não estou mais com vocês
Tropica, mas não cai
A sorte voltou a sorrir
nunca esteve em questão
A ideia de desistir
Nunca esteve em questão…
O viajante
É marrom da cor do barro
Céu azul e desbotado
Vento norte e nostalgia
Nos morros de Santa Maria
Estrada de chão batido
Onde heróis foram abatidos
Flores ao redor
Verde pra todo o lado
É marrom da cor do barro
Céu azul e desbotado
Cá estou com alegria
Minha casa em vacaria
Estou entregue a própria sorte
A vida enganando a morte
Negociando a travessia
Mil quilômetros de qualquer lugar
É marrom da cor do barro
Céu azul e desbotado
Cá estou na aduana
Como é longe Uruguaiana
Ao passar pela ponte férrea
Negaceando ela balança
É marrom da cor do barro
Céu azul e desbotado
Ao longe a cidade se ergue
Estou chegando em Porto Alegre
Br de asfalto bom
No rádio toca o meu som
O motor vibrando no peito
Pôr do sol no retrovisor
É marrom da cor do barro
Céu azul e desbotado
Cá estou, caminho a pé
Pelas ruas de Bagé
Outro lugar, uma nova dança
As mil e tantas andanças
Mas o cosmos é um só
E nós, ciscos de estrelas
É marrom da cor do barro
Céu azul e desbotado
Louco, um vagabundo
Ele sonha em passo fundo
El viento agita mi bandera
Vivir es romper barreras
El azul de los siete mares
Es lo mismo em buenos aires
É marrom da cor do barro
Céu azul e desbotado
Um homem livre por aí
Mas sempre pensando em ti
Naipe de metais
Ontem, meu bem
Eu sorri, você chorou
Pare, pense e entenda
— que —
Somos diferentes
Há algo além
Na cama somos um
Almas desiguais
Eu sei, você não entende
Mas eu… Te digo…
Não, não interessa o que somos
E o que mundo fala sobre nós
É o fim da festa, meu amor!
Até mais!
Acabou, mas a música não parou…
Me despeço, e por favor, maestro
— que venha agora o naipe de metais!
Nos olhos de quem vê
Minha vida
O que ela tem de melhor
Eu vou soprar o dente-de-leão
Sentir o cheiro de citronela
Ver o beija-flor pousar
Na aba do chapéu-de-napoleão
O sol entra pela janela
Do arco-íris sei as cores de cor
De volta as ruas
O trânsito — a confusão
Buzinas, canos e combustão
Distância entre eu e ela
No semáforo — o divâ
O barulho do motor do caminhão
Vejo a chuva pela janela
E muita desordem ao meu redor
Hoje à noite eu vou encontrar
Conforto no meu travesseiro
Na tessitura da roupa de cama
Mesmo ausente de você
Assim como tenho a certeza:
A beleza nunca vem primeiro
— a beleza estás nos olhos de quem vê
Água límpida
Então, me diga
Porque não
Poderia voltar
Rever as belezas e usufruí-las
Outra vez
Subir o monte
Sem peso nas costas
Chegar ao topo e admirá-lo
Queimar todas as pontes
Não deixar rastros
E dizer bem alto:
Até nunca mais
Segurar as pontas
Dobrar luzes e sombras
Refletir, perceber os sinais
Precisamos aprender a apreciar a viagem
Soltar a corda
E levar o balde até o fundo do poço
Precisamos entender
Como decifrar a mensagem
Esticar a corda e trazer o balde lá do fundo do poço
Então, me deixe
A estrada vai me encontrar
Frente à natureza
Com minha mochila
Vejo a luz do sol
— as nuvens —
A frágil dança das flores
A brisa leve vai me reparar
Lavar as mãos no ermo riacho
E cantar sozinho longe dos currais
As curvas são longas
Até Shangri-lá leva um tempo
Mas eu vou chegar
Então, me diga
Porque não
Poderia voltar
Rever as belezas e usufruí-las
Assim beber da água mais límpida
E rir na cara dessa vida estúpida
Shangri-lá
Pode abrir a porta e entrar
Fique à vontade
E não vamos desperdiçar
O tempo à toa
Tudo bem, olhe as minúcias
Sem neurose, por favor
Não, não tenha medo
Dessas coisas pequenas
As cobertas pode afastar
Deite ao meu lado
Só nós dois
Ninguém por aqui
Sem certo ou errado
Os cães latem lá fora
E nós dois sem nos importar
Se é a cama que balança
Na cabana — nosso Shangri-lá
Pode abrir a porta e entrar
Fique à vontade
E não vamos desperdiçar
O tempo à toa
A lua cheia alumia
E os grilos a cricrilar
Uma só sombra chinesa
Na cabana — nosso Shangri-lá
Copos de plástico
Eu não tenho medo da morte
Mas a fornalha arde
A realidade gira e ondula
Sabemos, a vida é dura
Uhhh, se algo me falta —
Não faz mais parte de mim
Não aceite o açoite
Viver é bem mais que sofrer
Eu desejei o sul,
Mas fiquei sem um norte
Te queria pela manhã
Mas deitamos muito tarde
Ah, vida imperfeita
Chuva que cai sobre mim
Não aceite o açoite
Viver é bem mais que sofrer
Eu, desejei o júbilo
Mas só tive o pranto
A lembrança de uma concertina
Um tango de pernas tortas
Uhh, se algo me falta —
Não faz mais parte de mim
Não aceite o açoite
Viver é bem mais que sofrer
Não seja tão drástico
Viver é bem mais que sofrer
Sim, vida imperfeita
Brindemos em copos de plástico
Força superior
Nem mais sei
Quem um dia eu fui
Hoje vejo melhor
Até quando a luz diminui
Lá do céu
Uma força superior
Joga estrelas nos homens
E as bençãos numa flor
Nessa mesa
Não nos falta vinho ou pão
E que a vaidade
Não ofusque a gratidão
Lá do céu
Uma força superior
Nos oferece refúgio
Nosso abrigo frente a dor
Sou a pena
Que escreve outra história
Páginas da vida
Vivas em minha memória
Lá do céu
Uma força superior
Joga estrelas nos homens
E as bençãos numa flor
O fruto cai
Entre a lenha e a chama
Colho o que planto
Amo a quem não me ama
Lá do céu
Uma força superior
Nos oferece refúgio
Nosso abrigo frente a dor
Quem eu sou?
Eu sou terra, fogo, água e ar
Sem ter asas posso até voar
Pés descalços eu vou caminhar
Por aqui ou em qualquer lugar
Vou caminhar
Jornais e açúcar
Vivendo um outro tempo aqui
— eu e eu —
Já não conto os dias frios
Sei que isso é algo bom
O vento a se arrastar
E a levar o que chegou ao fim
Aprendo tanto por aqui
— eu e eu —
Reescrevo uma canção
Tão diferente das demais
Mudo a letra e o tom
Expressão do que estou a sentir
O que permiti e escolhi
Como aqui cheguei?
Não esqueço
Do chão não passo
Sentido eu posso
Redescobrir
Tantos momentos por aqui
— eu e eu —
Jornais e açúcar no chão
Um adeus, um até mais
Desistir é esperar
É entender
O que está em mim
Tomando um vinho por aqui
— eu e eu —
Sem manchas, nem batom
Sem perfume ou sinais
Nenhuma voz, nenhum som
Oh, solidão! O que está por vir?
O que permiti e escolhi
Como aqui cheguei?
Não esqueço
Do chão não passo
Sentido eu posso
Redescobrir
Desde que perdi a minha fé
Coloquei o gorro meio torto na cabeça
Olhei para o invisível e pedi ‘bença’ ao senhor
Eu pulei do trem, malogrei, porém, eu sei:
— o acaso ainda joga ao meu favor!
Não me achei desde que perdi a minha fé
Já pedi, como bem ofereci o meu amor
Saquei qual é que é, e apenas me calei:
— a maestria de ser um bom entendor!
Deixei as luzes para trás
Encontrei uma tapera no meio do nada
De um buraco eu vejo as estrelas
Descubro o silêncio e a minha paz
Um graxelo se enconde atrás de um espinilho
No retrato daquele bicho, a diferença se perfaz
Mas finjo que não o vi, apenas finjo que não o vi
No disfarce daquele bicho, a descrença se desfaz
Oh, será! Será um grito de socorro?
Ou é o lamento desse zorro?
Não, não sei! Não se fico ou se eu corro?
A lua morre bem atrás do morro
— E assim ele se vai…
Ouça em: https://open.spotify.com/intl-pt/album/1q3H406m4bYcT2MES86Bkk?si=v_agwZkhTWePuBO50xetFg
MÁRCIO GRINGS: nascido em Santa Maria, em 1970, é repórter musical, produtor cultural, radialista e escritor, editor no selo santa-mariense Memorabilia https://memorabiliastore.com.br/. Passou por veículos de comunicação como as rádios Itapema e Gaúcha, jornais como Diário de Santa Maria e A Razão, além de publicar em diversos sites e periódicos. Seus conteúdos sobre música podem ser conferidos em www.gringsmemorabilia.com.br e www.gringstours.com.br. Também é criador de Oficina de Pardais, projeto que levou o haicai até escolas públicas de Ensino Fundamental. De livros, publicou Saindo da Linha (2002); Rock & Roll (2004); Vivendo à Sombra dos Gigantes (2006); A Nós, o Clube dos Descontentes (2009); Drive-in (2013); O Caminho Mais Longo (2013); Todos os Pardais do Mundo (2019); Engarrafando o Vento (2021); Quando o Som Bate no Peito (2021) e Bicho-do-Mato (2022). É integrante do grupo gaúcho Graxelos, que lançou em 2024 seu álbum de estreia, “Shangri-lá”, onde atua como letrista, músico e compositor. Ao lado do jornalista Romero Carvalho, apresenta Quando o Som Bate no Peito, podcast onde a dupla discorre sobre a cultura pop e o universo musical.
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