Aos 16 anos tive a primeira namorada. Ela estava se preparando para o vestibular e lia muito. Não apenas os livros obrigatórios, mas também títulos que não estavam no programa do concurso. Na sua casa havia um jardim e lembro de nós dois sentados num banco, ela me falando de livros e autores que eu desconhecia. Alguns eu li naquela época, outros fui lendo ao longo do tempo.
Eu era um estudante do Curso Clássico (naquele ano de 1971, um curso extinto por uma reforma educacional) e gostava muito de História e Literatura. Meu conhecimento, no entanto, era basicamente o dos livros didáticos, das enciclopédias e, claro, do cinema. Achava Napoleão um dos “grandes personagens da História Universal” (título de uma coleção de banca de revistas que eu colecionava e lia com a maior atenção) e o que sabia do “Pequeno Corso” dizia respeito à sua trajetória político-militar e pouca coisa sobre a sua vida privada. Ela, porém, lera outras coisas (recordo de um romance que a fascinou, chamado Desirée, no qual Napoleão era personagem) e me falava dos seus amores e relações familiares. O noivado de Napoleão com uma moça de 17 anos (talvez o seu grande amor), que logo é desfeito para ele casar com Josefina de Beauharmais, uma mulher mais adequada aos seus projetos políticos. Assim como sua relação com os irmãos, em especial com Pauline, a irmã mais querida, que se casa com um príncipe romano muito rico, Camille Borghese.
Recordo vagamente das informações que ela me passou (tive de conferi-las no Google), mas não do meu espanto quando ela contou o quanto os casamentos podem ser conduzidos por interesses “alheios à afeição e ao amor”. Os casamentos de Napoleão e Pauline entraram, então, no meu horizonte de interesse e dia desses, folheando o guia da Galeria Borghese, me deparei com a famosa escultura de Pauline, feita por Antonio Canova, e imaginei… que tudo começou naquele banco de jardim, na casa da minha namorada.
Se, naquela época, tivéssemos o Google, na certa pesquisaríamos sobre Napoleão e sua irmã e chegaríamos a famosa escultura… Pauline seminua, representada como “Vênus Vitoriosa”, isto é, segurando a maçã dourada da discórdia, dada a ela por Páris, no lendário concurso de beleza, no qual o título de “a mais bela” foi disputado entre as maiores deusas do Olimpo: Vênus, Minerva e Juno.
Dá o que falar essa lenda… que está na origem da Guerra de Troia, pois, para obter o título, Vênus prometeu a Páris, príncipe troiano, a mulher mais linda do mundo – a grega Helena, esposa de Menelau, rainha de Esparta – e com isso desarranjou a ordem do Mundo Antigo.
O que pensava Pauline ao se ver retratada como uma deusa tão bela e poderosa? Beleza ela tinha, era assunto na sua época, e virara a cabeça de muitos homens (alguns generais de Napoleão, o violinista Paganini, entre eles). Mas, como princesa romana (título obtido ao casar com Camille Borghese), ela imaginava abalar a ordem política da Península Itálica, como Vênus fizera com a do Mundo Grego?
Sentado num banco de jardim, o adolescente que eu era (no início dos anos 70) pouco sabia a respeito desse vasto mundo de amores e ambições, porém ouvia sua namorada letrada e despertava para essa realidade, nunca apreendida na sua inteireza, mas nem por isso menos fascinante.
Obs.: na Galeria Borghese, em Roma, a estátua da irmã de Napoleão se encontra na sala nº 1, denominada “Paoline” (grafia utilizada pelo guia em espanhol que adquiri na loja do museu) e se chama “Paoline Borghese”.
O romance “Desirée” é de autoria de Annemarie Selinko e tem como personagem principal Bernadine Desirée Clary, a primeira noiva de Napoleão. É um best-seller do início dos anos 1950 e até ainda editado no Brasil.