ORIGAMI DE FOGO
Baioneta calada no rifle Arizaka,
Hiroo Onoda não desertava.
Guerreiro do Exército Imperial,
ignorava o fim da Segunda Guerra mundial.
Golpeando de espada o bambuzal de Lubang,
tenente de Onoda arquitetou uma cabana
e ali, na floresta da ilha filipina,
por três décadas,
comendo cocos e bananas,
viveu sua guerra pessoal.
Anunciando a derrota japonesa,
aviões desfolharam panfletos sobre a selva.
Onoda suspeitou falsas as propagandas
e cumpriu as ordens do comandante:
Não se renda,
não se mate.
Fique e lute!
Trinta anos de combate.
Onoda entregou suas armas.
Mas foi preciso que o Major Taniguchi
lhe pedisse pessoalmente a espada.
Antes de morrer,
em janeiro de 2014,
Hiroo Onoda lembrou
das tempestades tropicais na selva,
de sua solidão de soldado,
de seu comandante trvejando:
Onoda, não se mate,
não se renda, Onoda.
Fique e lute
até a morte!
Antes de tombar,
Onoda recordou da noite na floresta
em que um macaco társio
se adesivou em seu tronco
enganado por seu uniforme de árvore.
Foi sentindo o silêncio daquele momento
que Hiroo Onoda se rendeu.
CÓPIA ROMANA
Para Marcelino Freire
Nas coxas de Teoxeno,
belo efebo de Tênedo,
Píndaro descansa a cabeça.
Nem sombra de flecha persa no céu de Argos.
Xerxes tomou Tebas,
ocupou Atenas.
Píndaro deseja apenas
morrer em paz
no colo do filho de Hagésilas.
Guerra antiga,
velho idílio,
braço perdido da Vênus de Milo,
fragmento de amor nos papiros.
Nem sinal de míssil no céu de Pejuçara.
Meu amor gradeia meus cabelos com os dedos.
Império são estas pernas em que deito a cabeça
e esqueço que estou em algum lugar da terra.
A CAVERNA DO PLATÃO
Está passando na televisão
A caverna do dragão.
No episódio de hoje,
como sempre,
os seis jovens,
aprisionados noutro mundo,
enfrentarão o Vingador
e com a ajuda do sapiente
e enigmático Mestre dos Magos
novamente tentarão voltar pra casa.
Quando eu era criança,
esse era meu desenho favorito.
Eu vivia numa caverna,
existia unicórnio, orc, dragão,
havia um caminho,
um mundo preferido,
a vida era mais animada
quando não tinha explicação.
LIPOINSPIRAÇÃO
A primeira vez que encarei Tereza
face operada em plática
achei o novo disfarce
melhor que a antiga máscara
A segunda vez que encarei Tereza
com silicone empalhada
achei a nova matéria
melhor que a outrora usada
Cada vez que vejo Tereza
Sua tez está mais seda
Musculatura mais tesa
Que desconfiado pergunto:
– É você, Tereza?
Como se de outra falasse
De boca nova responde:
– Ela mesma.
AUTOMEDICAÇÃO
O poeta é um doutor
sabe tanto do doente
que parece dele a dor
que é deveras do paciente
E os que leem a receita
na frase escrita não veem
não sabem que a torta letra
de uma mão torta vem
Assim o caso piora
vira enfermo o que era são
a cura um mal se torna
o poema prescrição
SEM TÍTULO
Extraíram da escultura
o livro que tinha nas mãos.
A polícia investiga,
mas não há provas de que o leitor ladrão
seja o mesmo míope que roubou os óculos do Drummond.
Em nova interação iconoclasta,
o bárbaro cristão quebrou os braços da estátua.
Figura de fibra,
resina resignada,
ela permanece firme em sua performance,
até que suas pernas sejam fraturadas,
até que sua cabeça seja cinzelada,
até que só lhe reste o torso
até que nós – o público,
e não ela – a obra,
acabemos expostos.
ROBÓTICA
– Oi! Quer brincar comigo?
Pensei ter ouvido uma pessoa,
mas era uma dessas máquinas
nas quais a gente põe uma moeda.
– Moço, tem um troco pra me dar?
Pensei ter ouvido uma máquina,
mas era uma dessas pessoas
às quais a gente dá uma moeda.
José Eduardo Escobar Nogueira nasceu no ano de 1971 em Fortaleza dos Valos – RS. É professor de literatura brasileira em Santa Maria – RS, cidade onde mora. Rapaz com cicatriz é seu oitavo e mais recente livro. Dentre suas publicações anteriores, destacamos: O meu primeiro milagre, Milongol, Curta-metragem, Pejuçara e Borges vai ao cinema com Maria Kodama.
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