Recado ao Poeta
Um dia eu conheci um poeta que me disse que muito amava as mulheres
Eu já ia dizer “muito obrigada” quando ele fez “psiu psiu, calada”
Eu não terminei de dizer o quanto eu amo a voz das mulheres
“Ô seu poeta, é piada” eu pensava. Mas não, não fala não.
Já te contei toda minha admiração pela doce essência das mulheres.
Eu já revoltada falei “vou embora, esse cara não entendeu nada” quando ele acusa.
“Ó mulher ingrata, eu aqui te louvando e você não quer ser minha musa?”
Bom, vou tentar desenhar para ver se dessa vez vai, ô seu poeta.
Primeiro: não é elogioso isso de admiração quando quer dizer “fica quieta”.
Como se você tivesse tinta e pincel e eu, bom, eu fosse a tela.
Ou você escuta o que eu digo ou esse teu encanto não tem nada a ver comigo.
Segundo: não tenho menor obrigação com teus devaneios de paixão.
Não tô confusa por não querer ser sua musa
Nem tenho culpa se eu tava feliz olhando pro nada e você quis achar que era pra você e apaixonada
Deve ser difícil entender, mas a minha existência não é sobre você.
No mais, eu não tô de brincadeira,
não vim ao mundo ser só a companheira
de alguém que é, esse sim, o artista,
Acorda, poeta, a minha voz é a minha conquista
Seu verso sobre mim não me acessa
Lê meus poemas e aí a gente conversa.
Tentei dar esse recado rimado para ver se fica bem entendido
Não sou sua musa, não sou sua flor e não quero ser seu bem
Porque A poeta sou eu, também.
E, amigo, minha arte vai muito além do seu umbigo.
Áudio
Sua voz irrompe no quarto
pelo trabalho quase mágico
de uma constelação de satélites.
Sorrio para o aparelho inerte
em transmissão já não mecânica
(tem coisas que só digo muda)
Aprender a chamar ondas eletromagnéticas
de encontros
tem um quê de romance epistolar.
A festa no poço
Frente às impossibilidades, fazer mergulho.
Talvez o que mais se pareça com o chão,
seja a busca pelo chão.
O lixo das nossas piores invenções se acumula no caminho
ideias plásticas e sonhos artificiais
e acho que prendeu meu pé.
Não há como deixá-lo lá,
lá é aqui
e, talvez, eu seja parte dele.
Tateio o medo, para lhe dar forma
e esbarro em um abraço,
o que já é um passo além.
Todo laço é um tipo de espaço.
Inventar mundos com nosso próprio entulho
é o único jeito de não se afogar.
Fazer abraços. Fazer barulho.
Será que só caindo em conjunto que nos encontramos?
(Acho que somos um poço
acho que posso seguir)
Encontraremos, talvez, uma fresta.
Daremos, então, uma festa.
Continuar é uma questão de estratégia.
Homem de Verdade
Parem as máquinas, rufem os tambores,
quero toda vossa atenção, vosso espírito, senhores,
pois que aqui vos apresento um homem de verdade.
Peça nada rara do nosso patrocinador “museu de velhas novidades”.
Anda firme pelas ruas, fala alto, um terror
com quem ouse tomar liberdades.
Mas não pense que, por isso, o moço é agressor
só confronta quem não conta na sua fila de igualdades,
nem tampouco é um bronco, faz versos para o grande amor
jurando todos os sentimentos, menos, é claro, lealdade,
que há sempre uma saia, um decote encantador
que o obrigam a certas – hum – proximidades.
Mesmo que a moça não queira, que corra, que fuja,
“Ah, que bruxa!” negar seu assédio tão galanteador.
Eu sei, te disseram que homem sério é assim esse alarde
do dedo em riste, sexo rijo, do dominador
do nunca triste, que sempre insiste, do comedor
de tudo que não existe, mas sustenta um discurso opressor
porque quanto mais alto se grita
toda essa masculinidade
mais sabemos, felizmente,
que não condiz com a realidade.
Mariana Imbelloni nasceu no Rio de Janeiro, mas foi criada em São João del Rei, MG. Voltou para o Rio de Janeiro em 2008, mas acha que ainda traz um pouco dos ares de Minas. Pesquisadora, poeta e advogada, atualmente escreve para Revista Prosa, Verso e Arte.