Considero relacionamentos sempre misteriosos. A continuidade deles, seja no terreno da amizade, seja no campo amoroso sexual exige reflexão e autoconsciência. Embora cada um de nós tenha a sua “teoria” sobre o assunto, a verdade é que não existe uma experiência generalizada. Quando se tem a oportunidade de escutar sobre as experiências subjetivas algumas questões tornam-se quase que condição!
Para além das dimensões mais cotidianas que abarcam as noções de respeito e individualidade, manter o desejo de desejar alguém parece ser um dos desafios mais intensos. Sim, porque para além da construção de cumplicidade e parceria que as relações amorosas implicam, ainda tem-se o desafio de “manter acesa a chama”. Claro que essas variáveis se intercomectam. Mas, como a psicanálise já nos adverte, pensar em desejo é quase sinônimo de complexidade e subjetividade. Aquilo que assume a condição de desejante pode passar a margem das condições de um ideal social. Questionar essas condições seria a garantia de uma satisfação? Isso poderia passar desde o modelo de heteronormatividade que garante que um relacionamento só possa ser reconhecido de fato se acontecer entre um homem e uma mulher. Como se amor fosse atrelado apenas a dimensão do habitual, e não um afeto, e por isso estar na proposição de tudo que nos afeta. Mas indo além, também observa-se que existe uma condição para dizer que um relacionamento teve sucesso seria o modelo tradicional: monogâmico que acabaria em casamento, com ambos morando sob o mesmo teto, e constituindo uma família, tipo “propaganda de margarina”.
Fato é que o desejo pouco relaciona-se com padrão. E sim com a capacidade dos sujeitos em desalienarem-se. Ou seja, de construir consciência sobre o que faz sentido para si na perspectiva de afetos. A gramática das relações pode assumir linguagens estrangeiras a cultura, mas absolutamente integradas ao desejo de quem se dispõe a ousadia de se permitir poliglota.
Ora, que recurso mais medíocre dessa nossa cultura de integrar a ideia de amor e sexo, desatrelada de desejo. De polissemia. De construções subjetivas que agreguem sabor e saber a um relacionamento. A vivência do que faz sentido, e não apenas do que se tomou como verdade única é que o muitas vezes impede que pessoas que se amam e se desejam possam estar juntas, crescendo a partir da adversidade e da diferença.
Parece que o que faz sofrer não é desejar. Mas sim a dificuldade em tomar consciência do seu desejo, e de banca-lo na sua singularidade. Afinal, para o mundo massificado, que exige uma produção acelerada do mais e do mesmo, um casal que se ama mas não vê necessidade de dividir o mesmo teto, ou ainda que permite-se discutir sobre seus desejos sexuais por outras pessoas no mundo, traz uma verdade que assusta. E mais, me atreveria a dizer que desacomoda a posição narcísica que nos foi vendida junto da ideia do amor romântico literário.
Relacionamentos para sobreviverem aos colapsos e intempéries da vida, parece que precisam ser verdadeiros, na capacidade de invenção de quem os desfruta. Para isso a ousadia da criação daqueles que estão disponíveis à eles é uma borda que ampara. Criar todo dia uma nova oportunidade de desejo, e por isso de relacionar-se com ele. Aja foco! Aja atenção! Aja desejo! Aja maturidade para ser único sem ser arrogante! Aja desejo e ousadia de criação! Aja! Aja vida e suas travessias imensuráveis.
Graziela Miolo é Psicóloga e Psicanalista. Especialista em Clínica Psicanalítica, Mestre em Psicologia Clínica. Experiência na docência superior por 14 anos, entre cursos de graduação e pós graduação. Amante de leitura e de música. Sou inquieta com tudo que mobiliza e toca o ser humano e suas complexas formas de expressão. Me considero alguém atenta à vida. Mulher e mãe.