Detesto mate
Ele estava sentado
A duas mesas da minha
De óculos como eu
Meio barbado como eu
Não notou a minha presença
De relance olhei
E pude reparar que comíamos
O mesmo sanduíche
Eu bebia suco de laranja
E ele mate
Uma pena, pensei,
Entre nós já existe divergência
Farsa
Pois é
Está tudo acabado entre nós
Não vale a pena tentar
Desatar os nós
Foram muitas as inconstâncias
As facadas
Os arranhões
Agora me vem a lembrança
Dos senões
Já não há mais espaço no palco
Nem no camarim
Já não posso dividir a cena
Já não choro quando você acena
Que papelão
Quanta mentira
Que traição
Hipocrisia
Sim, dói
Não vou mentir
Machuca
Até que o tempo
Destrua
As lembranças
Não quero a cicatriz
Do ressentimento
O seu perfume
Eu espero que voe
Com o vento
E se algum dia me encontrar
Distraído
Faço o favor de mudar de calçada
Como se eu fosse seu inimigo
Coragem
Fotos da infância
Despertam-me autocomiseração
Criança inocente e assustada
Tinha na mãe proteção
Escarro todos as más recordações
Expulso a autopiedade
Se o passado traz à tona fantasmas
Há tempos perdi o medo de assombração
Urso
Encaixo-me em seus cachos
Encontro-me nos pelos dos seus peitos
Ralo-me em sua barba
Caio de boca em seus pentelhos
–
Você pensou: tesão
Eu: coração
Disparate!
Comer do fruto a metade
Depois defecá-lo
Até que vire adubo
E nasçam
Outros pomares
Construção
Começo com mil palavras
E enxugo-as ao longo do texto
No fim não sobra nada
Então recomeço
Amor platônico
Queimar-se
Sem nunca ter
Acendido o fogo
–
Troquei você
Por uma xícara
De café expresso
E duas tapiocas
De queijo coalho
–
Carnaval:
Ah! Deus,
A carne!
–
Quarta-feira de Cinzas:
Adeus à carne.
Rafael Zveiter – tem 40 anos, nasceu em Niterói-RJ, onde vive até hoje. É poeta, contista e romancista, além de ser ativista dos direitos humanos. Publicou três livros, “Visceral”, Editora Faces; “Correspondências de um Invisível”, Cândido Editora e “Afrodite”, Editora Philos.