Ritos de passagem
A vida que se recomeça
(descobriu o que é de fato começo)
Um vestido violeta
violentamente jogado no chão
amontoado assim
fingindo ser um buraco negro
no meio da sala
no meio do cotidiano
ao meio-dia
explosões aglomerados globulares
estrelas jovens e galáxias espirais
com abraços flexíveis
entre o dourado e o azul
Na porta do quarto
em cima da cama
um poema de amor
pra quem um dia
chegou a desacreditar em
poesia
Das verdades
Eu finjo e nunca me sinto só.
Eu finjo e só.
Só finjo.
Finjo só,
Sinto só,
Eu só,
Finjo.
…
fenda fogo arrepiando minha pele
tempestades de cobre dourado
engolindo insônias e bocas
o céu das tuas mãos cobrindo minhas geografias
eu vejo abismos intermináveis nos teus olhos
o som de todos os amanheceres em tua íris
diante de todos os estranhamentos tu és minha sina
e eu te alucino com a prata da minha voz
com a faísca dos luares que me habitam
as vozes me dizem: “é o destino!”
fenda fogo arrepiando minha pele
tempestades de cobre dourado
engolindo insônias e bocas
o céu das tuas mãos cobrindo minhas geografias
eu vejo abismos intermináveis nos teus olhos
o som de todos os amanheceres em tua íris
diante de todos os estranhamentos tu és minha sina
e eu te alucino com a prata da minha voz
com a faísca dos luares que me habitam
as vozes me dizem: “é o destino!”
e eu me desatino em ti
como quem busca uma música perdida
e tu perdido em mim
como quem decifra o infinito
e já não posso explicar
e já não tem o que explicar
só nos resta poesia
Deve ser dura a vida
de uma chaleira.
Recebe água,
ferve água,
sofre com a dilatação
fogo
chama
inflama
para depois,
esfriar sozinha
vazia
botar conversas em dia
e os abraços também.
eu disse a ela que a equação das distâncias
varia quando a amizade é um fator
: estar junto não é estar perto
pra tá perto precisa tá mais dentro do que junto:
desenhei árvores em cada dia da agenda
pra ver se os pés enraizavam no chão já que a alma voa
longe
pra esperar o fruto ser fruto e colher
porque cada vez que o tempo passa
diminui a fração da distância
e quando o ano acabar
natal vai ter razão pra existir
regado a salada de frutos que esperaram
amadurecendo ela voltar:
botar conversas em dia
e os abraços também
Eu te amava com uma força sideral
dessas que faz a Terra
mudar sua rotação
que faz as estrelas
brilharem mais fortes
que faz nascer uma supernova.
Mas entrou março, abril,
então veio um outro maio
e depois chegou junho
me mostrando que você
não era você
mas um eu em você.
Então me percebi em mim
e somente mim…
Cadê você? Foi embora!
Porque nunca teve você…
Só esse você no eu.
Alguns ficariam cismados,
outros escreveriam um poema triste.
Solidão tem dessas coisas
de redescoberta que assusta.
Mas eu prefiro cantar uma canção
dessas que é meio lunar
de tão íntima.
Eu te amava com uma força sideral…
…mal eu sabia que eu tinha
um sistema solar
e algumas galáxias em mim.
Encontro
Limpou a casa
fez a mandinga que aprendera
para o ambiente ter bons fluidos.
Pôs o espumante a gelar.
Hesitou se faria algo de comer
e, se fizesse, o que seria adequado?
Comprou flores
e as colocou na sala.
Banhou-se, enfeitou-se
vestiu vermelho na boca
tão vermelho quanto
o vestido que a pintava.
Deixou que a bossa nova
agarrasse sua cintura
e se pegou cantarolando.
O relógio cruzou muitas vezes
o ponteiro
cruzando seu coração.
No macio do sofá púrpura
esperou
até que esperou-si
e foi si-chegando
intensa como fogo
si-encontrou.
Na linguagem dos afetos
casa:
retornar para
quem se ama.
QUEBRAR-SE EM MAR
rebenta em mim
o sal das horas
mergulho em sol profundo
e céu elétrico
meu corpo
um barco de descobertas
meu corpo
um mapa de desejos
ao mar dos prazeres
me jogo
entregue a tempestades
ondas e maresia
e não busco mais em ti
nem em ninguém
rebentações de amor:
eu em mim.
TAREFAS DA MULHER
Na lua minguante
abraçar histórias
reconhecendo as próprias geografias
aninhar o próprio mundo interior.
Na lua nova
desapegar dos medos
trançando ações
separar do passado o que foi bom. .
Na lua crescente
ser horizonte liberto
honrar as quedas, abrindo as asas.
Na lua cheia
o corpo dilatado de desejos
viver o amor, amando a si.
Michelle C. Buss nasceu em Jaguari, Rio Grande do Sul e mora em Porto Alegre desde 2007. É mestra em Estudos de Literatura pela UFRGS e possui três livros de poesia publicados, sendo o último “não nos ensinaram a amar ser mulher” (Bestiário, 2018), finalista do prêmio da Academia Rio-Grandense de Letras. Ao lado de Clara Állyegra Lyra Peter, é co-criadora do projeto Poesia pelo mundo, no Instagram, destinado a divulgar trabalhos poéticos, traduções e fotografias. Com o poeta Leo Cruz, organiza o Sarau Poetaria e a live Lendo Poesia. Além de escritora, Michelle é cantora e atriz.