- A INVISÍVEL
(In “Conexões Atlânticas”, In-Finita, Portugal, 2020, ISBN: 978-989-54842-0-1)
Eu sou esta que no mundo perdeu-se,
sou a invisível de lugar nenhum,
A perfeita estatística: mais um.
O ser marginal que desaprendeu-se…
Náufraga social que envileceu-se
nos muros da exclusão do mal comum;
a estrangeira que, em sonhos, feneceu-se.
Sou espectro no além lugar algum.
Sou feita de silêncios eloquentes,
de míseros hiatos de razão
e abundantes perfídias excludentes.
Sou tua cegueira torpe e desonesta,
também teu preconceito sem noção
que viraliza, aparta, mata e apesta.
2. QUEM ME DERA UM GUARDA-SOL…
(In Coletânea Mulherio das Letras Portugal Poesia, In-Finita, 2021, ISBN: 978-989-53008-8-4)
O crepúsculo mora no guarda-sol
Eu, no meu deslugar escolhido
É sempre bom ter um lugar para se guardar
ainda que seja de pedra fria, invernal
Às vezes, a poesia guarda a lua
quando o sol escorrega e tchi-bum no horizonte
Muitas vezes escorrego e não tenho lugar que me guarde
O Atlântico é gigante
e se ampara entre abraços continentes
E o sol que é bem maior
cabe no céu do guarda-sol
Se a lua fosse minha
seria um lugar para eu me guardar?
Há muita coisa e gente que não têm canto que lhes caibam
Disso entendo bem, tenho doutorado
A lua por exemplo é de causar-me inveja
Sempre cabe em alguma poesia
O arroz quase queima e eu pensando no lugar do arco-íris
Tem que ter luz para luzir-se no horizonte
É exigente o danado!
Eu ainda que exija não tem luz que me luza
Meu deslugar me sufoca quando o sol se guarda
e a neve cai rindo de minhas taças de chás quentes
Preciso de um caso de amor torridamente poético, urgentemente
para fazer lugar neste coração luxento
Tipo o sol, a lua, o Atlântico, o arco-íris…
3. DEMIURGO
(In Coletânea Mulherio das Letras Portugal Poesia, In-Finita, 2021, ISBN: 978-989-53008-8-4)
Decompondo-me o mundo
descobri-me Demiurgo
Habito o entre das entranhas
limbo-limiar profundo da não-matéria
[Que ironia do destino!]
como um semideus Insano
(des)tece as farpas
de vil e prateado metal com mãos humanas?
Como corpo frio
sêmen reluzente
luz e caos?
Deus segundo
sina errante
coratio cosmogônico
:matéria lassa
não se adere
nunca não
não digere
o cosmos não
pulsa sempre
Yin Yang
Yin Yang
Yin Yang
aqui dentro
aqui dentro
aqui dentro
4. prevaricato
(não publicado)
o caminho se estreita
a fome se agiganta
cresce o medo de perder
o tempo
o trabalho
a alma em frangalhos
a condição humana
a vida implora
a mínima oportunidade
o salário metade
no inframundo
[soturno mudo imundo]
o prato cheio de fome
alimenta o paradoxo homem
aos olhos desatentos do mundo
enquanto vis harpias
sentinelam a mesa farta
saboreando sorrateiros
eufemismos
a fome com tísicas mãos
devora o proletariado
que mirra, míngua e mata
esquálidos corpos
do exército do medo
rasteira política
pobre, maniqueísta, ardil
prolifera-se em minúsculas
doses de fake news
mas a proposta escopo
ganha foros de antipoesia
e em estado de anorexia
conclama o entalo
incontido e desejado
: “fora, engodo!”
5. PÁSSARO ENGAIOLADO
(In “Permita-se Florescer”, Vol. II, EHS Edições, 2021, ISBN 978-65-88883-28-0)
um pássaro engaiolado me faz morada
os brancos lírios dos campos
guardam resquícios de sonhos
um pé de vento chuta esperanças
ópio pólen papoulas parálise
Ah, esta sina de pássaro encarcerado
que me ata à fera noite das impossibilidades…
É preciso vencer as gaiolas do medo
sentir as asas de uma cigarra cantante
enxergar o istmo nos silêncios audíveis
oscular as doces vulvas das flores
e curar esta síndrome de voos enjaulados…
ainda encontro o prumo das asas:
chave mestra em abrir cárceres.
6. DEBILIDADES
(In “Banzeiro Manso”, Editora Porto de Lenha, 2017, ISBN: 978-85-69564-17-1)
Sempre haverá
um sorriso guardado
no rosto sofrido.
Um beijo idealizado
na boca que ultraja.
Um abraço esquecido
nos lânguidos braços.
Um grito contido
no peito que escarra.
Um prazeroso gemido
na profunda garganta.
Um doce toque
nas mãos calejadas.
E nos ríspidos passos,
sutis pegadas.
7. POROROCA
(In “Banzeiro Manso”, Editora Porto de Lenha, 2017, ISBN: 978-85-69564-17-1)
Minhas águas são rios
que fluem loucamente
em tua direção, com ânsia
de, na tua praia, quebrar-me.
Sou maré alta e quero banzeirar-me,
violentamente, em teus braços.
Sou o estrondo abrupto
das impetuosas ondas
aniquilando silêncios de outrora.
Desejo sitiar teus castelos de areia
e adonar-me de todo teu reino…
Lançar-me em cavalgada ligeira
como se fosse vez derradeira.
Porque o céu é o limite de amar
e o amor tanto nos importa…
Quando o meu rio encontrar
com tua delirante preamar
vai ser linda a nossa pororoca!
8. CORPO NU
(In “Coletânea II: uma Ciranda de Deusas”, Sarasvati Editora, 2021, ISBN: 978-65-994058-9-1)
Tateio o corpo nu da palavra
buscando tua bronzeada tez…
na solitária barca noturna
de sonhos e tolos devaneios
esfrego-me no verbo amar
com sede de conjugações carnais
sucumbo no sexo das palavras…
oh! a língua de Camões me abrasa
o âmago profundo do prazer
sêmen(te) que embriaga
quando goteja fecunda
e explode no branco do papel:
orgia poética de palavras!
9. TROVAS
(no livro “Amazonidades: gesta das águas”, Penalux, 2021, ISBN: 978-65-5862-223-9)
Em meus olhos tudo cabe:
até aquele Rio barrento
copulando com o Negro
em longo dia calorento.
10.
Caniçar verso é custoso:
se o verbo-isca do arrebol
não pulsar vivo, viçoso,
os versos fogem do anzol.