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Fátima Farias. Foto: divulgação

10 POEMAS DE FÁTIMA FARIAS

Através da poesia respiramos sem usar máscaras

Crer na mudança
Como mudam os passos conforme se dança
Não há ritmo igual
Cada um tem seu começo
Seu final
A mudança é real, necessária e fundamental
Cada etapa vivida é um espaço conquistado
Cada mão estendida, revolução anunciada
Cada verso do poema é tira teima.

Outra vez o tempo
Fica o tempo a me observar
Lento
Qual brisa
Às vezes debocha de minha pressa
Sou presa
Enquanto ele liberdade
Capto informações através de bilhetes
Soltos nas frestas
Cato
Acato
Desobedeço
O sono vem
Adormeço forçada
Quando desperto
Está ele na mesma janela
Dessa vez, rápido como um vendaval
Me arrasta pelos cabelos
Insaciável tempo louco de agora
Me leva pela estrada sem fim
Saio de mim
Vou.

Ociosidade
Há dias em que acordo oca
ouço eco
no latido do cão
no miado do gato
no canto do sabiá
Do lado esquerdo da cama
descansa um travesseiro
ecoando saudades
de um tempo que nunca houve
Há dias que acontecem como duplicatas
parece um ontem que surge
sem nunca ter sido hoje.

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Rainha
Queres ser minha rainha?
Te darei um trono
uma coroa dourada
com pedras de diamantes falsos
frutas de época escolhidas a dedo
e uma cobra sem veneno
como bicho de estimação.

A pedra e a Rosa
posso ser uma pedra em seu caminho
se assim desejares
não me veja como bálsamo
pois isso não saberei ser
conjugar o verbo amar acima de tudo já
esqueci faz um bom tempo
acima de tudo, não
pois há a pedra em seu caminho
que às vezes sou
não confunda meu sorriso manso
com consentimento
pode ser apenas controle emocional
dura alguns segundos logo evapora
outra vez sou pessoa
dura exigente
repleta, ao mesmo tempo carente
gente que faz
consequências virão com certeza
se tentar por muitas vezes
um dia dá certo
já não tem dado?
Pedra é pedra
caminho é caminho
o que seria da rosa
não fosse o espinho?

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Sobre outro vazio
Não é a fome que consome e corrói
É o vazio que cega seres ditos humanos para a realidade
O que consome
É um consumir exagerado de não ideias
Causando um entupimento nas artérias pensantes
Vazio
Oco
A fome humana
Se mata com comida
Arroz feijão pão
Marmita caprichada
O vazio não morre por nada
Tentativas em vão
Sua ociosidade
Traz um imã sugador de ignorância
De ignorantes que aumentam
Se alimentando de gritos, ofensas e mentiras
Negacionismo e sangue de inocentes.

Como escrevo?

Ora
Como escrevo
Recebo ordens
Magia
A palavra se cria
Em meio a rima
E desliza como a brisa
Refrescando
Refrescando
Como escrevo
Nem vejo
E quando percebo
Lá está o verso completo
Objeto direto
Fico perfeito
Rio manso em seu leito
Profundo e calmo
Traiçoeiro jeito de escrever
Como escrevo
Tem horas
Que escrevo poesia
Quase sem querer …

—————————-

E se vier a tempestade

Se vier a tempestade
Que eu saiba
Que saibamos
Usar os raios a nosso favor
Que os ventos façam levar
O que dói e atordoa
Na inundação das águas
Que saibamos
Usar a inteligência.

Escreveu incansavelmente
Não reparou o findar da tinta
No papel marcas e letras
Iam formando versos
E quando findou a folha
Sem reparar
Passou a riscar Poesias
Na própria alma.

Seus guardados

Guardou na sacola seus tesouros em lembranças
Uma tábua de passar
Uma barra de sabão
Pedras do arroio
Espuma das águas
Mãos calejadas
Versos cantados
Brincadeiras de roda
Guardou bem guardado
Sorrisos de vó
Abraços de mãe
Bonecas de pano
Vassouras de piaçava
Guardou aromas do feijão na panela de ferro
O pão crescido
A banha legítima
A salsa
a casca da bergamota
O umbigo da laranja
O sonho de criança
A dança no espelho
A coxa fofa e firme
Guardou muito bem guardado
O que coube na sacola memória
Construiu seu mundo a partir daí
Estruturou sua realidade
Firme e forte seguiu
Com sua verdade orgânica e Preta
Sacola repleta de histórias
Dores que a fortaleceram
Sorrisos que se multiplicaram
Gritos que se calaram
Guardou com respeito
Continua guardando
Hoje, liberta ou quase
Tem autonomia o suficiente
Para contar toda a história nas páginas de um Livro

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A morte da morte

Necessito matar a morte
debocha de minhas dores
segura de si
carrega autoconfiança
traz nas mãos garfo e faca
espera a hora do almoço
que é meu corpo
preciso matar
essa morte viva carne
que sangra
sangue roxo de raiva
destilando veneno pelos poros
vejo a uma distância segura
converso com ela
que sorri acenando
…não vai parar, grita
sua missão é séria
comprometida
vem para roubar vidas.

FÁTIMA REGINA GOMES FARIAS, nasceu em Bagé, RS. É poeta, ativista social, produtora cultural, reside em Porto Alegre, na zona leste da cidade na comunidade Bom Jesus.  Profissional da gastronomia, mistura arte de cozinhar com arte de criar verso e composições. Após participar de várias coletâneas cito algumas: Pretessência  ( editora libretos) que reúne poetas do coletivo Sopapo poético, Aquilombados ainda com poetas do coletivo Sopapo Poético (editora Hucitec) Travessias de Amanaã  (editora libretos)  com o coletivo arte Negra Atividades com seis mulheres negras gaúchas. Lançou em 2020 seu primeiro livro solo intitulado Mel e Dendê (editora libretos) que reúne poemas de resistência marcando sua vivência como mulher negra que resiste enquanto tempera o feijão.  Fátima Farias pretende em breve lançar novos trabalhos. Participa de saraus e coletivos, tem presença marcada em slams , e projetos nas escolas onde seus livros são distribuídos através do projeto Adote uma escritora com apoio da secretaria municipal de educação. Prevê para novembro o lançamento de seu segundo solo com total apoio do Instituto estadual do Livro.
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