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“Missão/Missões – Como construir uma catedral” obra de Cildo Meireles por SUSANE KOCHHANN

Cildo Meireles surgiu como artista em meados dos anos 60, transitando entre a produção neoconcreta no Brasil e a arte conceitual internacional. Suas obras apresentam, ao mesmo tempo, a liberdade de formas, o rigor de concepção e um sólido conteúdo ideológico em uma época onde os artistas latino-americanos se mostram sensíveis aos perigos da globalização econômica e cultural.

A obra em destaque é uma instalação do artista Cildo Meireles Missão/Missões – Como construir uma catedral, realizada em 1987, e retrata as Missões Jesuíticas onde a conversão dos índios combinou-se com uma violência que quase os exterminou. De grande apelo dramático, a obra é uma instalação constituída por ossos, hóstias e moedas. Os ossos parecem flutuar sobre as moedas que estão dispostas no piso, mas conectados por uma coluna de hóstias, possuindo um discurso tanto social e político quanto espiritual.

A instalação do artista visual Cildo Meireles: Missão/Missões – Como construir uma catedral, realizada em 1987, possui a dimensão de 236cm x 51cm x 51cm e pertence ao acervo Daros-Latinamerica, em Zurique, na Suíça. Retrata as Missões Jesuítas iniciadas em 1610 no Brasil, no Paraguai e na Argentina e simboliza a tentativa dos missionários de evangelizar e converter ao cristianismo os índios nativos da região. Para a execução desta obra, Cildo Meireles realizou um piso feito de 600 mil moedas de um centavo, ligadas a um teto feito de 2 mil ossos de boi por uma coluna branca de 800 hóstias, 86 pedras de 50 x 50 cm e tecido preto (jersey). As moedas se estendem sob um teto de ossos, sendo que os dois elementos estão unidos por uma coluna de hóstias. Trata-se de um dos principais trabalhos do artista que, a partir dela, passa a ser solicitado no circuito internacional de arte.

• O artista

Pioneiro na arte instalação, Cildo Meireles adotou a Arte Conceitual como forma de expressão, também pela liberdade de não seguir estilos definidos e utilizar materiais diferentes a cada trabalho, sem descaracterizar sua escrita e reflexões que realiza. É considerado um dos artistas mais relevantes no contexto da arte conceitual contemporânea em todo o mundo. Em seu trabalho valoriza a diversidade de suportes, técnicas e materiais, apontando quase sempre para questões relacionadas à natureza política e social. E também por explorar ideias de espaço e circulação em suas obras.
Para o melhor entendimento do contexto em que Cildo Meireles viveu na época da criação da obra em destaque, é necessária uma análise mais profunda do que a meramente visual. É ter, como afirma Kunzler (2010), um olhar para a vida da sociedade, atento às nuances, cores, pensamentos, ações e diversidades que nela estão contidas.
A sociedade brasileira viveu naquele período a virada dos anos 70, marcada pela ditadura política instalada no poder desde o golpe militar de 1964. O estabelecimento da censura, a suspensão dos direitos individuais e a tortura marcaram uma época, resultando em um conjunto significativo de obras, atitudes, comportamentos, exposições e eventos de arte.
Cildo Meireles surgiu como artista em meados dos anos 60, transitando entre a produção neoconcreta no Brasil e a arte conceitual internacional. Suas obras apresentam, ao mesmo tempo, a liberdade de formas, o rigor de concepção e um sólido conteúdo ideológico em uma época onde os artistas latino-americanos se mostram sensíveis aos perigos da globalização econômica e cultural. A geração que se criou na década do conformismo social e no contexto do medo ao “outro” derivado da guerra fria passou a questionar as autoridades, os valores e as instituições de poder estabelecido. Em um discurso anti-guerra, de liberdade, as manifestações criativas surgiram em forma de ativismo cultural. Em uma tentativa de desafiar, explorar ou excluir as fronteiras e as hierarquias que definem tradicionalmente a cultura representada pelo poder, surgiram os impulsos socio-políticos e tecnológicos unindo as estéticas democratizadoras com o ativismo político. Com base na arte conceitual e no pós-modernismo crítico, a arte ativista expandiu as fronteiras entre a arte e o público redefinindo o papel do artista. A participação do público e a importância do processo de criação surgiram como estratégias do pensamento da arte como noções expandidas.
Apossibilidade de sempre começar algo novo, a partir de quase nada, presente na Arte Conceitual, é algo em que Cildo Meireles valoriza, como diz Gomes(2015). Cildo considera a Arte Conceitual a poética mais democrática dentre todas as outras, e por não depender de nenhuma materialidade ou linguagem específica é possível fazer arte mesmo em condições de precariedade material. Avesso à ideia de estilo, em suas produções fornece a cada ideia uma formalização absolutamente diferente da anterior. São obras que não são pautadas por um estilo e não se separam da escrita e das reflexões que o artista realiza. Assim, o artista evidencia de que exerce considerações fundamentais sobre seu próprio processo de criação.

A obra

A obra “Missão/Missões – Como Construir Catedrais” faz referência à opressão política e religiosa, demonstra uma relação de conhecimento histórico e social. É uma instalação de alto impacto dramático e retrata as missões jesuíticas, no qual o alto custo de conversão dos índios combinou-se com uma violência que quase os exterminou. O elo entre as duas estruturas, uma feita de ossos e outra de moedas, é feito de hóstias que liga o chão de ouro ao céu macabro, discutindo relações de poder da Igreja.
Com uma teatralidade barroca, a instalação tem um aspecto de templo, uma metáfora da igreja católica como lugar onde o homem se une a Deus, a preparação espiritual através da arquitetura. Trabalha com uma visibilidade da noção física de dinheiro.
Observa-se o conjunto de ossos formando uma estrutura presa ao teto. No piso as moedas foram colocadas num espaço definido delimitado por pedras, sem qualquer ordem, ou seja, totalmente soltas. Entre estas duas estruturas montadas uma sobre a outra, encontra-se uma coluna de hóstias que possui a intenção de ligação ou conexão entre estes dois elementos. . A instalação foi realizada em um ambiente escuro, e sobre a estrutura de ossos foi projetada uma iluminação na parte central da instalação. Na região periférica da instalação a iluminação contrasta com o centro, causando uma atmosfera de estar em um local sagrado.
Cada material possui uma função ou representação bem definida. Os ossos remetem ao poder espiritual enquanto as moedas, o material. A cortina de transparência sutil causa uma atmosfera que provoca uma sensação de estar em um local sagrado. A luz projetada no centro destaca a coluna de hóstias empilhadas que simbolicamente ligam o céu a terra, os ossos parecem flutuar no ambiente sobre as moedas expostas no chão.
A instalação nos provoca sensações diversas, pois ali existe muito mais do que um discurso político e social. É como se Cildo Meireles nos transportasse para uma dimensão espiritual paralela a nossa. Os elementos de força que compõem a obra e a luz projetada transformam o ambiente em algo sagrado e ao mesmo tempo profano.
A obra do artista faz-nos perceber as possibilidades de linguagens, materiais não convencionais utilizados em produções artísticas, e de como explorar ideias de espaço e circulação das obras. Analisando a obra em destaque foi possível perceber o discurso poético do artista e de como ele se identifica e explora o sentido da Arte Conceitual. Faz-nos refletir sobre as vivências que tivemos, ideias, processo criativo, entre outras.

Bibliografias Consultadas:

FARTHING, Stephen, Tudo sobre arte – Os movimentos e as obras mais importantes de todos os tempos. Rio de Janeiro, ed. Sextante: 2011.

FERREIRA, J.J.; VILELA, L. Cildo Meireles: arte política e globalização. Revista Ciclos, Florianópolis, V. 2, N. 4, Ano 2, Fevereiro de 2015.

GOMES, G.M. Uma escuta para a finitude: ensaio sobre RIO OIR de Cildo Meireles. Dissertação – Mestrado Programa de Pós Graduação em Psicologia. Área de concentração: Psicologia Social e do Trabalho. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2015. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-10082015-113053/en.php

http://www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/galeria-cildo-meireles/

http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10593/cildo-meireles

KUNZLER, N.A. A arte visual no mundo contemporâneo. Revista Digital do LAV – Ano III – Número 05 – Setembro de 2010. http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/revislav/article/view/2133/1295. Acessado em 07/09/2015

 

Susane Kochhann

 

 

Artista visual, curadora, marchand e produtora cultural. Atual presidente da associação dos artistas plásticos de Santa Maria (2016-2020), membro da diretoria cultural da assoc. Riograndense Francisco Lisboa em Porto Alegre e membro do Conselho Municipal de Política Cultural de Santa Maria, no segmento das Artes Visuais. Trabalha com cerâmica, estamparia têxtil, curadoria em exposições de artes e marchand.

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